O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

26 de dezembro de 2019

O que nos impede de estar em paz, segundo os padres do deserto

 reflexão de Jean Yves Leloup
Que 2020 nos mantenha na missão de manter o Jardim do CIT(colegio Internacional dos Terapeutas) e ampliá-lo na certeza do bem e do bom; e como diria Roberto Crema com saúde e plenitude para todos.


Os Padres do Deserto* falavam de oito logismos, ou pacotes de memórias, com os quais nos identificamos e que nos impedem de estar em paz. São eles:

strimargia, ou a identificação com nossas fomes, sedes e apetites, o resultado de todas as nossas necessidades, que e somatizam, na maior parte do tempo, oralmente (bulimia, anorexia);

2. Philarguria, ou o medo de nos faltar algo, que se manifesta pela acumulação de bens inúteis; identificamo-nos e buscamos a segurança, pelo que temos e pelo que possuímos;

3. Pornéia, ou a identificação com a nossa vida pulsional, com o medo de nos faltar vitalidade e desejo;

4. Orgé, ou a dominação do irascível e do emocional, a cólera de não ser reconhecido como “centro do mundo”, “digno de reconhecimento e respeito”;

5. Lupé, ou a tristeza de não sermos amados como gostaríamos de ser;

6. Acedia, ou a tristeza de não sermos amados de forma alguma, o desespero diante da evidência de que nunca fomos e nunca seremos amados (a menos que cessemos de pedir e nos tornemos capazes de doar);

7. Kenodoxia, ou a vaidade e a presunção que nos identificam com a imagem que fazemos de nós mesmos, independentemente do que somos na verdade; isto só acontece com angústia, e esta é proporcional à diferença que existe entre o que somos e o que pretendemos ser;

8. Uperephania, sem dúvida, a patologia mais grave: trata-se de colocar nossa identidade ilusória como se fosse a única realidade, e tomarmos a nós mesmos por única referência e juízes do que é bom ou mau; considerar todas as coisas em relação ao prazer ou desprazer que elas nos proporcionam e fazer delas uma lei válida para todos.

Aos oito logismos, ou pensamentos, poderíamos acrescentar muitos outros, como o ciúme, a inveja… e todas as projeções que nos impedem de ver e de aproveitar o que está no presente. Não por acaso, mais tarde, os Padres do Deserto chamaram estes pensamentos ou expressões da mente, que constituem obstáculos à apreensão simples e pacífica do que existe e do que somos, de “demônios” (shatan, que, em hebraico, quer dizer: “obstáculo”).

Em resumo, o principal obstáculo à paz, o maior dos demônios é a nossa própria mente, este reservatório de emoções passadas, que se derrama sem parar sobre o presente; este “pacote de memórias” que denominamos ego, ou eu. Quem sofre ou é infeliz é sempre o eu e nossa identificação com o que não somos realmente.
Que só o presente existe é um segredo bem guardado; o que era, não é mais; o que será, ainda não é; se vivermos eternamente em nossos arrependimentos e projetos, teremos que sofrer e passaremos ao largo do “segredo”… “Ora ao teu Pai que está aí, dentro do segredo”, na presença do que é presente. São palavras do Evangelho e também palavras de cura… A morte não existe ainda, ela não é.
Só permanece este “Eu Sou”, que existe desde sempre e para sempre. Não podemos ir para outro lugar, senão onde estamos; e onde nos encontramos aqui já estamos. Por que procurar, em outra parte, a vida e a paz que nós somos, se a paz é nossa verdadeira natureza, não está por fazer? Trata-se, primeiramente, de conferir menos importância àquilo que nos “impede” de estar em paz; depois, não lhe dar importância alguma, se quisermos; e isto significa aderir, instante após instante, ao que é, com um espírito silencioso, uma mente serena, ou melhor, não identificados com as memórias e com as emoções que essas memórias provocam.

Lembrar-se de que nossa verdadeira natureza está em paz é uma forma universal de oração. Essa rememoração de nosso ser verdadeiro encontra-se, efetivamente, na base das práticas de meditação de várias culturas ou religiões (dhikr – prática islâmica; japa – modalidade de ioga; hesicasmo – seita antiga de místicos cristãos orientais, etc.).
Temos medo de que? De perdermos a cabeça, perdermos a alma, de não sermos o que nossas memórias nos dizem que somos, não sermos coisa alguma do que pensamos ser? Perdem-se as ilusões, os pensamentos, e fica somente o medo de morrer.
Se eu paro de me identificar com o que deve morrer, permaneço já naquilo que sou desde sempre. Não pode haver outro artesão da paz que não seja aquele cujo corpo está relaxado, que tem o coração livre e a mente pacificada.
Mesmo o nosso desejo de paz pode tornar-se uma tensão, um nervosismo, um obstáculo à paz, uma obrigação, um dever que se somará à infelicidade e à inquietação do mundo.
Afirmar que estamos em paz não é negar nossos medos, nossas memórias, nossos sofrimentos… é colocá-los em seus devidos lugares, na corrente insensata e tranquila da verdadeira Vida… “

Uma Reflexão de Natal - os meus Natais.


Uma Reflexão de Natal - os meus Natais.
(o texto foi escrito em 2004, mas não estava no Blog)


Em meio a tantas mensagens de Natal, li algumas nas redes sociais e uma delas conseguiu me espantar. A pessoa dizia na mensagem que não desejaria Feliz Natal porque Jesus não nasceu em 25 de dezembro e que isso era uma invenção etc., etc., etc. Dizia inclusive que a importância de Jesus era relativa se comparada a outras figuras míticas no mundo. Sugeria que esse tipo de manipulação só servia ao comercio e uma série de outras coisas que na verdade caberiam bem em alguém que pretendesse fazer um discurso ateu e revolucionário. Mas não, o depoimento era de alguém que se diz espiritualista, mística, holística e sei lá mais quantos "istica".

Na verdade eu nem discordo de alguns dos argumentos que foram distorcidos ao longo dos séculos, muito menos que o sistema venha investindo pesado no Natal do Papai Noel e dispensando o aniversariante como uma incomoda figura de segunda importância, um figurante que só traz problemas com suas ideias de amor, fraternidade e coisas no gênero.

Por outro lado, vi também gente questionando o fato de se dizer que Jesus é o aniversariante, porque Ele na verdade é maior, é da ordem dos mistérios e reduzi-lo a aniversariante é diminuir sua importância.
Não comentei, até porque tenho procurado polemizar ao mínimo nas redes sociais depois que percebi que essas situações acabam sempre em barracos, e em alguns casos até em processos judiciais e na verdade nada mudam. Mas confesso que fiquei pensando nos meus sessenta e muitos natais, dos quais apenas os primeiros não estão bem vivos gravados na minha memória.

Que importa se Jesus nasceu em 25 de dezembro ou em maio ou talvez abril ou setembro? Porque me exasperar se a sociedade capitalista transformou o papai Noel na figura central do Natal, ou se as pessoas fazem do Natal uma ocasião de excessos?
Há muito tempo que descobri que toda e qualquer mudança precisa começar primeiro em mim para que depois possa pretender que ela atinja as demais pessoas da sociedade. E entre a minha mudança e a mudança da sociedade vai um longo e demorado caminho a percorrer. Certamente não é pelo discurso, pela crítica direta e desprovida de caridade e pela revolta à questões mal resolvidas em meu íntimo, que as pessoas vão mudar. É principalmente pelo exemplo, pelo testemunho de vida que eu posso fazer a diferença e posso me alegrar com os pequenos gestos de mudança das pessoas.

Se há mais de mil anos se repete em uma mesma data um festejo que coloca a fraternidade, o amor e a caridade em evidencia, porque não me alegrar e incentivar isto? Porque não aproveitar esse incentivo para exercitar estas virtudes?
O Natal para mim sempre foi ocasião de muita alegria, sempre foi lembrança de dias felizes na convivência dos primos, e tios, da família em uma mesa rodeada de sorrisos e afetos e abundancia de afeto e alegria e oportunidade de celebrar a união com quem se ama.

É uma época de caridade farta, até mesmo por pessoas pouco dadas a essa prática. É também uma época em que as pessoas se esforçam para pelo menos parecerem melhores.
Não acho que seja o dia da hipocrisia, como alguns insistem em ressaltar. Até mesmo porque se for por alguns instantes, qualquer gesto de amor e fraternidade é louvável.
Não sou palmatória do mundo, prefiro errar por acreditar nas pessoas do que acertar sempre não confiando nelas.

Os meus natais, a maioria deles, sempre foram momentos de muita Alegria, Paz, entusiasmo e Contentamento. Eu tive a graça de ter convivido com meus avós, tanto paternos como maternos. E natal sempre vai me remeter à casa dos avós.

meus avós maternos

Na casa dos meus avós maternos a lembrança mais forte desta época é a do presépio, majestoso na sala de visitas, o mesmo cujas imagens guardo até hoje, com cuidado. A lembrança daqueles dias de orações em volta do presépio na noite de Natal.
Era lá que passávamos a véspera de Natal. A ceia não era como hoje, com comilanças exageradas. Tínhamos as rabanadas, as frutas secas e alguns doces da tradição portuguesa: o “Formigos” ou “Mexido”. Era na verdade uma espécie de creme, onde de tudo um pouco entrava na sua confecção: pão esfarelado lentamente até quase virar farinha, água, ovos, mel, vinho, amêndoas e uma quantidade enorme de paciência para mexer a grande panela de barro em fogo brando por horas e horas a fio. Uma tradição que minha avó manteve até seus oitenta e nove anos, quando partiu e o mexido passou a só existir junto com ela, em nossas lembranças.

meus avó paternos eu e meus primos ano provavel 1956

No dia de natal, o almoço era na casa dos avós paternos e ali, a família por ser maior, a atividade era imensa. Acho que nenhum de nós, os netos, éramos nove, conseguirá esquecer, por mais que o tempo passe aquelas festas, aquela algazarra de crianças por todo lado e adultos atarefados. No quintal a mesa de pingue-pongue armada com uma toalha e a sua volta bancos, cadeiras e o que mais servisse para que TODOS pudessem sentar-se à volta da mesa e saborear o almoço de natal. O Almoço durava horas...

Terminado o almoço começava uma arenga, quase briga, era a disputa para quem ia lavar a louça... Por incrível que pareça todas, filhas e noras, disputavam a honra de pilotar a pia.
Mas, a coisa mais sagrada, depois do almoço era quando vovó fazia questão de buscar o saco das pedras e os cartões do jogo de víspora e a tarde voava entre o canto de um número e outro e a tensão de não perder nenhuma marcação com os caroços de feijão e os gritos: "duque", "terno!”...
De repente alguém dizia: Ah! Peraí ! Eu tinha marcado esses...
e o vovô dizia : comeu barriga ! Perdeu...
Muitos risos e muita alegria e já alguém gritava: “ duque de ponta”, ou terminava aquela série com um sonoro: "V I S P O R A" !!!!!

Desta época de natal minha memória acusa a lembrança de uma iguaria que só era feita nesta época do ano: os Mantecais. Durante a semana que antecedia o Natal uma bacia era posta na sala de jantar sobre a mesa e nela alguns quilos de banha de porco que minha avó batia com uma colher de pau até que virasse um creme quase líquido em que eram acrescentados outros ingredientes até virar uma massa clara como massa de empada. Depois vinha o momento de enformar os “mantecais”, e eu sempre dava um jeitinho de roubar um pouco daquela massa doce e gostosa. As formas eram como que barquinhos e aos montes eram colocadas para assar e o cheiro ia longe. Assados os mantecais, que na verdade eram uma espécie de biscoitos amanteigados, típicos da tradição espanhola, na distante Málaga da infância de vovó, eram passados no açúcar e canela e guardados em grandes latas para serem saboreados nas festas de fim de ano.
Nunca consegui recuperar a receita para comer e reavivar aquele gosto de infância feliz.

A lembrança da vovó está muito associada àquelas festas na vila da rua Dona Maria, na “Aldeia Campista”, bairro hoje considerado como Tijuca, e à alegria de tempos que embora difíceis, não foram capazes de escurecer a lembrança viva da alegria da família reunida no Natal.
Mais tarde o tempo se encarregou das transformações, algumas bem dolorosas e significativas. Por ironia a vovó Bebel, essa avó paterna, nos deixou em um dia de Natal bem cedo. Lembro bem e eu devia ter meus 19 anos, a notícia chegando no dia 25 de dezembro com o raiar do dia.


Depois que eu casei e os filhos chegaram eu tomei como tradição fazer o Natal, reunir a família e comemorar esta data, que até hoje é para mim muito especial.
Trouxe para mim o mesmo presépio que meu avô comprou lá pelos anos 30 e o gosto de reunir a família e celebrar. Celebrar algo que só quem não quer ver não percebe. São os judeus e a festa da Luz, o Hanukah, ou pode ser a comemoração do Deus pagão como Mitra, ou para nós cristãos o nascimento da Luz.

Este é o presépio comprado por meu avô em 1930

“O povo que andava nas trevas viu uma grande luz naquela noite”. É assim que a bíblia se refere à chegada de Jesus. E o natal é exatamente isso, "Luz". O mistério da Luz que não se apaga nunca.
Sejam as luzes artificiais das fachadas, ou a luz que cada um, se quiser e permitir, acende em seu próprio coração, neste tempo de grandes transformações. E qual sarça ardente jamais se apagará.
Natal é oportunidade de renascimento, é tempo de nos lembrarmos de que existe algo luminoso em nós e que só depende de cada um de nós querer manter aceso, ou ocultar e alardear que não há mais esperança para esse mundo.
De minha parte, continuo acreditando em utopias e buscando manter acesa a chama da vida que a cada natal é avivada por uma onda de paz, e alegria.

É natal, pelo menos por hoje troque as reclamações por agradecimentos, Troque a cara feia por um sorriso. Nós podemos se quisermos transformar esse mundo em algo mais alegre, e digno de seres criados à semelhança de um Deus.
Feliz Natal !
A transformação é possível, vamos manter bem forte esta chama, nós podemos.

25 de dezembro de 2019

Os natais de nosso tempo


As vezes Jesus nasce sem um S. José para protege-lo. Sem estábulo disponivel e até sem uma manjedoura, para lhe abrigar.
Atualmente, principalmente no Brasil, Jesus tem nascido no meio da rua, numa calçada qualquer, e ainda corre o risco de nem chegar á idade em que há 2000 mil anos o crucificaram.
Atualmente ele costima morrer de fome antes do 2 anos, ou quando sobrevive pode morrer de "bala perdida" antes da adolescencia, ou de baba mandada depois de se tornar adolecente.
Até para o filho de Deus as coisas não andam fáceis.


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LENDA DO ALECRIM



Dizem que quando a Sagrada Família fugiu para o Egito com Maria levando em seus braços o menino Jesus ,as flores do caminho iam-se abrindo à medida que eles passavam por elas. O lilás ergueu seus galhos orgulhosos e emplumados, o lírio abriu seu cálice . O alecrim sem pétalas nem beleza , entristeceu lamentando não poder agradar ao menino . Cansada, Maria parou à beira do rio e enquanto a criança dormia , lavou suas roupinhas . Em seguida olhou em redor , procurando um lugar para estendê-las .

-- O lírio quebrará com o peso e o lilás é alto demais .
Colocou-as então sobre o alecrim e ele suspirou de alegria , agradeceu de coração a nova oportunidade e as sustentou ao sol durante toda a manhã .
-- Obrigada , gentil alecrim ! disse Maria
--Daqui por diante ostentarás flores azuis para recordar a cor do manto que estou usando . E não são apenas flores que te dou em agradecimento , mas todos os galhos que sustentaram as roupas do pequeno Jesus serão aromáticas .
" Eu abençoo folha, caule e flor , que a partir deste instante terão o aroma de Santidade e emanarão alegria "

Há uma criança nos querendo falar

Há uma criança nos querendo falar, em meio a este mundo tão absurdo, palavras de Justiça, Paz, perdão, misericórdia e compaixão... Será loucura ou excesso de lucidez?




Há um enorme turbilhão levando a todos ao consumo frenético e sem controle. E aquela criança ali, num estábulo pobre, em meio a animais nos convidando a olhar para dentro e entrar e contato com o mais íntimo de nós: desfrutar da presença que nos habita.
Ele foi colocado em uma manjedoura, um coxo onde os animais se alimentam. Bela metáfora.

E isso nos convida a refletir sobre o que temos escolhido para nos alimentar.
Bons sentimentos ou apenas raiva, ódio e intolerância? Também nos questiona sobre o que temos dado aos nossos semelhantes para comer?
Boas palavras ou incitação a sentimentos menos luminosos?

Que neste Natal sejamos capazes de fazer silêncio e ouvir o que a criança que vive em nós tem a nos dizer e que tenhamos a coragem de nos deixar guiar por ela, a divina chama do amor que nos convida a transformar esse mundo, a edificar o reino da justiça, paz e amor.

Que o ano novo nos encontre assim extasiados pela divina presença da criança divina que renasceu no meio de nós.
Que a divina criança lhes acenda ainda mais o fogo do Amor, da justiça, da compaixão e da Paz em seus corações.

E diante da simplicidade de um menino que veio nos ensinar que a Justiça e o Amor são as grandes metas a alcançar  quero pedir que Ele fortaleça a nossa caminhada e aumente a nossa boa vontade, em nossos corações para que possamos viver a verdadeira Paz.

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20 de dezembro de 2019

Alba Zaluar uma batalhadora contra a violencia



Deixou-nos hoje a antropóloga, professora e batalhadora contra a violência
Que ela tenha o merecido descanso.
Alba Maria Zaluar. 2 de junho de 1942, / 19 de dezembro de 2019

Vá na paz daqueles que cumpriram sua missão com louvor.

Coca-Colonização da cultura: Como o Natal se americanizou em todo o mundo

O texto não é meu, me foi enviado pelo amigo André eeu o achei tão imprtante que resolvi publicá-lo


 


feriado religioso mais popular da cristandade carrega em si próprio uma grande contradição: é durante as celebrações de Natal que ao menos quatro dos sete pecados capitais, condenados pelo cristianismo, são mais venerados – a gula, a luxúria, a avareza e a inveja.

A festividade cristã se tornou uma das datas comerciais mais lucrativas e, embora esse fenômeno não seja essencialmente norte-americano, ele se agudizou à medida que avançava a hegemonia sociocultural e econômica dos EUA, que exportou um Papai Noel de roupas vermelhas e uma garrafa de Coca-Cola em mãos como árbitro das celebrações natalinas em todo o mundo.

Basta estudar a própria construção simbólica do Natal tipicamente norte-americano para constatar que a festividade bebe das mais diversas tradições culturais europeias, trazidas por imigrantes e incorporadas à cultura popular dos EUA. É nesse sentido que o antropólogo britânico Daniel Miller – estudioso formulador da “Teoria do Natal”, por meio da qual expõe descaracterizações na data, trazidas pela obrigação da troca de presentes – identifica uma série de linhas de influências que atravessaram os mares e passaram a operar na celebração do Natal desde meados do século XIX.
Segundo Miller, o Natal moderno mistura o corte de árvore da tradição alemã, o preenchimento de meias da tradição holandesa, o envio britânico de cartões natalinos e a manjedoura dos presépios típica dos italianos. Além disso, os dois artistas responsáveis ​​pelas representações visuais mais influentes da figura do Papai Noel tinham fortes antecedentes europeus: no século XIX, o cartunista Thomas Nast (nascido na Alemanha em 1840) e, no século XX, o ilustrador publicitário Haddon Sundblom (norte-americano de ascendência sueca e finlandesa). 
Entretanto, para o professor de estudos de mídia George Mckay, da Universidade de East Anglia, houve nos EUA um elemento fundamental para que todos esses símbolos oriundos de ritos cristãos e pagãos se aglutinassem em um só arquétipo moderno de festejo natalino: o fenômeno do consumo de massa.
O Natal disseminado como ocasião de consumo de massa impulsionou o feriado como “festival global”. Se o Natal contemporâneo, de fato, envolve uma amálgama de costumes, geralmente específicos de nações, regiões ou até aldeias, também está integrado à formação de símbolos e costumes “globais”, isto é, influenciados pelos processos de globalização e americanização. Na própria sequência de “’festivais de consumo” no calendário norte-americano, que inclui o Halloween e o Dia de Ação de Graças, somente o Natal alcança o status de festejo global, tendo como principal figura visual o Papai Noel, um personagem criado nos EUA.

Natal, festival de consumo à americana




Um discurso recorrente em críticas ao aumento do consumo no Natal é que há uma contradição entre a concepção tradicional da data como festividade cristã e ritual de celebração da família – espaço caracterizado pela afetividade – e o comércio durante a temporada natalina – espaço intrínseco à esfera impessoal do mercado. O “materialismo” vigente no sistema de mercadorias seria a força capaz de destruir o “espírito natalino”, e a oposição imediata a ele seriam certos laços de sociabilidade, em especial a família nuclear.
O ritual de dar presentes no Natal remonta às sociedades pré-industriais. Ele começou na época das Treze Colônias, quando os primeiros norte-americanos mantinham uma antiga “obrigação” de oferecer presentes aos mais pobres. Naquele período, não havia ainda a troca de presentes, mas apenas uma “doação”. Porém, essa tradição futuramente se readequou a um conjunto de práticas e inovações na vida social e comercial ligadas ao desenvolvimento do capitalismo ocidental nas esferas urbanas, tanto doméstica como pública. Ao mesmo tempo, a expansão das lojas de departamentos criou uma experiência de lazer e de estilo de vida consumista, e a publicidade se tornou uma forma dominante de comunicação e persuasão da mídia de massa, baseada, em grande medida, nos novos produtos disponíveis nessas “catedrais do consumo”.
Ainda no século XIX, os lojistas norte-americanos perceberam o enorme potencial de impacto do Natal no aumento de suas vendas. O primeiro reconhecimento do aumento sazonal nas vendas e no volume de negócios no período natalino – fenômeno comercial hoje conhecido de todos – aconteceu já em 1867, quando Rowland Hussey Macy, dono da tradicional loja de departamentos Macy’sestendeu o horário de funcionamento de sua loja em Nova York até meia-noite, fazendo com que, em único dia, atingisse um recorde de vendas superior a  6 mil dólares. Em 1874, a Macy’s inovou ao apresentar na vitrine uma promoção de bonecas importadas no valor de 10 mil dólares, exclusiva para a compra de presentes natalinos, e ao oferecer bônus de Natal a seus funcionários.
O significado social da popularização das lojas de departamentos nos EUA e, mais tarde, na Europa no final do século XIX e início do século XX ultrapassa a mera ascensão do consumo e do “materialismo”. Era algo inédito que consumidores pudessem entrar gratuitamente em uma grande loja, e a disposição acessível das mercadorias estimulava as compras, mesmo para quem não tivesse condições de comprar. Em outras palavras, as lojas de departamento democratizaram o desejo.
Além disso, foi nessa época que a loja de departamentos Montgomery Ward, em Chicago, criou no imaginário popular outro personagem símbolo do Natal: Rudolph, a rena do nariz vermelho. Em 1939, mais de dois milhões de cópias da história de Rudolph foram enviadas junto com os catálogos da Montgomery Ward. Uma década depois, a canção homônima cantada por Gene Autry, baseada no personagem da rede de lojas, tornou-se um grande sucesso e continua sendo uma das canções de Natal mais populares da temporada natalina nos EUA, evidenciando a inter-relação entre publicidade e cultura popular. Todavia, nenhum símbolo expõe de forma mais explícita a relação entre a temporada natalina e predominância do jogo das relações mercantis do que a figura do Papai Noel.

Papai Noel, a divindade do “materialismo”

Com seu saco de presentes e dotado de toda sorte de poderes mágicos – onisciência, voo, viagem no tempo e mudança de forma –, o personagem do “bom velhinho” foi central na transformação do Natal em um festival global. Sua principal característica como provedor de bens de consumo fez com que alçasse o status de símbolo da abundância material e do prazer hedonista e, por consequência, de “divindade do materialismo”, como diria Daniel Miller. Ele – e não Jesus Cristo – passa a ser a figura central de organização do evento, e o nascimento a ser comemorado não era mais o do aniversariante da data segundo a tradição cristão, mas o de um novo nicho de mercado.
Figura sagrada feita sob medida para um mundo secular, o Papai Noel moderno é fruto da fusão sincrética de vários personagens diferentes trazidos por imigrantes europeus aos EUA. É o que aponta Claude Lévi-Strauss em seu clássico ensaio “O suplício do Papai Noel” de 1952, em que analisa um caso ocorrido no Natal anterior em Dijon, na França, quando católicos e luteranos se uniram para queimar um boneco de Papai Noel em uma fogueira em protesto pela “crescente paganização do dia de Natal” – um episódio que o jornal espanhol El País apelidou de “o último auto de fé da Europa”. Para o antropólogo francês, a variedade de nomes dados ao personagem – Papai Noel, São Nicolau ou Santa Claus – demonstra que ele é resultado de um “fenômeno de convergência e não um protótipo antigo conservado por toda parte”.
Por outro lado, o “bom velhinho” identificado fundamentalmente a partir dos EUA não se assemelha mais com os personagens europeus que o originaram, como São Nicolau (protetor dos marinheiros e comerciantes) ou Knecht Ruprecht (companheiro de São Nicolau, de acordo com o folclore alemão). Ele tem uma personalidade mais apresentável para sua aparição em lojas e residências e distribui presentes e não apenas frutas, nozes e brinquedos caseiros. Com uma aparência paterna não ameaçadora, sua imagem como conhecida hoje surgiu em janeiro de 1863 pelas mãos do cartunista político da revista Harper’s Weekly, Thomas Nast. Em um contexto de Guerra da Secessão nos EUA (1861-1865), o Papai Noel já estava localizado ideologicamente nos desenhos de Nast. Para construir parte do imaginário da União (o Norte) durante a Guerra Civil, a implicação era que as crianças sulistas se perguntariam por que o Papai Noel não as estava visitando.
Um homem estranho, gordo e de bochechas rosadas que invade as casas no meio da noite e frequentemente visita as crianças em seus quartos passou a evocar não um pesadelo, mas um sonho e desejo, e se tornou símbolo de um festival domesticado. Por ironia, a despeito de sua aparência distinta e de sua origem localizada reconhecidamente nos EUA, o Papai Noel não é facilmente identificável como uma figura tipicamente norte-americana – suas roupas, por exemplo, são vermelhas e brancas e não vermelhas e azuis, tais quais as cores da bandeira nacional. Talvez a única exceção a isso seja o primeiro desenho de Nast, de 1863 – um Papai Noel em um acampamento de tropas da União com a bandeira estrelada em seu paletó e calça listrada.
De fato, a americanidade do Papai Noel se tornou mais clara desde os primeiros antecedentes históricos da propaganda para o marketing sazonal de Natal ainda no século XIX, quando uma loja na Filadélfia utilizou o personagem para fazer propaganda de suas mercadorias aos transeuntes e recorreu à sua representação visual que se tornaria clássica no século seguinte – alegre, corpulento, com uma barba branca e vestindo roupas felpudas. Pois essa é a imagem incorporada à publicidade da Coca-Cola Company no início da década 1920, quando a marca de bebidas começou a fazer campanhas de Natal nas cores corporativas da empresa em vermelho e branco, a fim de expandir as vendas de refrigerantes no inverno. Foi a campanha da Coca-Cola que tornaria tal representação do Papai Noel consagrada no imaginário coletivo contemporâneo.
A companhia de bebidas utilizou o personagem em sua publicidade sazonal pela primeira vez em 1915 e, mais tarde, quando desenvolveu propagandas de sua água mineral White Rock especialmente para a revista Life entre dezembro de 1923 a 1925. Os anúncios mostravam um Papai Noel em trajes e cenários familiares: roupas de pele vermelhas e brancas, sentado ao lado de uma geladeira, em ambientes domésticos de Natal confortáveis ​​e acolhedores (em geral, em contraste com uma cena de inverno do lado de fora, visível através de uma janela). Em meio à década da Proibição pela Lei Seca (1920-1933), os anúncios popularizaram a White Rock a ponto de seu nome ter virado sinônimo de água com gás e, mais tarde, um código secreto para pedir bebidas alcoólicas misturadas nos bares norte-americanos.
Foi a partir de 1931 que a figura visual do Papai Noel ganharia extrema popularidade com os traços do ilustrador Haddon Sundblom e demarcaria definitivamente a conexão no seio da sociedade norte-americana entre a publicidade natalina e o comércio. Os desenhos coloridos do personagem por Sundblom – impressos não só em revistas, mas também em cartões natalinos – ocupam até hoje um lugar central no imaginário público sobre o que representa o Natal.
Do ponto de vista mercadológico, a sazonalidade das vendas é um ponto nevrálgico para produtos refrigerados, já que há pico de vendas no clima quente (verão) e queda no frio (dezembro é inverno nos EUA). Assim a Coca-Cola soube articular sua estratégia de marketing sazonal de aumento de gastos dos consumidores com a compra de presentes e, para tal, optou por associar sua imagem ao consumismo crescente da época festiva. Por isso, sua campanha inicial foi “Sede não conhece estação”. Inicialmente, os anunciantes apresentaram Papai Noel relaxando de seus trabalhos bebendo o refrigerante; depois, mostraram como as crianças poderiam deixar não mais leite, mas uma Coca-Cola, para o “bom velhinho”; por fim, sugeriram que os presentes entregues pelo Papai Noel eram em troca do próprio refrigerante. Todo esse conjunto de códigos compunham a identidade de uma marca poderosa com reconhecimento transnacional.

A “Coca-Colonização” do mundo




No anúncio de Natal da Coca-Cola de 1943, Papai Noel é mostrado caminhando alegremente pela neve virgem com um pesado saco de presentes sobre um ombro e uma garrafa de Coca-Cola na outra mão. Suas botas cobertas de neve, indicando a longa jornada que peregrina, e o slogan “’Onde quer que eu vá” são a metáfora perfeita da ambiciosa expansão global do plano de negócios da empresa. Por trás dela, na direção em que ele está caminhando, também flutua um globo terrestre, enrolado com uma fita e um rótulo de presente de Natal. No globo, podem ser facilmente identificadas as Américas, a África e a Europa, enquanto o logotipo “Coca-Cola” cobre o território dos EUA no mapa.
Na mesma época, os soldados norte-americanos no front na Europa bebiam garrafas de Coca-Cola fornecidas pelo próprio governo dos EUA como parte dos esforços de guerra. O slogan publicitário de 1945 era: “Sempre que você ouve ‘Coca-Cola’, ouve a voz da América”. Cinco anos depois, as fábricas da companhia já estavam estabelecidas em diversos países da Europa Ocidental, e a capa da revista Time mostrava o mundo bebendo uma garrafa de Coca-Cola. O refrigerante estava rapidamente se tornando a bebida do planeta.
Na Europa do pós-Guerra, a chegada da Coca-Cola provocou oposição em vários países. Em muitos casos, os interesses locais de bebidas tentaram bloquear a entrada do refrigerante americano, como na Bélgica e na Suíça, onde a companhia enfrentou ações judiciais sob a alegação de que continha uma quantidade perigosa de cafeína. Na Dinamarca, as cervejarias conseguiram banir a bebida temporariamente. Na maioria dos casos, os partidos comunistas locais lideraram essa oposição, descrevendo a bebida como uma droga viciante ou mesmo um veneno. Na Itália, o L’Unità, jornal do Partido Comunista, alertou os pais de que a Coca-Cola poderia deixar os cabelos das crianças brancos. Já os comunistas austríacos afirmaram que a nova fábrica de garrafas em Lambach poderia ser facilmente transformada em uma fábrica de bombas atômicas. Porém, todos esses distúrbios pareceram triviais se comparados com o tamanho da controvérsia de quando a Coca-Cola chegou à França.
No país, as primeiras garrafas de Coca-Cola foram vendidas aos militares americanos em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, porém, com exceção de alguns cafés famosos que atendiam a turistas americanos, os estabelecimentos franceses raramente serviam a bebida durante os anos 1920 e 1930. Após a Segunda Guerra, a Coca-Cola Export Corporation orquestrou um plano de marketing voltado ao país, com a construção de uma nova fábrica em Marselha. As concessionárias deveriam empregar técnicas americanas de vendas e distribuição, incluindo novos caminhões brilhantes pintados nas cores da empresa, degustação gratuita e recomendações por parte de esportistas e artistas de cinema.
Prontamente, iniciou-se uma fortíssima oposição à penetração da empresa de bebidas na sociedade francesa. A Coca-Cola enfrentou sérios problemas políticos e levantou preocupações generalizadas sobre a “americanização da França”. A expressão “Coca-Colonização” ganhou as páginas da mídia imprensa comercial e de esquerda e, entre 1949 e 1953, travou-se uma batalha que ia desde os círculos comunistas até o governo da IV República francesa, passando por industriais e viticultores – todos discutindo sobre cultura e identidade nacionais da França em meio à implantação do Plano Marshall. O jornal comunista L’Humanité se perguntava: “Seremos coca-coca-colonisés?”. O Partido Comunista Francês alertava que a companhia norte-americana diminuiria ainda mais as vendas de vinho e que as reduções tarifárias exigidas pela Coca-Cola piorariam o déficit comercial do país, além de noticiar o boato de que o sistema de distribuição da empresa serviria de fachada para a rede de espionagem dos EUA.
Nesse cenário típico de Guerra Fria, o antiamericanismo liderado pelos comunistas atacou a geladeira como um sintoma do consumo excessivo dos norte-americanos. Para os militantes do Partido Comunista Francês, a Frigidaire, subsidiária norte-americana da marca de eletrodomésticos Electrolux, produzira equipamentos inúteis para a maior parte do ano, exceto por fazer cubos de gelo para coquetéis de uísque. Isso porque, na França, fazia frio o suficiente para pendurar na janela as sobras de cordeiro, e elas se manteriam conservadas de domingo até quarta-feira.
Paralelamente, a geladeira era um item essencial da vida cotidiana norte-americana mesmo durante o inverno. Portanto, o eletrodoméstico era símbolo da esfera doméstica das casas nos EUA, justamente o espaço familiar que servia de ambiente para os anúncios natalinos do Papai Noel da Coca-Cola – retratados com uma lareira crepitante, uma árvore de Natal decorada e uma geladeira contendo garrafas de refrigerante.
á sacralizado como ícone central das publicidades da Coca-Cola, fica difícil não pensar o Papai Noel, portanto, como um emblema global do modelo de consumo constituinte do American way of life. A diáspora do Papai Noel não é diferente da diáspora da Coca-Cola como uma alegoria da modernidade americana. Nesse sentido, as formas de consumo nos EUA inscreviam em si próprias variadas expressões de poder, prazer e medo. Consistiriam elas uma forma de imperialismo cultural por parte dos EUA? Afinal, o conceito de imperialismo cultural norte-americano diz respeito à própria agressividade com a qual Washington tenta exportar seus bens culturais e ideologias dominantes a outras nações. Essa modalidade de imperialismo não significa controle colonial aberto, mas dependências econômicas e dominação ideológica por influência cultural. A exportação da cultura popular norte-americana é criticada nos países que a recebem por conta de seus supostos efeitos homogeneizadores, que eliminariam peculiaridades locais.
No movimento de americanização, a penetração global das empresas norte-americanas anda de mãos dadas com uma disseminação cultural e ideológica quase unilateral. O marketing da mídia norte-americana, incluindo o cinema hollywoodiano e sua música popular, se integra à presença política, econômica e militar dos EUA em todos os continentes, propagando os costumes e valores norte-americanos, bem como o próprio idioma inglês em todo o mundo. Segundo o professor George Mckay, nesse jogo, a novidade se sobrepõe à tradição e a nostalgia à história, e a mídia de massa e a mercantilização desenfreada nos negam agência em nossas próprias escolhas culturais.
É justamente a esse processo que diferentes sociólogos deram o nome de Disneyzação (Alan Bryman), McDonaldização (George Ritzer) e Walmartização (Neil Wrigley), assim como, é claro, a Coca-Colonização. Todos eles defendem que, nas sociedades contemporâneas, elementos culturais – roupas, música, TV, alimentação, convenções linguísticas e modelos de negócios – aparentemente estão se tornando cada vez mais padronizados. A Coca-Colonização sustenta a perspectiva da homogeneização do mundo, fruto do triunfo do imperialismo cultural sobre as culturas locais rumo a um modelo de consumo mundialmente americanizado.
Cruzando fronteiras com facilidade, os prazeres da América são experimentados pelo mundo inteiro pelo consumo conspícuo de produtos de marcas dos EUA, como os cigarros Marlboro, os tênis Nike, as barras de chocolate Hershey, os jeans Levi e os chicletes Wrigley – comprados pelo simples fato de serem norte-americanos. O regozijo pelo livre acesso a essas marcas – profissionais em apelar e manipular cada vez mais às emoções de seus potenciais consumidores – é acompanhado do consumo cultural do rock ‘n’ roll, jazz, rap, NFL, NBA, HQs, pop artfast food e LSD, envolvendo os jovens estrangeiros no hedonismo e provocando pânicos morais regulares entre diferentes gerações em torno da última moda pop.
No caso do Velho Mundo, hierarquias culturais e consensos intergeracionais foram bruscamente rompidos no decorrer do século XX. As reações populares ao poder mercadológico desses cânones do capitalismo norte-americano contribuíram para uma corrente de desconfiança dos EUA e de seus prazeres culturais pop entre os mais significativos setores das sociedades europeias. Essa desconfiança atravessa todo o espectro político e ganhou dimensões perigosas durante a Guerra Fria. O medo francês da dominação norte-americana em seu território tem um sentido não só cultural, mas também político e econômico.
Em um cenário em que a Coca-Cola e a iconografia do feriado natalino se desenvolveram quase como irmãos gêmeos nos EUA, a reação à livre invasão cultural das mercadorias e da simbologia norte-americana do Natal mistura crítica políticas e estritamente estéticas. Na Europa, são recorrentes narrativas contrárias à invasão de um Natal americanizado, que exporta consigo árvores de plástico, neve enlatada, Papai Noel de poliéster e canções natalinas gravadas como músicas de elevador. Durante novembro e dezembro de 1991, no Canadá, as pinturas do Papai Noel de Sundblom para as propagandas da Coca-Cola foram exibidas em exposição no Museu Real de Ontário, em Toronto, e rapidamente sofreram um rechaço coletivo de críticos de arte, que repudiaram a “associação do museu com junk food” e a vinculação do “nascimento de Cristo com o Papai Noel, com o consumo”.

Natal, consumismo e americanização?

Porém, afinal de contas, se o Natal se tornou temporada de consumo dentro da lógica do capitalismo norte-americano, o sentido tradicional do feriado religioso teria sido completamente corrompido? O Natal contemporâneo, moldado nas formas do American way of life, seria uma mera “profanação” descaracterizada pelo consumismo, perdendo seu valor originalmente sagrado? Para o sociólogo Michael Schudson, da Universidade de Columbia, a prevalência do costume de dar presentes sugere que as pessoas frequentemente compram coisas não porque são materialistas, mas porque são seres sociais. Portanto, em geral, elas não estariam substituindo os valores familiares tradicionais pelo consumo material, mas sim consumindo com o objetivo de preservar os próprios laços afetivos.
Por outro lado, toda a esfera pública vem sendo progressivamente penetrada e dominada por interesses corporativos. Isso significa que as atividades socioculturais se tornaram objetos de importância comercial e levam ao surgimento de “sociedades de outdoors, em que cada pessoa, instituição ou evento pode se transformar em um portador potencial de mensagens comerciais.
Nessa conjuntura, um arquétipo de Natal foi impulsionado ao máximo com a internacionalização das grandes marcas dos EUA, com a Coca-Cola à frente desse processo incontrolável que a jornalista e ativista canadense Naomi Klein apelidou criticamente de “promessa equalizadora de um globo conectado por logotipos”. Em meio à profusão de comerciais de grandes marcas mostrando locais estranhamente remotos, a representação dominante é de que as fronteiras geográficas e culturais são transcendidas pelas formas de mercadorias.
Além disso, tal “cultura do consumo” comumente é acusada de ofuscar valores imateriais, como a própria religião. De fato, o capitalismo contemporâneo é caracterizado por processos de mercantilização e secularização, transformando todas as práticas culturais daqueles que entram em sua órbita. Ao mesmo tempo, o simbolismo e as práticas rituais que incorporam distinções sagradas e profanas continuam a existir nos processos sociais seculares, e com o “festival global” do Natal não é diferente.
Nesse sentido, a história da própria Coca-Cola e de seu consumo no Natal por meio da figura-chave do Papai Noel em seus anúncios desde os anos 1930 deixa clara a relação entre o “materialismo” e o feriado natalino como parte de uma americanização da cultura popular a nível mundial. Por mais que lutas ideológicas tenham sido travadas no século XX contra a tomada do feriado religioso pelo consumismo ininterrupto, trata-se de um processo integrado a uma conjuntura muito maior de transnacionalização do capital e de hegemonia política e cultural dos EUA no mundo.
Fonte:

Pensar não doi e encarar a realidade costuma prevenir problemas...

Pensar não doi
Noventa e nove por cento dos humanos não têm coragem de enfiar a faca na jugular do bovino!

Seria prova suficiente de que não somos predadores naturais?
Pelo sim, pelo não, vamos além. Tomo a faca da mão daquele espécimen covarde. “Se você não tem coragem, mato eu a vaca.” Introduzo a lâmina na garganta da desditada. O sangue jorra. E o ser humano... Onde está ele? Ah! Lá está, no canto, vomitando!

Se fosse carnívoro, o simples cheiro do sangue ou a sua visão, já daria água na boca. Mas, se ele não é capaz de matar e ainda lhe embrulha o estômago quando outro mata isso demonstra claramente que nossos instintos são bem diferentes.
Aquele reflexo de “pôr para fora” é exatamente o oposto da reação de comer.


Talvez não sejamos carnívoros.
Quem sabe, somos carniceiros?
Não esqueça nunca que aquele corte de carne que vc encontra na bandejinha do supermercado foi um boi que pastava docemente e que foi esfaqueado, sangrado e hoje está ali, maquiado com uma etiqueta como qualquer produto manufaturado para que empresários que comercializam a morte de animais se tornem milhonários enquanto você padece de mazelas relacionadas com a ingestão excessiva de proteina animal.

Sem falar que em um hectare de terra pastam no máximo seis ou sete animais e que um hectare é igual a dez mil metros quadrados.
Boa digestão!

17 de dezembro de 2019

No final o cordeiro vencerá.



Uma reflexão para esse nosso tempo baseada no Apocalipse de João

No centro está o cordeiro.
O livro do Apocalipse nos indica e descreve a perversão das faculdades e das qualidades humanas. É sem dúvida um livro riquíssimo por seu conteúdo simbólico.

Na verdade ele descreve  muito mais que os quatro vivente /cavaleiros diferentes, que são na verdade eventos diferentes que marcam a ação do Anticristo ( o predomínio do EGO) na terra, ou ainda os quatro estados involutivos da humanidade. Pode ser visto também como as quatro possibilidades de crescimento ou, se estas forem negadas e/ou rejeitadas, as quatro degenerações da humanidade.


Os quatro viventes /os quatro cavaleiros.

O cavaleiro esbranquiçado ( Ap 6,2)
“Olhei, e eis um cavalo branco; e o que estava montado nele tinha um arco;
e foi-lhe dada uma coroa, e saiu vencendo, e para vencer.”

 – Á águia, a intuição, a Paz
Sua missão é iludir o mundo quanto a sua natureza perversa, a falsa Paz.

O Cavaleiro avermelhado (Ap 6,3-4)
 Quando ele abriu o segundo selo, ouvi o segundo ser vivente dizer: Vem!
E saiu outro cavalo, um cavalo vermelho; e ao que estava montado nele foi dado que tirasse a paz da terra, de modo que os homens se matassem uns aos outros; e foi-lhe dada uma grande espada.

– o Leão, o sentimento, a guerra
Sua missão é trazer a Guerra, acabar com a falsa Paz.

O cavaleiro  preto (Ap 6,5-6)
Quando abriu o terceiro selo, ouvi o terceiro ser vivente dizer: Vem! E olhei, e eis um cavalo preto; e o que estava montado nele tinha uma balança na mão.
E ouvi como que uma voz no meio dos quatro seres viventes, que dizia: Um queniz de trigo por um denário, e três quenizes de cevada por um denário; e não danifiques o azeite e o vinho.

 – o touro, a sensação, a fome
Sua missão é trazer a fome e a escassez para a humanidade no pós guerra .

O cavaleiro amarelo/esverdeado ( Ap 6,7-8)
Quando abriu o quarto selo, ouvi a voz do quarto ser vivente dizer: Vem!
Olhei, e eis um cavalo amarelo, e o que estava montado nele chamava-se Morte; e o hades seguia com ele; e foi-lhe dada autoridade sobre a quarta parte da terra, para matar com a espada, e com a fome, e com a peste, e com as feras da terra.
o ser humano, a razão, a morte
A este cavaleiro foi dado poder sobre a quarta parte do mundo, ou poder matar pela espada. Um período de grande privação para a humanidade.

Um ser de boa saúde é alguém que integra as 4 funções.  A doença ocorre quando uma delas é esquecida, rejeitada, ou não as integra o que dará nascimento á SOMBRA.


Rodeado pelos 4 viventes está o cordeiro, os viventes: a águia. o leão, o touro e o ser humano lhe prestam adoração. O cordeiro na realidade é o amor, ele está no centro da cena como vemos no apocalipse e ele é a forma invencível da energia criadora, o humilde amor.
 Quando integrados, os quatro vivente manifestados, ou as suas qualidades, as quatro funções:  intuição, sentimento, sensação e razão, integram o Eu ao self, são o símbolo do poder individual.
Quando as quatro funções, não estão orientadas desta maneira, não estão a serviço do amor, os quatro viventes se transformam nos quatro cavaleiros do Apocalipse que vão semear o pânico e destruição no mundo.

Quando a intuição não está voltada para o SER , ela se torna vontade de poder, o cavaleiro esbranquiçado.
No lugar do cordeiro está então o Dragão do Ego, o Eu separado do Self. A vontade de dominar. A intuição deixa de ser usada para iluminar o ser humano, e passa a manipulá-lo. É o poder do dragão.
 O dragão então pode tomar posse  da nossa afetividade e transformá-la em possessividade, ciúme e domínio do outro e de suas posses materiais. Surge então o cavaleiro vermelho ou, cavaleiro avermelhado, que  simboliza a guerra, o desejo de possuir e dominar, de se apropriar do que é do outro.
O crescer da guerra, gera a fome, o cavaleiro negro.
 O cavaleiro Negro simboliza a vontade de consumir, com compulsão, o que gera o consumismo. Consumir tudo, inclusive o outro, a terra e tudo que há, até o esgotamento.
O vivente indica a importância de comungar, o cavaleiro exige consumir.
 Consumir ou comungar são as duas formas de viver que nos levam ao inferno ou ao paraíso.
O Paraíso é exatamente a comunhão co
m o Ser e com todos os seres. O inferno é a consumação e o esgotamento do Eu, de tudo e de todos.
A necessidade de consumir advém da ausência, da falta  de intimidade com a presença que nos habita, a falta de atenção para com “Aquele que É em nós”.
É preciso aprender a desejar aquilo que se tem e o que se é, quando o mundo a nossa volta nos convida justamente o contrário, ou seja, desejar o que não se tem e o que não se é.
A vontade de poder, da possessão, de consumir conduz à destruição do mundo.

O último cavaleiro é o cavaleiro esverdeado, a cor da decomposição após a morte.
Quando a razão não é utilizada para iluminar, esclarecer e compreender ela se torna elemento de separação, dissecção e chegamos à dissolução do mundo.
A desagregação é o oposto da integração, a análise em oposição à síntese.

O Apocalipse pode ser tomado como uma descrição do mundo em que vivemos, o mundo em que nos encontramos. O que reina sobre nós e o poder do dragão, o poder do Ego que quer dominar e ser servido.
A águia, o touro, o leão e o ser humano em nós devem servir ao cordeiro, que é o “EU SOU” em nós. Quando isso acontece, a individuação segundo Jung se faz.

Quando isso não acontece quem é servido é o dragão, e quem está sendo servido é o EGO, não há crescimento nem evolução, porque o consumismo não  proporciona isso, somente a consumação ou extinção.


O cordeiro no Apocalipse está ferido. Em um salmo de Davi lê-se sobre o cordeiro que ele estava ferido e desfigurado, mas não abriu a boca. Mas não o fez por omissão ou por medo, mas por ter a consciência de que estava se doando se oferecendo para o todo e para todos.
 No Apocalipse o cordeiro degolado, permanece de pé.
 Não somos chamados a ser cordeiros subjugados, embora feridos, devemos permanecer de pé. Esse é o paradoxo do amor.
 Quanto maior for  essa qualidade em nós, mais nos ferirão aqueles que estão á nossa volta que estão a serviço do Dragão, submissos ao Ego.
Permanecer de pé, vulneráveis, mas invencíveis, guerreiros na luta pela Paz, orientados pelo amor é a única trilha que nos conduzirá à vitória, à individuação,  à integração de nossa sombra,  à vitória sobre o Ego.


Baseado no livro "O Apocalipse de João" traduzido e comentado por Jean Yves Leloup