O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

18 de fevereiro de 2011

Matthew Fox - ''A bênção original''

''A bênção original''. Um livro polêmico. Entrevista com Matthew Fox
"Não um pecado original”, não uma humanidade caída, ferida e depois redimida por Jesus Cristo. Mas, um Deus criador panenteísta (presente em tudo e em todos). A morte como fato natural, parte do ciclo vital e não conseqüência do pecado de Adão. “A bênção originária” da criação prenuncia a Redenção. São as teses expressas no livro de Matthew Fox, intitulado precisamente Original Blessing (1) [Bênção original], que saiu nos EUA, em 2000 e agora é traduzido na Itália com o título In principio era la gioia [No princípio era a alegria]. Um texto no qual a tradição católica e apostólica se transmuda numa religiosidade sapiencial, feminista, ecológica, sensual, com forte veia vitalista e new age.
A entrevista é de Maria Antonietta Calabrò e publicada pelo jornal Corriere della Sera, 17-02-2011. A tradução é de Benno Dischenger.
Eis a entrevista.
Matthew Fox, o então cardeal Ratzinger “condenou” o seu livro como “perigoso e conduzindo em erro”. Qual tem sido sua reação à eleição a Papa de um “discípulo” de Agostinho, que o senhor acusa de estar na raiz da teologia negativa e pessimista do pecado?
Minha reação tem sido a de ir a Wittenberg, na Alemanha, durante o tempo de Pentecostes e afixar 95 teses na mesma porta onde Martinho Lutero havia afixado as suas. Pareceu-me particularmente apropriado porque Ratzinger foi o primeiro papa alemão em centenas de anos, mas principalmente por fazer ressaltar a profunda necessidade de uma reforma da Igreja em nossos dias. Penso que minhas 95 teses indiquem a direção apropriada para a qual devamos mover-nos. Os eventos que aconteceram depois que ele foi feito Papa, incluindo o tsunami de revelações sobe a pedofilia dos padres e sobre a cobertura do escândalo da parte da Congregação para a doutrina da fé que ele guiava, indicam que minhas ações eram justificadas”.
O grande convertido inglês Chesterton exprime conceitos muito semelhantes aos de “Original Blessing”. Mas, sustenta que a Igreja católica é o único “lugar onde todas as verdades se encontram”. Por que o senhor não está de acordo?
Chesterton era, de muitos modos, um celebrante da teologia da “bênção originária” ou da beleza e bondade originárias Em seu livro sobre Tomás de Aquino (que li como garoto e influenciou o meu desejo de me tornar frade dominicano) ele fala do “velho puritanismo agostiniano” e do pessimismo que o Aquinate combateu tão fortemente. Quanto à eclesiologia de Chesterton, o nosso conhecimento do mundo cresceu desde o início do século vinte, quando ele escrevia. E aprendemos do Concílio Vaticano II que o Espírito Santo trabalha através de todas as tradições. E que a Igreja institucional é semper reformanda. Chesterton escreveu que o diabo se encontra tanto na Igreja como no mundo”.
O Credo codificado em 325 no Concílio de Nicéia afirma: “Confesso um só batismo para o perdão dos pecados.
Este Credo fala da remissão dos pecados (no plural) e não da remissão de um só (o pecado original). O batismo dos adultos “re-limpava” as pessoas dos pecados do passado e os acolhia na nova vida em Cristo. O batismo dos neonatos os acolhe na comunidade dos fiéis no mundo e na plenitude de vida com Cristo. Opostamente à falsa caracterização feita por Ratzinger do meu livro, eu não nego o pecado original. Eu contesto o que nós entendemos com isto. A palavra “pecado” é muito problemática e não aparece em nenhuma parte na consciência hebraica (isto é, a de Jesus). Não é uma palavra bíblica.
O papa Wojtyla está para ser declarado beato: sua abordagem não era positiva, criativa, numa palavra, como diria ele, bendizente?
Há sérios questionamentos sobre esta beatificação. A começar pelo fato que defendeu a canonização de um homem violento como Escrivá, o fundador do Opus Dei.
E as multidões que o seguiram?
Não creio que o culto do papado ou grandes multidões falem necessariamente de renovação da Igreja. A papolatria não é uma virtude. Alguns escritos de João Paulo II são admiráveis, mas creio que a história mostrará que ele desenraizou a Teologia da Libertação e as comunidades de base na América Latina. Sem contar sua completa indiferença para com a coragem e a santidade de leigos e membros do clero, centenas dos quais foram torturados e assassinados na mesma América Latina para defender os pobres e proclamar a Boa Nova da Justiça de um modo concreto (Oscar Romero era apenas uma destas pessoas santas). Os encargos assinalados a uma hierarquia de extrema direita (frequentemente do Opus Dei); a recusa de honrar o princípio de colegialidade fixado pelo Concílio Vaticano II; o apoio ao padre Maciel, fundador da Legião de Cristo, mesmo depois que as revelações sobre sua pedofilia tinham sido tornadas públicas; o diminuir as mulheres, a recusa até de tomar em consideração o clero casado ou as mulheres padres, também quando os sacramentos são denegados a muitos pela falta de sacerdotes; o apoio a movimentos fanáticos de leigos que na realidade não são leigos, como Comunhão e Libertação, o Opus Dei e a Legião de Cristo; as denúncias profundamente homofóbicas; a restauração da Inquisição contrária ao ensinamento e ao espírito do Vaticano II: tudo isso não me faz exprimir admiração.
O senhor deixou a ordem dominicana durante o papado de Wojtyla...
Eu não deixei a Ordem dominicana, fui expulso. Lutei 12 anos para permanecer e tive o apoio de muitos dominicanos, sobretudo na Holanda. O Concílio Vaticano II era focalizado para a renovação da Igreja, mas a grande parte das declarações sobre isso foi negada durante os papados de Wojtyla e Ratzinger. Este é o motivo pelo qual muitos pensadores de Igreja que conhecem um pouco de história retêm que o atual pontificado e o precedente sejam cismáticos”.
Cismáticos?
Um papa e sua cúria (não importa quantas dezenas tenham sido feitas cardeais e quantos estejam ocupados em canonizar-se um ao outro) não superam um Concílio. No grande cisma do século XIV, no qual três pessoas reclamavam contemporaneamente o papado, foi o Concílio de Constança que destituiu todos os três papas e elegeu um novo. Penso que seja a época de um catolicismo pós-Vaticano, uma verdadeira cristandade católica. Talvez a Cidade do Vaticano tenha algo a aprender do Cairo. Seria preciso derrubar do trono os ditadores e repelir um sistema corrupto, tão distante dos ensinamentos do Evangelho. Penso que o próprio Jesus poderia novamente derrubar as mesas dos mercadores no templo, se ele viesse ao cenário eclesial corrente.
Transmite-se que no fim da vida Santo Tomás tenha dito: “Tudo o que escrevi é palha”. O senhor que é autor de best-seller; subscreveria esta frase?
Como ávido leitor do Aquinate, estou feliz que seus trabalhos tenham sido salvos e que não tenham tido o fim da palha. Sua experiência mística, em cuja perspectiva havia visto todo o seu trabalho “como palha” em comparação com a luz de Deus, é uma experiência profunda sobre a qual devemos meditar. Todos os nossos esforços no mundo do trabalho, da vida familiar e da nossa cidadania parecem palha no grande esquema da história. Isto não significa que nós não estejamos aqui para trabalhar duro, divertir-nos e amar generosamente. Isto significa somente que somos meros instrumentos de um drama de 13,7 bilhões de anos que chamamos universo. Mas, não era da evolução cósmica que falava Tomás...
Nota da IHU On-Line:
1.- O título completo do original do livro é: Original Blessing: A Primer in Creation Spirituality Presented in Four Paths, Twenty-Six Themes, and Two Questions.

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