O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

11 de janeiro de 2011

Entrevista com Arturo Paoli


''Espero que o cardeal Borromeo volte''. Entrevista com Arturo Paoli
Cabelos brancos, cândidos, uma aura de modéstia. Irmão Arturo, uma vez circundou o mundo, na mochila uma bússola que oscila entre o Gólgota e o sepulcro vazio, encontrou seu caminho de casa, em Lucchesia, saboreando, ressaboreando, "o privilégio da raiz." Aqui nasceu noventa anos atrás, aqui - na aldeia de San Martino em Vignale, polvilhado com ciprestes - aguarda o Natal. Revelando uma disposição juvenil, a mesma irradiada por um leigo como Franco Lucentini quando, aproximando-se do Evangelho de Lucas, admirará a capacidade de recordar "com um mínimo de palavras" um "fato simplíssimo" e, ainda assim, prodigioso, "o fato de que o Natal foi noite".
A reportagem é de Bruno Quaranta, publicada no jornal La Stampa, 23-12-2010. A tradução é de Anete Amorim Pezzini.
Irmão Arturo ampliou a tenda nas montanhas ao redor de Lucca em 2006. Em dezembro, quando se celebra o Beato Charles de Foucauld, fundador dos Irmãozinhos de Jesus, este homem tão forte, tão gentil, tornar-se-á um deles, após a temporada na Juventude da Ação Católica, a cavalo entre os anos quarenta e cinquenta. Descobrindo-se "erradicado", não "desempregado", na trilha de Carlo Carretto, como ele, testemunhou uma Igreja profética ("obedientes ao "sábado" desobedecendo" "à prática do sábado") que conflituava com a Igreja política de Luigi Gedda, com os Comitês cívicos e as vizinhanças.
Em 1953, Arturo Paoli irá para o exílio, entre as glebas da América Latina em que, após o noviciado no deserto argelino, deixará pegadas profundas entre os pobres, para os pobres, inspirando a teologia da libertação (seu Diálogo da libertação repercutirá na Teologia da Libertação de Gustavo Gutiérrez, como se recorda em Ne valeva la pena, o ensaio-biografia de Silvia Pettiti para a Edizioni San Paolo recém editado).
"Palavra de nossa libertação." Arturo Paoli, todos os domingos, fecha vigorosamente o Evangelho. Hoje, o sermão gira em torno de uma palavra grega "intraduzível", que o sacerdote "romperá", oferecendo-a em sua pujança filológica: "Cristo é aquele que reage visceralmente - misericordioso até as entranhas - à miséria do homem." Cristo que perturba a História habitando-a...
Arturo Paoli nasceu em Lucca, em 30 de novembro de 1912. Aluno de Momigliano, graduou-se com uma dissertação sobre Carducci. Sacerdote desde 1940. Justo entre as Nações. Em 2006, o presidente Ciampi concedeu-lhe a medalha de ouro de mérito civil, por mérito durante a Resistência. Ele vive em San Martino em Vignale, sobre as colinas de Lucca. As obras. Foi recém-lançado, de Silvia Pettiti, "Arturo Paoli. Valeu a pena" (São Paulo, pp. 233, 16). Entre os outros títulos:"Acordai Deus" (La Collina), "O Coração do Reino" (Dissensi), e "O Padre e a Mulher" (Marsilio).
Eis a entrevista.
Irmão Arturo, há quem se lembre do professor de grego no liceu "Maquiavel" de Lucca, o seu colégio...
Desde criança, foi clara a minha inclinação para os estudos. Filho, não por acaso, de um senhor leitor, ainda que exercesse a profissão de artesão. Em casa, os clássicos não faltavam, de Dostoiévski a Manzoni, o amadíssimo Pe. Lisander.
"Os noivos"...
Ou seja a História escrita pelos humildes, pelos humildes alegremente distorcida. O Deus que derruba e estimula, que aflige e que consola serve-se prodigiosamente deles.
Em contrapartida, no que diz respeito à sua corajosa parábola, como não se lembrar do amedrontado Pe. Abbondio?
Não é honesto falar sobre meu mundo, não é prudente. Quem sou eu para julgar? E de qualquer forma: nos Noivos há Pe. Abbondio e há o cardeal Borromeu. Como não lamentar-lhe a estatura, à luz do que acontece?
O que você pensa?
Para os cardeais italianos recém-criados. Eles fizeram escândalo. Tinham recém acabado de jurar de exaltar, de enobrecer a Igreja, e já se sentavam para almoçar com o atual presidente do Concílio, uma figura indigna, tanto na esfera privada quanto na pública.
Talvez devessem ter redescobrido a vida de Jesus. De Mauriac a Ratzinger muitos tentaram escrevê-la. Qual o senhor prefere?
Os Evangelhos.
Novo e Velho Testamento: as passagens que mais consulta, o perturbam?
No Novo, Mateus 16, 1-4, onde Cristo chicoteia os fariseus e os saduceus: Vós sabeis como interpretar o aspecto do céu, mas não sabeis discernir os sinais dos tempos?". No Antigo, Jeremias: "Vós me seduzistes, Senhor, e eu deixei-me seduzir.
Quando o senhor foi seduzido?
Em torno dos vinte anos. A reunião decisiva foi com Giorgio La Pira, foi ele que revelou-me os caminhos do misticismo.
A propósito: Lucca é a cidade de Santa Gemma Galgani...
Mas para mim, especialmente, da Beata Elena Guerra, a religiosa que está ancorada no Espírito, alma que renova a terra.
Não lhe parece tênue o Espírito conciliar? Entre as páginas obsoletas, talvez não sobressaiam os documentos do Vaticano II?
A decadência da igreja é visibilíssima. Duas constituições devem ser, entre as outras, descobertas ou redescobertas: a Lumen Gentium, ou seja a urgência de proclamar o Evangelho a toda criatura, e Gaudium et Spes, que o convida a apostar em uma "pessoa integral".
Maritain...
E então. Maritain. O humanismo integral. O cristianismo é realmente um humanismo. O Evangelho não é metafísica. Precisaria, finalmente, libertar-se de certa teologia que o contradiz. De Maritain aportando em um filósofo crucial como Levinas. Para compreender que a filosofia do ser é obsoleta, que deveria pronunciar o "tu", andar em direção ao Outro.
O seu Papa?
João XXIII. Ele colocou a autoridade papal no lugar certo. O pontífice, como presidente do episcopado mundial. Humildemente na escuta, favorecendo a colegialidade.
Montini vai convidar-lhe a rezar para jamais tornar-se Bispo...
É o Papa da Populorum Progressio, a maior encíclica da nossa época. Seu limite: confiar-se extremamente na Curia.
Padres de hoje, padres de ontem...
Sua formação. Urge uma mudança cultural em psicanalítica fundamental. Não é de hoje que Jung está entre os meus autores. Seus arquétipos, abertos a todas as experiências do espírito.
Era uma vez o catecismo...
E há mais. Mas se não se entendem bem os sinais dos tempos, nada podem as pandectas da fé ante ao homem que se mostra diariamente árido ou dramaticamente problemático.
Nos anos trinta a graduação.
Para a Igreja Católica, com uma dissertação sobre o Romantismo e a Idade Média na poesia de Carducci. Eu a tinha definido em Pisa com Attilio Momigliano, ao mesmo tempo que forçado pelas leis raciais a deixar a presidência. Ele era um agnóstico, mas um manzoniano fanático, bem como admirador dos místicos medievais, protagonistas de um curso inesquecível.
Carducci, poeta...
Não é o meu poeta. Em Carducci, o que me atraía era a vastíssima cultura europeia, a francesa e a alemã em especial, reputado como um diálogo ao mais alto nível.
Seus poetas?
Leopardi e Manzoni. A alma atormentada de Leopardi. Como não se espelhar na juventude? E o Dante do Purgatório: porque humaníssimo, nós, cada um de nós, que caminhamos pela estrada...
Lucca, a Toscana, os escritores não faltam, de Pea a Tobino...
De Tobino tenho toda a obra, livro após livro. Mas, mais vivo em mim é a literatura latino-americana. No topo, Cem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez. Eu o conheci na Colômbia, apreciei-lhe a bondade. Sua obra-prima, detecta e desarma o olhar de rapina da Europa sobre o Novo Mundo: nós existíamos e não existíamos, sabíamos sonhar e, portanto, não seremos, finalmente, jamais humilhados.
Estava cheia, essa manhã, a igreja seiscentista de San Martino em Vignale. Como raramente se pode ver. Porque no altar havia, há um homem de palavra. Ouvindo-o, partilhando com ele o pão em uma refeição (usando um guardanapo no qual está bordado o nome, Arturo), interrogando-o, dissipa-se a profecia de Julien Green: quando o sinal deixado pelo Crucifixo na parede desbotar-se até desaparecer, a casa, a nossa casa, a casa de todos entrará em colapso. Na nave, filtra um raio de sol. O toscano Piero Calamandrei lhe reconheceria o "ouro de nós, pobres", o ouro do espírito.
Texto é do Instituto Humanitas Unisinos.

Arturo Paoli, nosso irmão cósmico

Arturo Paoli, aos quase 100 anos, encontrou na intuição profética do frei Charles de Foucauld a tradução mais adequada do seu desejo de um testemunho radicalmente evangélico: "homem cósmico".

A opinião é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, em artigo publicado no jornal La Stampa, 27-11-2010. A tradução é deMoisés Sbardelotto.

Eis o texto.
"Hoje à tarde, iremos reconstituir a visita aJesus!". Foi assim que o pequeno Arturo Paoli ouviu a mãe falar, enquanto saboreava um delicioso chocolate quente, oferecido pelo pároco às crianças que recém haviam recebido a primeira comunhão. Arturo passaria assim a tarde daquele dia de festa, em um hospital para idosos, onde a mãe prestava milhares de serviços, "visitando" Jesus no pobre, depois de ter recebido a sua visita na Eucaristia.

Nessa simples anotação de uma mãe, me parece que está encerrada a existência inteira – que chegou nestes dias aos 98 anos – de um homem de fé, de esperança e de caridade: Arturo Paoli nada mais fez do que restituir continuamente a visita de Jesus aos homens e às mulheres aos quais se fez próximo.

E, desse modo, tornou o próprio Jesus presente aos últimos, aos deserdados e aos marginalizados da história: parábola dessa acolhida recíproca foram o pensar, o falar e o agir desse "pequeno irmão" universal.

Silvia Pettiti em "Arturo Paoli. Ne valeva la pena" (Ed. San Paolo, 236 páginas) reconstrói com competência, participação e afeto a vida de um homem que atravessou todo o século XIX: trechos de conversas com o frei Arturo, confidências e documentos de amigos e conhecidos, material fotográfico e antológico permitem-nos conhecer a partir de dentro não só uma límpida testemunha do Evangelho, mas também os fatos da Igreja italiana e universal nos anos do fascismo e do pós-guerra, das esperanças conciliares e das expectativas latino-americanas, da redescoberta do pobre como destinatário privilegiado da boa notícia de uma salvação que inicia já aqui e agora.

"Justo entre as nações" por causa de sua obra de proteção e de salvação de diversos judeus depois das leis raciais, ativíssimo protagonista da Ação Católica em nível local e nacional, Arturo Paoli encontrou na intuição profética do frei Charles de Foucauld a tradução mais adequada do seu desejo de um testemunho radicalmente evangélico: "homem cósmico", ele havia sido definido por um professor universitário, e o cadinho do deserto do Saara irá moldar o temperamento desse homem de profunda catolicidade – isto é, capaz de pensar e ver a realidade na sua dimensão universal –, fará dele um cristão paciente e tenaz como só os mansos sabem ser, capaz ainda hoje de continuar a sua corrida, consumindo-se continuamente por aqueles pobres junto aos quais sabe que pode "restituir a visita a Jesus".

Interrogado sobre o seu passado, tão longo e fecundo, frei Arturo só pode afirmar com força: "Valeu a pena". Sim, como recitava Pessoa: "Tudo vale a pena se a alma não é pequena". E certamente não é pequena a alma desse pequeno irmão que, agora, tendo retornado à sua Lucca depois de ter passado fazendo o bem em toda a América Latina, sente-se como um barco leve, sem remos, que se deixa levar pela corrente para a foz tão esperada e desejada.

Para o leitor, ressoa o doce convite que encerra essas páginas: "Vejam o velho da margem. Tomem tempo. Vocês também podem dialogar com ele, porque a água corre muito lentamente... Não temam: o Amigo o leva pela mão, suavemente ou com energia, e não o deixará até o encontro com o Infinito".

Sim, Arturo Paoli foi e é uma autêntica testemunha do Evangelho nos nossos dias. Às vezes, não estava de acordo com as suas posições, mas sempre alimentei um grande respeito e reconhecimento por ele. Por isso, senti tristeza quando, no seu retorno à Itália, ele foi impedido de tomar a palavra em uma importante assembleia eclesial. O trabalho de Pettiti faz justiça também a essa ferida gratuita.
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