O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

19 de março de 2011

Natureza, ''o corpo cósmico de Cristo''.


Marcelo Barros

Natureza, ''o corpo cósmico de Cristo''. Por uma espiritualidade ecológica. Entrevista especial com Marcelo Barros

Defensor de uma espiritualidade ecológica, o monge beneditino Marcelo Barros nesta entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail, afirma que todas as tradições espirituais, com linguagens diferentes e acentuações próprias, ensinam uma contemplação da presença e da atuação divinas no mundo.

Para abordar a relevância da relação entre espiritualidade e ecologia, Barros estará presente em dois momentos do programa Páscoa IHU 2011, que inicia no próximo dia 30 de março. O primeiro deles é a palestra Diálogo Inter-Religioso e Ecologia, das 17h30min às 19h, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros - IHU, na Unisinos. E o segundo encontro é o painel das religiões Espiritualidade e Ecologia. Uma Perspectiva Inter-Religiosa, promovido em conjunto com o Programa Gestando o Diálogo Inter-Religioso e o Ecumenismo - Gdirec, das 19h30min às 22h, no Auditório Central da Unisinos.

Segundo ele, é importante saber-nos jardineiros do universo, e não seus donos. Em termos cristãos, é preciso "olhar toda a natureza como uma espécie de 'corpo cósmico do Cristo'", ilustra. "O cuidado com a natureza é sagrado, como é a hóstia consagrada".

Além da presença de Marcelo Barros, a Páscoa IHU 2011 aprofunda a reflexão sobre o cuidado da vida na cultura contemporânea por meio da exibição dos filmes A Era da Estupidez, de Franny Armstrong (2009, 98 min.), no dia 30 de março, das 19h30min às 22h, e de Home – Nosso Planeta, Nossa Casa, de Yann Arthus-Bertrand (2009, 90 min.), no dia 26 de abril, no mesmo horário. Ambos serão exibidos na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros - IHU.

Marcelo Barros é monge beneditino, teólogo e escritor. Membro da Comissão Latino-americana da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo - ASETT, assessora as comunidades eclesiais de base e movimentos populares. Tem 37 livros publicados, dentre os quaisO Amor Fecunda o Universo (Ed. Agir, 2009), de coautoria de Frei Betto. Estão no preloDom Hélder Câmara, Profeta para os Nossos Dias (Ed. Paulus) e Espiritualidade Socialista para o Século XXI (Ed. Nhanduti).

Confira a entrevista

IHU On-Line – Em sua opinião, o que é e como pode ser vivida uma espiritualidade ecológica e ecumênica?

Marcelo Barros – A espiritualidade é o caminho de intimidade com o Espírito Divino. O evangelho fala em “se deixar conduzir pelo Espírito”. Isso é graça, é dom. Um modo de se viver isso é se exercitar no amor, na aceitação, no diálogo e no aprendizado com os diferentes – pessoas de outras Igrejas, religiões e tradições espirituais. Isso é a espiritualidade ecumênica. E viver a relação amorosa com todo ser vivo, como expressão da presença divina no universo – a espiritualidade ecológica.

IHU On-Line – Que aspectos da espiritualidade cristã, como vivenciada hoje, podem apresentar sinais “não ecológicos”? Como torná-la cada vez mais ecológica, individual e comunitariamente?

Marcelo Barros – A espiritualidade cristã surgiu do contexto cultural judaico, que teve de se libertar de antigas culturas que adoravam os astros e a natureza e legitimavam opressões, escravidão etc. Por isso, insistiu que Deus se revela na história e deu menos importância à presença divina na natureza. Uma coisa que temos de mudar é certa separação que parecia haver entre Criação e Salvação, natureza e história. Quando eu era pequeno, me ensinaram a orar fechando os olhos. Isso tem um valor – ajuda a nos concentrar –, mas, na espiritualidade ecológica, aprendi a orar abrindo os olhos para a beleza do mundo e da vida.

IHU On-Line – No debate ecológico, parece haver dois contrapontos: os que defendem que as mudanças climáticas não existem e que a natureza está ao dispor do desenvolvimento humano (antropocentrismo); e aqueles que a colocam acima das necessidades humanas (ecocentrismo). É possível encontrar um meio termo?

Marcelo Barros – Não me parece que se trata de meio termo e sim de superar essa noção de qual é o centro ou o mais importante, como se fosse concorrente – ou o ser humano ou a natureza, ou o desenvolvimento ou a preservação. Penso que o mais sagrado é a vida, e a comunidade da vida é o mais importante. De um lado, superar a noção do crescimento ou desenvolvimento como meta acima de tudo. Nem sempre crescer é o melhor. O câncer é o crescimento desorganizado das células e mata. Não é bom.

De outro lado, é certo que o ser humano tem uma missão no universo e não podemos advogar uma ecologia preservacionista que diz: "Se o homem desaparecer da terra, a natureza agradece". Essa não é a visão de uma espiritualidade nem bíblica, nem budista, nem afro ou indígena. O importante é a humanidade não querer ser dona de tudo e sim gerente ou jardineira do universo.

IHU On-Line – O que o relato bíblico da Criação pode nos inspirar acerca de uma espiritualidade ecológica?

Marcelo Barros – Na Bíblia, há vários relatos da Criação. Há alguns nos profetas (Isaías, por exemplo), outros nos livros da Sabedoria e há os dois do Gênesis. A idéia de Criação surgiu na Bíblia como argumento para dizer que Deus é libertador. Em épocas nas quais o povo estava oprimido, os profetas diziam: se ele criou com tanto amor, vai nos salvar. Creio que os relatos da Criação sublinham o amor divino que criou tudo, a missão humana de ser como Deus é para nós, e assim nós sermos para os outros, e a vivência da vocação de defender a vida e de sermos livres e felizes.

IHU On-Line – Que outras narrações religiosas nos ajudam a alimentar e fomentar a mística e a contemplação de Deus presente na natureza?

Marcelo Barros – A mística judaica – dos rabinos – fala em Deus como Mãe, e do universo como saído do útero divino (rabino Luriá, século XVI). A mística do Candomblé diz queOdodua ou Olorum criou nos tornando criadores. Os índios Maya dizem que o ser humano foi criado do milho para ser flexível e um ser alimento de vida para o outro crescer. Penso que todas as tradições espirituais, com linguagens diferentes e acentuações próprias, indicam essa contemplação da presença e da atuação divinas no mundo.

IHU On-Line – Você fala de uma "teologia ecológica da eucaristia", em que a presença de Cristo se dá pelos elementos fundamentais da natureza. Que implicações isso tem para a vivência da fé cristã?

Marcelo Barros – Ajuda a olhar toda a natureza como uma espécie de "corpo cósmico doCristo". Assim como ele nos ensinou que quem dá um copo d’água a um pobre, é a ele que dá, e quem socorre uma pessoa necessitada, é a ele que socorre, assim também o cuidado com a natureza é sagrado, como é a hóstia consagrada.

IHU On-Line – "A criação geme em dores de parto": nos últimos dias, trágicos acontecimentos naturais, como as enchentes no Sul do Brasil e o maremoto do Japão, chocaram a opinião pública. Como analisar, teológica e ecologicamente, esses fatos?

Marcelo Barros – Em horas assim de sofrimento e nas quais temos muitos irmãos e irmãs chorando a dor de entes queridos e países como o Japão e o Haiti, precisando ser reconstruídos, não é justo tirarmos lições frias ou como quem diz: "A gente não tinha avisado?".

Nas enchentes e inundações em várias regiões brasileiras, são sempre os pobres que sofrem mais. Diante de tanta dor, vamos simplesmente nos mobilizar e ser solidários e sofrer com o outro. Todo mundo sabe que a natureza sempre teve esses fenômenos, mas nunca com tanta intensidade e tanta frequência como agora. É preciso mudar os padrões de civilização. Vários países estão se perguntando: podemos continuar a mesma política energética? Construir mais centrais nucleares apostando na segurança que uma vez ou outra falha?

Nada de leituras fundamentalistas – castigo divino ou fim do mundo – e nada de catastrofismo. Mas, sim, partir do sofrimento para nos organizar melhor e aprender a conviver melhor com a terra e com os seus ritmos próprios. Não podemos continuar a construir casas em lugares perigosos, a edificar cidades tomando o lugar do mar e assim por diante. O Apocalipse(capítulos 21 e 22) diz que, na Nova Jerusalém, natureza e técnica humana, construção urbana, têm de ser muito mais harmônicas e casadas.

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