O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

16 de abril de 2019

A Catedral de Notre Dame em chamas



Olhando assustado para as imagens  na tela do computador  e meio que atônito me pergunto: como, quem, mas sobretudo porque esse símbolo tão forte  da civilização arde assim em chamas?
Como não há um sistema de prevenção para acidentes como este?
Eu fiz essa pergunta também no lamentável incêndio do nosso museu, daqui da Quinta da Boa Vista, mas infelizmente aqui é Brasil, estamos acostumados a estas lamentáveis displicências, mas em Paris? E com o marco zero da França?  Uma catedral com 850 anos de existência?

As influencias Junguianas me fizeram ficar preso na ideia do que este evento tão doloroso  estaria querendo simbolizar algo para nós.
A casa de Maria, a Notre Dame, a casa da nossa Dama, nossa mãe... Maria Mãe do mundo, Maria a mulher, a humana, a matéria que serviu a Deus para gerar Jesus, o filho de Deus.

Deus precisou se utilizar de uma criatura sua para se manifestar no meio dos homens e é esta criatura, Maria, que desde 1163 tem esse importante marco no coração de Paris.

A  antiga oração cristã, um símbolo importante da cristandade, o credo Niceno-Constatinopolitano reza:
“Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus Verdadeiro, GERADO, não criado, consubstancial ao Pai... “
Desde os primórdios, a cristandade sabe que Jesus não foi criado, e sim gerado, gerado na matéria, gerado em Maria.

Logo me surgiu na mente  o fantástico Hino à matéria do grande Teilhard de Chardin

“Eu te saúdo, potência universal de aproximação e de união, através da qual se liga a multidão das mônadas e na qual convergem todas sobre a rota do Espírito.
Eu te saúdo, fonte harmoniosa das almas, cristal límpido de onde é tirada a nova Jerusalém.
Eu te saúdo, Meio Divino, carregado de Potência Criadora, Oceano agitado pelo Espírito, Argila amassada e animada pelo Verbo encarnado.”
(Hino a Matéria - Teilhard de Chardin)

Um hino á matéria, à mãe matéria, da qual Maria é a principal referência quando pensamos na criação.

E a pergunta voltou a me desafiar:
O que esse incêndio está querendo simbolizar apara todos nós ? 



Edward F. Edinger, em seu livro “O Arquétipo Cristão”, a respeito do mito da “Virgem Maria”,
diz : 
A virgindade de Maria configura-se como importante parte do simbolismo. Parece haver uma conexão arquetípica entre a virgindade e a capacidade de lidar com o “Fogo Sagrado” (energia transpessoal). Na Roma Antiga as virgens vestais eram as guardiãs da chama sagrada. Entre os incas peruanos mulheres virgens mantinham no templo um fogo santo”.

Adam Mclean, em seu livro “A Deusa Tríplice: Em Busca do Feminino Arquetípico” , diz algo interessante para esta reflexão:

A Deusa é um arquétipo eterno da psique humana, embora a desprezamos e reprimamos ou neguemos exteriormente a sua existência. Desde os primórdios de nossa civilização ela se revela a nós em desenhos  rupestres e em esculturas primitivas, nas grandes mitologias, manifestando-se na nossa cultura atual sob os mais diversos disfarces. Ela faz parte do tecido de nosso ser, com o qual toda a humanidade tem de se relacionar interiormente se desejarmos ter em nossas almas um equilíbrio de base. Ela é parte tão essencial da humanidade que, mesmo se, nos próximos séculos nos tornarmos filhos do Cosmo, deixando a Terra para trás em sua viagem para as estrelas, sem dúvida a encontraremos nas escuras profundezas do espaço”.


Vejo a Notre Dame em chamas no exato momento, dramático, em que na cúpula principal, a seta desaba. A seta que apontava para o céu, como a indicar a ligação entre o céu e a terra, ou simbolicamente aquilo que a Nossa Dama representa, o elo que liga o criador e a criatura, o meio que Deus se utilizou para se manifestar entre os humanos, para descer à matéria.

Na minha mente se abre  a tela do que temos visto mundo afora, guerras, destruição, egoísmo.refugiados não recebendo ajuda e sendo rechaçados por onde passam, a natureza, a criação sendo destruída pela ganância,  a eleição de dirigentes de países pouco comprometidos com a felicidade da humanidade, toda sorte de absurdos que indicam claramente o perigo da extinção da espécie humana.

Talvez seja esse o recado simbólico que essa tragédia venha nos indicar. Se não cuidarmos da preservação , a seta vai se romper. A ligação vai ser desfeita e a terra seguirá adiante, mas sem a espécie que tentou destruí-la.


Bendita sejas tu,

áspera matéria,

terra estéril,

dura rocha,
que cedes apenas à violência
e nos forças a trabalhar
se quisermos comer.
Bendita sejas,
poderosa matéria,
evolução irresistível,
realidade sempre nascendo,
que a cada momento fazes em estilhaços nossos limites
e nos obrigas a procurar
cada vez mais profundamente a verdade.
.................................................................
Bendita sejas,
matéria imortal,
Tu, que, desagregando -te um dia em nós,
nos induzirá, forçosamente,
no íntimo daquilo que é.
Sem ti, matéria,
sem teus combates,
sem teus dilaceramentos,
viveríamos inertes,
estagnados,
pueris,
ignorantes de nós mesmos
e de Deus.
.............................................
Leva-me para o alto, matéria,
pelo esforço,
a separação
e a morte.
Leva-me para onde for possível,
enfim, abraçar castamente.

( Hino à Matéria - Teilhard de Chardin)





2 comentários:

  1. Linda reflexão! Temos muito a
    Evoluir ainda ...

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  2. É sempre muito bom acompanhar seu ponto de vista.
    Quem não se perguntou o porque de tudo isso e principalmente o porquê de tantas manifestações de doacdo de dinheiro com outras situações de risco humanitário sem receber nada.
    Que bom, amigo, ver que a sanidade ainda pode ser escrita!
    Obrigada, é sempre bom ler o que você escreve!

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