O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

22 de maio de 2012

Cristovam Buarque - A POBREZA DA RIQUEZA

Cristovam Buarque

Em raros países os ricos dispõem de tanta ostentação quanto no Brasil. Apesar disso,
os ricos brasileiros são pobres.
São pobres porque compram sofisticados automóveis importados, com todos os
exagerados equipamentos da modernidade, mas ficam horas engarrafados ao lado
dos ônibus de subúrbio. E às vezes são assaltados, seqüestrados e mortos nos sinais
de trânsito.
Presenteiam belos carros a seus filhos, mas não dormem tranqüilos enquanto eles não
chegam em casa. Pagam fortunas para construir modernas mansões, desenhadas por
arquitetos de renome, e são obrigados a escondê-las atrás de muralhas, como se
vivessem nos tempos dos castelos medievais.
Os ricos brasileiros usufruem privadamente de tudo que a riqueza lhes oferece, mas
vivem encalacrados na pobreza social.
Nas sextas-feiras, saem de noite para jantar em restaurantes tão caros que os ricos da
Europa não poderiam freqüentar, mas perdem o apetite diante da pobreza que por
perto arregala os olhos pedindo um pouco de pão; ou são obrigados a comer em
restaurantes fechados, cercados e protegidos por policiais privados. Quando terminam
de jantar escondidos, são obrigados a tomar o carro na porta, trazido por um
manobrista, sem o prazer de caminhar pela rua, ir a um cinema ou teatro e seguir até
o bar preferido para conversar sobre o que viram.
Não é raro que o rico seja assaltado antes de terminar a refeição, ou no caminho de
casa.
Quando isto não acontece, a viagem é um susto até quando se abriu o portão
automático, como as antigas pontes levadiças dos castelos medievais. E, às vezes, o
susto continua dentro de casa. Os ricos brasileiros são pobres de tanto medo. Por
mais riquezas que acumulem no presente, são pobres  na falta de segurança para
usufruir seu patrimônio e no susto permanente diante das incertezas em que os filhos
crescerão.
O rico brasileiro fica menos rico de tanto gastar dinheiro apenas para corrigir os
desacertos criados pela desigualdade que suas riquezas provocam em termos de
insegurança e ineficiência. No lugar de usufruir todo o seu dinheiro, é obrigado a
gastar uma parte dele para proteger-se de perdas que sua riqueza provoca. Por causa
da pobreza ao redor, os ricos brasileiros vivem um paradoxo: para ficarem mais ricos
têm que ficar mais pobres, gastando cada vez mais dinheiro apenas para se proteger
da realidade hostil e ineficiente.
Quando viajam ao exterior, se tiverem um mínimo de informação, os ricos sabem que
no hotel onde se hospedarão serão vistos como destruidores de florestas na
Amazônia, usurpadores da maior concentração de renda no planeta, assassinos de
crianças na Candelária, portadores de malária, dengue, verminose. São ricos
empobrecidos pela vergonha que sentem ao serem vistos pelos olhos estrangeiros.
Porém, a maior pobreza dos ricos brasileiros encontra-se em sua incapacidade de
enxergar a riqueza que há nos pobres.
Foi esta pobreza de visão que impediu os ricos brasileiros de perceberem, há cem
anos, a riqueza que havia nos braços dos escravos libertos se lhes fosse dado o
direito de trabalhar a imensa e ociosa terra de que o país dispunha. Se tivessem
percebido esta riqueza e libertado a terra junto com os escravos, os ricos brasileiros
teriam abolido a pobreza que os acompanha ao redor  da riqueza. Se os latifúndios
tivessem sido colocados à disposição dos braços dos 34 ex-escravos, a riqueza criada
teria chegado aos ricos de hoje, que viveriam em cidades sem o peso da imigração
descontrolada, com uma população sem miséria.
A pobreza de visão dos ricos impediu-os de ver a riqueza que há na cabeça de um
povo educado. Ao longo de toda a nossa história, os nossos ricos abandonaram a educação do povo, desviaram os recursos para criar  a riqueza só deles e ficaram
pobres: contratam trabalhadores com baixa produtividade, investem em modernos
equipamentos e não encontram quem os saiba manejar, vivem rodeados de
compatriotas que não sabem ler o mundo ao redor. Muito mais ricos seriam os ricos se
vivessem em uma sociedade onde todos fossem educados.
Achando que ao comprar água mineral se protegiam das doenças dos pobres, os ricos
construíram viadutos para seus carros com o dinheiro que teria permitido colocar água
e esgoto nas casas do povo. Montam modernos hospitais, mas têm dificuldades para
evitar infecções decorrentes da falta de esgotos nas cidades. Com a pobreza de achar
que poderiam ficar ricos sozinhos, construíram um país doente e vivem no meio da
doença.
Há um grave quadro de pobreza entre os ricos brasileiros. E esta pobreza é tão grave
que a maior parte deles não percebe. Por isso, a pobreza de espírito tem sido o maior
inspirador das decisões governamentais das pobres elites ricas brasileiras.
Se percebessem a riqueza potencial que há nos braços e nos cérebros dos pobres, os
ricos brasileiros poderiam reorientar o modelo de desenvolvimento em direção aos
nteresses de nossas massas. Esta seria uma decisão que enriqueceria o Brasil nteiro,
pois os pobres sairiam da pobreza e os ricos sairiam da vergonha, da insegurança, da
ineficiência e da insensatez.
Mas talvez isto seja querer demais. Os ricos são tão pobres que não percebem a triste
pobreza em que usufruem suas malditas riquezas.
Disponível em: http://www.portalbrasil.net/reportagem_cristovambuarque.htm
Texto do livro “Os Instrangeiros”, de Cristovam Buarque, editora Garamond.

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