O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

23 de maio de 2008

O que é teologia da Libertação(Claudemiro Godoy do Nascimento)

Claudemiro Godoy do Nascimento




Este texto foi produzido pelo nosso saudoso amigo Claudemiro Godoy do Nascimento Quando ainda era diácono da ICAR. E que nos deixou no ano de 2010 em um acidente automobilístico.
A Ele a nossa gratidão e a nossa saudade e a certeza de que agora ele intercede por todos nós que trabalhamos pela construção do Reino do Pai.
J. Ricardo




Um dos melhores artigos que li sobre o que é a tdL é do meu amigo Claudemiro, com quem não falo já há algum tempo desde que ele seguiu lá para as bandas do Araguaia junto á Igreja católica Anglicana.

Awerê Claudemiro !








O que é Teologia da Libertação
Diac. Claudemiro Godoy do Nascimento



A palavra teologia vem da conjugação de TÉOS e LÓGOS, dois termos gregos.Poder-se-ia dizer que teologia é todo discurso acerca de Deus. Assim, porexemplo, foi denominado por Aristóteles em seu livro "Filosofia Primeira",que hoje conhecemos com o nome de metafísica. Para Aristóteles o TÉOS seriaobjeto de pesquisa da maior de todas as ciências: a ciência do ser enquantoser - esta que hoje denominamos de metafísica. Portanto, para serestagirita - Aristóteles, a metafísica, ou seja, a filosofia primeira, ésinônimo de teologia.Apesar de podermos falar de teologia em um sentido lato, tal como abordamosacima, atualmente o significado deste termo difere-se deste que expusemos.Teologia hoje é o discurso racional acerca de Deus a partir dos dadosadvindos de um livro revelado: Bíblia, Alcorão, etc. À teologia compete,portanto, a atualização dos dados revelados através do discurso (lógos),segundo as exigências históricas vigentes. Com isso, se mostra o carátertransitório do discurso teológico: a transitoriedade do discurso deve-se àtransitoriedade própria da história humana, da cultura e de suas diversasproblemáticas. Deus, por isso, deve sempre aparecer ao homem, através dodiscurso teológico, historicamente situado. Esta, última informação nos levaa perceber a imbricação necessária entre teólogo, revelação e história.Não obstante à imbricação supracitada, não poucas vezes a teologia cristã seconfigurou de forma totalmente anacrônica em seus discursos e,conseqüentemente, em seus conceitos. A teologia cristã durante séculos,preocupou-se com o hyperurânio de Platão, com o motor imóvel de Aristóteles,com a cidade de Deus de Agostinho, menos com as problemáticas históricas quefatalmente orientavam a vida social do homem. É comum nos depararmos comtextos clássicos da teologia e sermos levados às nuvens, aos céus, como, porexemplo, num texto de Irineu ou de S. Agostinho de Hipona. Mas, qual a razãodisto? Isto ocorreu por mera vontade dos teólogos? Certamente, não.A teologia cristã configurou-se de forma anacrônica por muito tempo, devidoao instrumental filosófico que ela utilizou para discursar acerca de Deus.Tal instrumental derivava-se da metafísica clássica que tem comocaracterística formular conceitos anacrônicos, desconsiderando o caráterhistórico do homem - ou seja, desconsiderando o homem enquanto serhistórico, que se faz (constrói) no tempo. A conseqüência disto, é que osdados da revelação cristã - Bíblia - foram entendidos como realidadesatemporais e ahistóricas. Por isso, por muito tempo - certamente, tambémainda hoje - entendeu-se Deus, Reino dos Céus, inferno, etc., comorealidades totalmente transcendentais, totalmente destacadas dos processos efases históricas da humanidade.Esta forma de discurso acerca de Deus foi submetida à crítica com o adventoda modernidade e do pensamento contemporâneo. A metafísica, que foi a "pedraangular" da teologia clássica, foi fortemente criticada a partir damodernidade. Descobriu-se, após séculos de especulação, a história comocaracterística essencial do homem e a cultura como âmbito de toda construçãohistórica. Com isso, o pensamento ocidental, largou aqueletranscendentalismo metafísico, tornando-se por isso mais imamentista. Istoinfluenciou fortemente a teologia. O encontro do homem com Deus - chamadopela teologia da GRAÇA - passou a ser pensado como realidade histórica: Deusse manifesta ao homem situando-se histórica e culturalmente, ou seja, oencontro de Deus com o homem difere-se na história em suas diversas épocas,e difere-se na pluralidade cultural que se dá no seio da humanidade.Obviamente, isto gerou uma certa relativização no discurso sobre Deus;porém, valorizou a historicidade como característica essencial do serhumano, além de valorizar a multiplicidade de formas de Deus se apresentarao homem, superando, assim, o anacronismo clássico metafísico que norteava opensamento teológico no entendimento da relação homem - DEUS.A chamada Teologia da Libertação está inserida nesta última fase dopensamento ocidental que destacamos acima: a fase da valorização dahistória, da cultura e da diversidade de formas de manifestação do encontrodo homem com Deus. Ela é uma teologia propriamente cristã; por isso, utilizaa Bíblia como pressuposto necessário de seus discursos.A expressão "teologia da libertação", já mostra o sentido norteador destediscurso teológico. O genitivo que aparece na expressão citada - DALIBERTAÇÃO -, mostra-nos que a libertação é o horizonte regulador dodiscurso acerca de Deus, e, ao mesmo tempo, mostra-nos que o Deus dodiscurso é fonte de libertação. Esta se manifesta concretamente nos diversosmomentos do processo histórico de um povo. Conseqüentemente, a teologia dalibertação torna-se força geradora de ações que viabilizam uma práxislibertadora, segundo as necessidades advindas das diversas circunstânciassob as quais um povo está submetido."A teologia da libertação é um movimento teológico que quer mostrar aoscristãos que a fé deve ser vivida numa práxis libertadora e que ela podecontribuir para tornar esta práxis mais autenticamente libertadora" (MONDIN,1980, p. 25). Neste sentido, o cristão é impelido a viver a práxislibertadora nas diversas épocas da história.O termo libertação foi cunhado a partir da realidade cultural, social,econômica e política sob a qual se encontrava a América Latina, a partir dasdécadas de 60/70 do último século. Os teólogos deste período, católicos eprotestantes, assumiram a libertação como paradigma de todo fazer teológico.Vejamos o quadro social da América Latina no período originário da teologiada libertação:"O ambiente político é geralmente caracterizado pela presença de governosque administram o poder arbitrariamente em vantagem dos ricos e dospoderosos, fazendo amplo uso da força e da violência. (...) O ambienteeconômico e social está marcado pelamiséria e pela marginalização da maiorparte da população. Os recursos econômicos são controlados por um pequenogrupo de privilegiados. (...) No ambiente cultural se verifica ainda umanotável dependência da Europa e dos Estados Unidos. Na ciência como nafilosofia, na arte como na literatura, quase nada é concedido àoriginalidade das populações latino-americanas" (Ibidem, p. 25-26).O quadro de degradação apresentado na América Latina é o fundamento geradordo conceito de libertação. A libertação, então, é toda "ação que visa criarespaço para a liberdade" (BOFF, 1980, p. 87). Ser livre, neste sentido, énão estar sob o jugo da lei alheia; é poder construir-se autonomamente. Oprocesso histórico da América Latina foi e é dominado por diversas leisestranhas a ela. A América do Norte, em especial os EUA, e os paíseseuropeus, sempre impuseram aos latino-americanos seus valores, suaspolíticas, sua cultura, etc. Neste sentido, a libertação no seio da AméricaLatina, é a luta pela liberdade da cultura, dos valores, da economia, dapolítica latino-americanos, frente às diversas opressões advindas de ummodelo imperialista que rege a práxis do hemisfério norte em suas relaçõescom o hemisfério sul, especialmente como o povo latino-americano. Talrelação impõe ao hemisfério sul a cultura do hemisfério norte.Devido à pobreza e à nefasta degradação do povo latino-americano, alibertação deve ser entendida como superação de um processo de exclusão; jáque esta é a conseqüência direta da relação norte-sul, onde milhões dehomens e mulheres empobrecem e se deterioram porque ficam à margem(excluídos) do processo econômico e político norteado pelo capitalismoimposto pelos EUA e Europa.Desta forma compete à teologia da libertação a tarefa de discursar sobreDeus a partir da ótica de um processo excludente e a partir da realidadeconcreta dos excluídos. O teólogo da libertação, portanto, deve ter esteduplo olhar: olhar para Deus e olhar para o excluído. Olhar para Deus é afonte de toda libertação possível e o olhar para o excluído identifica ondehá necessidade de libertação. Olhando para Deus - ou Cristo -, a teologia dalibertação diferencia-se de todo movimento libertador laico, já que alibertação apresentada pela teologia enxerga nos processos históricos apossibilidade de presentificação da nova ordem escatológica anunciada porCristo, ou seja, o Reino de Deus - ordem de justiça e da superação de todaopressão possível, na sociedade e no cosmos. Ao pretender olhar para oexcluído e para o sistema gerador de opressão, como pressuposto de todofazer teológico, a teologia da libertação difere-se radicalmente dasteologias clássicas, pois supera o anacronismo destas, circunscrevendo aexperiência de Deus no âmbito do engajamento do fiel na luta contra todo osofrimento humano historicamente situado.Para que haja elaboração da teologia da libertação é mister que secompreenda os fenômenos da opressão e da exclusão. Estes devem sercompreendidos através de uma mediação sócio-analítica, "Libertação élibertação do oprimido. Por isso, a teologia da libertação deve começar porse debruçar sobre as condições reais em que se encontra o oprimido dequalquer ordem que ele seja." (BOFF, 1996, p. 40). O método utilizado paraelucidar sócio-analiticamente o fenômeno da opressão e da exclusão pelateologia da libertação, é o método histórico-dialético.O marxismo passa a ser a filosofia predominante na análise sócio-analíticafeita pela teologia da libertação. Porém, o marxismo é utilizado comoinstrumento, não tendo fim em si mesmo. "Na teologia da libertação omarxismo nunca é tratado em si mesmo, mas sempre a partir, e em função dospobres" (Ibidem, p. 45). O sentido último da teologia não é Marx, mas Deus.Após a leitura sócio-analítica, o teólogo da libertação deve-se deparar coma Bíblia Sagrada. A Bíblia deve fornecer subsídios para que se possaidentificar a face de Deus e sua ação libertadora, nos diversos momentoshistóricos, sob as quais vive o teólogo e seu povo. Há, então, no processode elaboração da teologia da libertação, uma imbricação necessária entre aanálise sócio-analítica da realidade e a Bíblia Sagrada. Esta última forneceo sentido teológico da práxis libertadora proposta pela teologia dalibertação.Com a gênese da teologia da libertação na América Latina, "a religião passaa ser um fator de mobilização e não do freio" (BOFF, 1980, p. 102). Areligião não mais se apresenta como "ópio do povo". Ela passa a ser fonte delibertação e de esperança para o homem. A religião, desta forma, não sereduz a uma ideologia que mantém o status quo social e político; também nãoé mais fonte de discursos etéreos. A teologia da libertação pretende mostrarque Deus não está em uma esfera trans-histórica; mas, ela quer mostrar queDeus encarna-se na história, gera libertação de um povo humilhado, gera vidae esperança a um povo crucificado e sem sonhos. Podemos dizer,metaforicamente, que a teologia da libertação anuncia a ''descida'' de Deusde sua esfera transcendente e "celeste" e mostra-o como agente dignificadordos humilhados da terra. Deus não é mais um conjunto de doutrinas eespeculações, mas é a fonte de toda a luta pela justiça e igualdade. Porisso, Deus se manifesta nas lutas históricas pela justiça, pela inclusão epela superação de toda opressão vigente na humanidade. "Eu sou o Senhor, teuDeus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão."(Ex 20,2). Eis aface de Deus anunciada pela teologia da libertação: Deus que tira o povo daopressão, da servidão.O céu almejado pela humanidade, não é pensado como realidade post mortem.Este céu que fora pensado pela teologia clássica como realidade distante quese manifestaria no porvir, encarna-se no "agora", através da práxis do povoem prol da dignidade humana: cada conquista popular, no que tange a umarelação mais justa entre os homens, presentifica o céu no seio dahumanidade.A teologia da libertação surge para mostrar que Deus é "Pai - Nosso";portanto os homens e as mulheres devem se relacionar como irmãos e irmãs,sem haver exclusão, sem haver opressão ou sem qualquer tipo de violação dadignidade humana. Lutar pela libertação é alorizar a paternidade universalde Deus, que se manifesta nas relações justas e fraternas entre todos osseres humanos.



Bibliografia:

1. BÍBLIA SAGRADA. São Paulo: CNBB, 1996.

2. BOFF, Leonardo, BOFF, Clodovis. Como fazer teologia da libertação.Petrópolis: Vozes, 1986.

3. BOFF, Leonardo. Teologia do cativeiro e da libertação. Petrópolis: Vozes,1980.

4. _____________ O caminhar da Igreja com os oprimidos: do vale das lágrimasà terra prometida. Rio de Janeiro: Codecri, 1980.

5. MONDIN, B. Os teólogos da libertação. São Paulo: Paulinas, 1980.