Entrevista com Matthew Fox
"Não um pecado original”, não uma humanidade caída,
ferida e depois redimida por Jesus Cristo. Mas, um Deus criador panenteísta
(presente em tudo e em todos). A morte como fato natural, parte do ciclo vital
e não conseqüência do pecado de Adão. “A bênção originária” da criação
prenuncia a Redenção. São as teses expressas no livro de Matthew Fox,
intitulado precisamente Original Blessing (1) [Bênção
original], que saiu nos EUA, em 2000 e agora é traduzido na Itália com o
título In principio era la gioia [No princípio era a alegria].
Um texto no qual a tradição católica e apostólica se transmuda numa
religiosidade sapiencial, feminista, ecológica, sensual, com forte veia
vitalista e new age.
A entrevista é de Maria Antonietta Calabrò e
publicada pelo jornal Corriere della Sera, 17-02-2011. A tradução é
deBenno Dischenger.
Eis a entrevista.
Matthew Fox, o então cardeal Ratzinger “condenou” o seu livro
como “perigoso e conduzindo em erro”. Qual tem sido sua reação à eleição a Papa
de um “discípulo” de Agostinho, que o senhor acusa de estar na raiz da teologia
negativa e pessimista do pecado?
Minha reação tem sido a de ir a Wittenberg, na
Alemanha, durante o tempo de Pentecostes e afixar 95 teses na mesma porta onde Martinho
Lutero havia afixado as suas. Pareceu-me particularmente apropriado
porque Ratzinger foi o primeiro papa alemão em centenas de
anos, mas principalmente por fazer ressaltar a profunda necessidade de uma
reforma da Igreja em nossos dias. Penso que minhas 95 teses indiquem a
direção apropriada para a qual devamos mover-nos. Os eventos que aconteceram
depois que ele foi feito Papa, incluindo o tsunami de revelações sobe a pedofilia
dos padres e sobre a cobertura do escândalo da parte da Congregação para a
doutrina da fé que ele guiava, indicam que minhas ações eram justificadas”.
O grande convertido inglês Chesterton exprime conceitos
muito semelhantes aos de “Original Blessing”. Mas, sustenta que a Igreja
católica é o único “lugar onde todas as verdades se encontram”. Por que o
senhor não está de acordo?
Chesterton era, de muitos modos, um celebrante
da teologia da “bênção originária” ou da beleza e bondade originárias Em seu
livro sobre Tomás de Aquino (que li como garoto e influenciou
o meu desejo de me tornar frade dominicano) ele fala do “velho puritanismo
agostiniano” e do pessimismo que o Aquinate combateu tão
fortemente. Quanto à eclesiologia de Chesterton, o nosso
conhecimento do mundo cresceu desde o início do século vinte, quando ele
escrevia. E aprendemos do Concílio Vaticano II que o Espírito
Santo trabalha através de todas as tradições. E que a Igreja institucional é
semper reformanda. Chesterton escreveu que o diabo se encontra
tanto na Igreja como no mundo”.
O Credo codificado em 325 no Concílio de Nicéia afirma:
“Confesso um só batismo para o perdão dos pecados.
Este Credo fala da remissão dos pecados (no
plural) e não da remissão de um só (o pecado original). O batismo dos adultos
“re-limpava” as pessoas dos pecados do passado e os acolhia na nova vida em
Cristo. O batismo dos neonatos os acolhe na comunidade dos fiéis no mundo e na
plenitude de vida com Cristo. Opostamente à falsa caracterização feita por Ratzinger do
meu livro, eu não nego o pecado original. Eu contesto o que nós entendemos com
isto. A palavra “pecado” é muito problemática e não aparece em nenhuma parte na
consciência hebraica (isto é, a de Jesus). Não é uma palavra bíblica.
O papa Wojtyla está para ser declarado beato: sua
abordagem não era positiva, criativa, numa palavra, como diria ele, bendizente?
Há sérios questionamentos sobre esta beatificação.
A começar pelo fato que defendeu a canonização de um homem violento como Escrivá,
o fundador do Opus Dei.
E as multidões que o seguiram?
Não creio que o culto do papado ou grandes multidões falem
necessariamente de renovação da Igreja. A papolatria não é uma virtude. Alguns
escritos de João Paulo II são admiráveis, mas creio que a
história mostrará que ele desenraizou aTeologia da Libertação e as
comunidades de base na América Latina. Sem contar sua completa indiferença para
com a coragem e a santidade de leigos e membros do clero, centenas dos quais foram
torturados e assassinados na mesma América Latina para defender os pobres e
proclamar a Boa Nova da Justiça de um modo concreto (Oscar Romero era
apenas uma destas pessoas santas). Os encargos assinalados a uma hierarquia de
extrema direita (frequentemente doOpus Dei); a recusa de honrar o
princípio de colegialidade fixado pelo Concílio Vaticano II; o
apoio ao padre Maciel, fundador da Legião de Cristo,
mesmo depois que as revelações sobre sua pedofilia tinham sido tornadas
públicas; o diminuir as mulheres, a recusa até de tomar em consideração o clero
casado ou as mulheres padres, também quando os sacramentos são denegados a
muitos pela falta de sacerdotes; o apoio a movimentos fanáticos de leigos que
na realidade não são leigos, como Comunhão e Libertação, o Opus
Dei e a Legião de Cristo; as denúncias profundamente
homofóbicas; a restauração da Inquisição contrária ao ensinamento e ao espírito
do Vaticano II: tudo isso não me faz exprimir admiração.
O senhor deixou a ordem dominicana durante o papado de
Wojtyla...
Eu não deixei a Ordem dominicana, fui expulso. Lutei 12 anos
para permanecer e tive o apoio de muitos dominicanos, sobretudo na Holanda. O Concílio
Vaticano II era focalizado para a renovação da Igreja, mas a grande
parte das declarações sobre isso foi negada durante os papados de Wojtyla e Ratzinger.
Este é o motivo pelo qual muitos pensadores de Igreja que conhecem um pouco de
história retêm que o atual pontificado e o precedente sejam cismáticos”.
Cismáticos?
Um papa e sua cúria (não importa quantas dezenas tenham sido
feitas cardeais e quantos estejam ocupados em canonizar-se um ao outro)
não superam um Concílio. No grande cisma do século XIV, no qual
três pessoas reclamavam contemporaneamente o papado, foi o Concílio de
Constança que destituiu todos os três papas e elegeu um novo. Penso
que seja a época de um catolicismo pós-Vaticano, uma verdadeira cristandade
católica. Talvez a Cidade do Vaticano tenha algo a aprender do Cairo.
Seria preciso derrubar do trono os ditadores e repelir um sistema corrupto, tão
distante dos ensinamentos do Evangelho. Penso que o próprio Jesus poderia
novamente derrubar as mesas dos mercadores no templo, se ele viesse ao cenário
eclesial corrente.
Transmite-se que no fim da vida Santo Tomás tenha dito:
“Tudo o que escrevi é palha”. O senhor que é autor de best-seller;
subscreveria esta frase?
Como ávido leitor do Aquinate, estou feliz que
seus trabalhos tenham sido salvos e que não tenham tido o fim da palha. Sua
experiência mística, em cuja perspectiva havia visto todo o seu trabalho “como
palha” em comparação com a luz de Deus, é uma experiência profunda sobre a qual
devemos meditar. Todos os nossos esforços no mundo do trabalho, da vida
familiar e da nossa cidadania parecem palha no grande esquema da história. Isto
não significa que nós não estejamos aqui para trabalhar duro, divertir-nos e
amar generosamente. Isto significa somente que somos meros instrumentos de um
drama de 13,7 bilhões de anos que chamamos universo. Mas, não era da evolução
cósmica que falava Tomás...
Nota da IHU On-Line:
1.- O título completo do original do livro é: Original
Blessing: A Primer in Creation Spirituality Presented in Four Paths, Twenty-Six
Themes, and Two Questions.
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