O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

29 de janeiro de 2011

Hans Küng: ''Ratzinger se converteu em Papa, tornando-se, certamente, mais falível''


Hans Küng já é doutor Honoris Causa na Espanha. Depois de décadas de silêncio por parte das universidades católicas, teve que ser uma instituição laica, a Universidad a Distancia (Uned), que outorgou o 15º doutorado da carreira do teólogo suíço. Das mãos do decano de Filosofia, Manuel Fraijó, e com a presença do ministro da Educação, Ángel Gabilondo, Küng trouxe sua tese sobre “Ética mundial e direito mundial”, e teve uma lembrança especial de sua relação com Bento XVI. “Eu terminei perdendo a licença docente eclesiástica em 1979, mesmo que continuando dando aulas. Ele, por outro lado, se converteu em Papa, tornando-se, certamente, mais falível”.

A reportagem é de Jesús Bastante, publicada no sítio Religión Digital, 27-01-2011. A tradução é de Anne Ledur e revisada pela IHU On-Line.

Antes de seu discurso, o teólogo se encontrou brevemente com a imprensa. Diante da mídia, criticou que “a Igreja quer dominar” de tal modo, que “a chamada reevangelização é, na realidade, uma “rerromanização”, uma volta à primazia doVaticano frente a qualquer outra opção. “Muitos católicos não entendem a imoralidade da pílula aos contraceptivos”, ressaltou.

Em seu discurso, Küng criticou “o funesto que pode chegar a ser a dedução de mandamentos morais a partir da natureza humana”, pondo como exemplo a encíclica“Humanae Vitae”, de Paulo VI, na que se decretava “a proibição de todo o tipo de contracepção por contrariar a natureza”. Isso provocou a crítica do teólogo suíço em seu livro Infalível? Uma pergunta, que acabou condenando seus ensinamentos como teólogo católico.

Ratzinger, “40 anos depois, defende a encíclica 'Humanae vitae', apelando ao 'maravilhoso plano que o Criador inscreveu no corpo humano'. Na sua última viagem à Espanha, em outubro de 2010, o Papa ressaltou os velhos temas, especialmente o valor da família como célula fundamental da sociedade, destacando, ao mesmo tempo, que 'a Igreja apoia todo aquele que fomenta a ordem natural no âmbito da instituição familiar' (Barcelona, 7 de novembro de 2010). Mas o apelo a Deus só pôde convencer uma minoria de católicos da verdade desse rigoroso ensinamento sobre a sexualidade. Na Espanha, se estima hoje, onde 73% da população se diz católica, enquanto que apenas 6% atribui grande importância à religião no âmbito sexual, e outros 12% lhe dá certa influência. A moral sexual, portanto, se secularizou, se liberando progressivamente da moral religiosa.”

Em seu discurso, Küng traçou os princípios de sua “ética mundial”, que baseou em três pontos-chave: em primeiro lugar, “um amplo consenso internacional”; em segundo, sua “força vinculante. São uns padrões de comportamento obrigatórios, não de livre escolha”; e, finalmente, sua função como “precursores de normas jurídicas internacionais, pois abordam temas que se propõem hoje no contexto da globalização”.

“Estamos convencidos – acrescentou o teólogo suíço – que “é imperiosamente necessário um compromisso em favor do respeito e do entendimento entre culturas, assim como uma atuação para conseguir padrões éticos na sociedade, incluindo na política e na economia. A ética mundial é uma visão realista que, naturalmente, não pode se materializar de um dia para o outro, mas requer tempo”.

Finalmente, e sobre a situação atual entre a Igreja e o Estado na Espanha, baseado em contextos que vão da família à interrupção da gravidez, ou à inseminação artificial,Küng insistiu na importância de “ter bem presente a diferença entre o plano de direito e da ética. Como se sabe, o plano de direito é o âmbito da legalidade, das leis, da jurisdição, assim como da jurisprudência. No plano de direito é possível, e às vezes necessária, a comprovação direta e a coerção, pois existem sanções externas de diversos tipos para reclamar e impôr o direito”.

A “laudatio” do novo Honoris Causa correu a cargo do decano de Filosofia da Uned,Manuel Fraijó, que foi aluno tanto de Küng como de Ratzinger. Fraijó destacou que o novo doutor é um “homem de clareza e precisão”. Consciente da vocação universal do cristianismo, cuida sua expressão falada e escrita para que, além de chegar a seus iguais, a seus colegas, alcance também às pessoas não tecnicamente iniciadas na matéria.

Fraijó agradeceu que Küng “busca a praça pública, a ágora, o fórum. Homem de diálogo, que gosta de confrontar os argumentos e as boas razões. Está, além disso, convencido de que o cristianismo resiste à mais exigente confrontação intelectual”.

Küng deseja que a religião e a ética trabalhem em boa harmonia em prol de um mundo mais humano, livre e fraterno”, insistiu o apresentador, que concluiu com o convencimento de que “Küng é fiel à Igreja. Nem nos piores momentos, pensou em abandoná-la. Seu trabalho é crítico, vigilante, incômodo, arriscado, mas necessário, inclusive imprescindível”.

27 de janeiro de 2011

O grande Rubem Alves traduzindo como ninguém um sentimento meu...

Estou “... Sem tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em lugares onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte... Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: "as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos". Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa.”

Dez lições que aprendi de Hans Küng

Hans Küng dedicou mais de 50 anos ao trabalho teológico em diálogo crítico com os saberes de nosso tempo. O doutorado honoris causa que a UNED lhe concederá no dia 27 de janeiro é mais do que merecido. Muitas foram as lições que aprendi dele como mestre, colega e amigo.

O artigo é de Juan José Tamayo e está publicado no jornal espanhol Diario Vasco, 26-01-2011. A tradução é do Cepat.

Eis aqui algumas.

1. Deus. Küng coloca o problema de Deus seguindo os passos do pensamento moderno europeu através de alguns de seus principais filósofos e sistemas de pensamento. Em diálogo com eles e atento às suas críticas, responde com três “sim” à pergunta pela existência de Deus: sim à realidade como alternativa ao niilismo, sim a Deus como alternativa ao ateísmo, sim ao Deus cristão, que se revela em Jesus de Nazaré. Analisa também as concepções de Deus nas religiões não cristãs, o judaísmo, o islamismo, o hinduísmo, incluindo a ideia de Deus nas religiões chinesas e a religiosidade não-teísta do budismo.

2. Jesus de Nazaré. A cristologia de Küng é uma das mais inovadoras e melhor fundadas nas últimas décadas, que contribuiu para recuperar o Jesus histórico e para reformular e interpretar a doutrina sobre Jesus de Nazaré em perspectiva histórica e no contexto dos novos climas culturais. À pergunta pela verdadeira imagem de Cristo responde que o Cristo real, que não é um mito, mas um personagem, cujo contexto sociocultural, mensagem, conflitos com as autoridades políticas e religiosas, morte e nova vida analisa com rigor exegético.

3. A Igreja. Küng se pergunta se a Igreja pode apelar razoavelmente a Jesus e se está fundada no Evangelho. A partir daí elabora uma eclesiologia crítica que parte da Igreja real encarnada no mundo, e não de uma Igreja ideal que se encontra nas abstratas esferas celestes da teoria teológica e destaca sua índole carismática como parte de sua estrutura fundamental. A Igreja não se encontra no mesmo nível que o Reino de Deus, mas está ao seu serviço.

4. O diálogo ecumênico. O teólogo suíço vai em busca das convergências entre catolicismo e protestantismo. E o faz falando como católico diante do espelho do Evangelho, desejando que os irmãos protestantes se tornem mais evangélicos, e assim se reencontrar não em torno da figura do papa, mas em torno do Evangelho. Após ler sua tese de doutoramento, Barth só pode se perguntar se todas as guerras de religião, as lutas teológicas e as divisões não teriam sido um imenso erro. Tinha razão!

5. A unidade das igrejas cristãs. As igrejas cristãs não devem se fechar no estreito círculo de sua própria confissão, caindo em um confessionalismo excludente. Deverão se abrir ao ecumenismo em todos os terrenos. A unidade dos diferentes cristianismos não se consegue com o retorno de uma igreja a outra, e menos ainda com a submissão ou rendição de todas a uma. Consegue-se através da mútua aceitação e da conversão de todas a Jesus de Nazaré e à sua mensagem libertadora. Os acordos doutrinais devem vir acompanhados de práticas ecumênicas.

6. As mulheres como sujeitos morais, eclesiais e teológicos. As igrejas cristãs não podem seguir presas em concepções teológicas que inferiorizam ou consideram menores de idade as mulheres, nem nos modelos organizativos hierárquico-patriarcais, que as excluem do exercício dos ministérios e das funções de direção. Devem ser reconhecidas como sujeitos morais, eclesiais e teológicos e, enquanto tais, com o protagonismo que tiveram no movimento de Jesus e no cristianismo primitivo.

7. O diálogo inter-religioso. Nenhuma religião pode reivindicar o monopólio da verdade, nem da ética, nem da libertação. Por sua vez, toda religião tem uma verdade originária que, além de verdade teórica e reto conhecimento, se torna verdade na práxis, o reto comportamento e a atitude ética. As religiões podem proporcionar um horizonte global de sentido, inclusive diante da dor, da culpa, e do sem sentido, dar um sentido último à vida frente à morte, garantir valores supremos e motivações profundas e impulsionar manifestações contra as situações injustas. Nesse horizonte se situa a necessidade do diálogo inter-religioso.

8. O projeto de ética mundial. Küng é pioneiro na proposta de uma ética mundial na era da globalização, na qual hão de convergir as religiões e as ideologias seculares, em torno das seguintes tarefas: defesa da vida, trabalho pela paz, proteção do meio ambiente, cultura da não violência, da solidariedade, da tolerância, de uma vida veraz, da igualdade e da colaboração entre homens e mulheres. Propõe uma ética mundial para a economia e a política, que critica as situações realmente existentes, apresenta alternativas construtivas e racionalmente realizáveis, assim como impulsos para a sua realização. Nesta ética hão de convergir as religiões e as ideologias seculares.

9. Renúncia a servir ao sistema romano. Küng nunca se viu tentado a entrar no serviço do sistema romano. Se o tivesse feito, como o fizeram outros colegas seus, teria que ter dito sim e amém a muitas coisas contrárias à sua consciência e teria vendido sua alma pelo poder da Igreja.

10. Liberdade, verdade e veracidade. Que orientações segue hoje a vida deKüng? Ele mesmo responde: “Continuo resistindo em aras da verdade, tendo a liberdade em alta estima, avançando na pesquisa e lutando por uma Igreja que não se considere a si mesma infalível”.

O olhar crítico e necessário de Hans Küng



“O seu serviço é crítico, vigilante, incômodo e arriscado, mas necessário”, escreve Manuel Fraijó, professor de Filosofia da Religião e decano da Faculdade de Filosofia da UNED, em artigo publicado no jornal espanhol El País, 25-01-1011. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Passaram-se 15 anos desde que 1.300 pessoas, emocionadas e em pé, aplaudiam a última aula magistral de Hans Küng. Não menos emocionado que seu auditório, o grande teólogo percorria a saída do abarrotado salão de atos cochichava um apenas perceptível “gostaria de continuar contando com seu afeto”. Era o dia de sua aposentadoria.
A Espanha, país que tantas vezes visitou e onde seus livros alcançam uma extraordinária difusão, sempre o honrou com seu afeto; mas estava pendente a tarefa de plasmá-lo em imagens, de lhe outorgar importância e solenidade. É o que se propõe fazer a UNED no próximo dia 27 de janeiro, por proposição de sua Faculdade de Filosofia. Fizeram-no, antes que ela, outras 14 universidades de diferentes países. Hans Küng, além de ser um dos mais destacados teólogos atuais, apresentou notáveis serviços à filosofia, especialmente à Filosofia da Religião. Mais: pertence a uma tradição, a alemã, que não separa a teologia da filosofia. Quase todos os grandes teólogos alemães criaram apaixonantes teologias filosóficas. É possível inclusive que a passagem do tempo, tão impiedosa com as criações humanas, só respeite aqueles projetos teológicos profundamente enraizados em uma rigorosa e exigente reflexão filosófica. É, sem dúvida, o caso de Hans Küng (Sursee, Lucerna, 1928).
Tudo começou em 1957 com uma fascinante tese de doutoramento. Tinha o título A justificação. A doutrina de Karl Barth e uma interpretação católica. Küng se atreveu com um tema que, desde os inícios da Reforma, havia dividido católicos e protestantes. Com coragem e juventude, estendeu pontes de diálogo e compreensão.Barth deu um simpático visto bom à obra, qualificando o seu autor de “israelita sem dolo” e desejando-lhe que viesse sobre ele o Espírito.
Na década de 1960 suscitaram grande entusiasmo e esperança obras como Estruturas da Igreja (1962) e A Igreja (1967). Küng desenhava o perfil de uma Igreja humilde, fiel à mensagem de Jesus, atenta às necessidades do mundo e sempre disposta a se reformar. Nem nos momentos mais conflitivos de sua relação com a Igreja pensou Küng em abandoná-la. O seu serviço é crítico, vigilante, incômodo e arriscado, mas necessário. Em 1965, no transcurso de uma conversa privada, Paulo VIlhe fez uma “oferta de trabalho” que poderia ter mudado sua biografia: conta-o, com invejável maestria literária, no primeiro volume de suas memórias, Liberdade Conquistada (p. 553ss.). “Quanto bem você poderia fazer (...) se pusesse seus grandes dotes a serviço da Igreja”, lhe disse o Papa. Küng lhe responde: “Ao serviço da Igreja? Santidade, eu já estou a serviço da Igreja”. Mas o papa se referia à Igreja especificamente romana e acrescentou: “deve confiar em mim”. De novo Küng: “Eu tenho confiança em Sua Santidade, mas não em quantos estão ao seu redor”. A oferta não foi aceita e Küng continuou o seu caminho de professor universitário.
Um caminho que o levou, se seguimos a sequência cronológica, a um estudo intenso, guiado pelo método histórico crítico, da figura de Jesus. Em 1974 apareceu um dos seus livros mais geniais, Ser Cristão. Era, e continua sendo, uma obra repleta de informação histórica e paixão crente. Afirmava-se a fé cristã de sempre, mas era expressa de forma diferente. Küng não partia de fórmulas abstratas. Seu ponto de partido era o grande protagonista da aventura cristã: Jesus de Nazaré.
Mas o teólogo sabe que tem sempre um encontro com o último do último. São Paulo diz que Cristo é Deus. Deus é, com efeito, o assunto final da teologia, sua noite e seu dia, sua prova máxima.
Küng enfrentou este desafio em sua monumental obra Existe Deus? Resposta ao problema de Deus em nosso tempo (1978). A suas páginas se assomam todas as sacudidas experimentadas pelo tema “Deus” desde que Descartes deu carta de cidadania à dúvida. Küng responde afirmativamente à pergunta pela existência de Deus. Sem Deus, afirma, o ser humano ficará sem chão firme debaixo dos pés. No horizonte apareceria o sem sentido. Sem sentido ao qual fazem frente algumas religiões com a promessa da ressurreição. Küng se atreveu também com este tema em seu livroVida eterna? (1982).
Mas o final, a ressurreição, leva à origem, à criação, ao começo de tudo. É o tema que aborda em O princípio de todas as coisas. Ciência e religião (2007). As últimas páginas constituem um rotundo “não” ao “nada”, uma aposta na “outra vida” que, inclusive se ao final se perde, terá ajudado a viver esta com mais ilusão e esperança. Sobre suas ilusões e esperanças volta, em tom pessoal, quase confidencial, no livro Em que eu creio (2011).
Desde que, incompreensivelmente, um 15 de dezembro de 1979, o papa João Paulo II “premiou” esta folha de serviços à Igreja afastando este brilhante defensor da fé cristã a venia docendi e declarando-o “teólogo não católico”, Küng se adentrou em terrenos pelos quais não costuma transitar o teólogo.
Nasceram assim seus volumosos estudos sobre as religiões: O judaísmo (1991), O cristianismo (1994), e O islamismo (2004). Previamente, em 1984, havia publicado o volume O cristianismo e as grandes religiões, em que se senta o cristianismo a dialogar com o islamismo, o hinduísmo e o budismo. Küng não esquece que a secularização é um fenômeno quase exclusivamente ocidental; no resto do mundo, as religiões seguem configurando a realidade. É, pois, necessário contar com seu impulso.
Desembocamos, por último, em sua contribuição mais recente, aquela dedicada à ética.Hans Küng é fundador e presidente da Fundação Ética Mundial, com sede em Tubingen e Zurique, mas com representação em numerosos países. Representantes da educação, da cultura, da religião e da política acodem a esta fundação em busca de orientação em valores e compromisso educativo. O substrato desta fundação se encontra no seu livro Projeto de ética mundial (1990). Seu autor está convencido de que, sem um consenso ético básico sobre determinados valores, normas e atitudes, é impossível uma convivência humana digna, tanto em pequenas como em grandes sociedades. Um consenso que só é alcançável mediante o diálogo e o mútuo reconhecimento e apreço. A ética mundial deve partir de um princípio tão básico quanto antigo: “todo ser humano deve receber um trato humano”.
Finalmente: Hegel deixou escrito que os grandes homens não são apenas os grandes inventores, “mas aqueles que cobraram consciência do que era necessário”. A tais homens pertence, creio, o pensador que por estes dias a UNED se propõe a honrar. Acabamos de enumerar alguns de seus méritos.
Desde já, Küng nunca poderia ser o destinatário da grosseria que seu grande amigo, o ex-chanceler social-democrata Helmut Schmidt, cometeu contra um grupo de jornalistas. Cansado de que reprovassem sua realpolitik e sua falta de espírito utópico (governou a Alemanha depois do carismático Willy Brandt), lhes obsequiou, meio em tom de brincadeira, meio a sério, com um “quem tiver visões que vá ao médico”.
Evidentemente, a UNED não convidou o professor Küng para “enviá-lo ao médico”, mas para acrescentá-lo ao nosso claustro de professores e agradecer-lhe seu espírito visionário, suas utopias e suas esperanças de dias bons, melhores que os atuais, para o futuro de todos os seres humanos.

26 de janeiro de 2011

E se ficarmos sem sacerdotes?

É muito bom ver um teólogo sério defendendo algumas teses que sempre, por pura intuição eu defendi e sempre fui criticado.
J Ricardo.

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“O que aconteceria se acabassem os sacerdotes na Igreja?”, pergunta o teólogo espanhol José María Castillo em seu blog Teología sin censura, 23-01-2011. E responde “Simplesmente que a Igreja recuperaria, na prática, o modelo original que Jesus quis. O que aconteceria, portanto, é que a Igreja seria mais autêntica. Seria uma Igreja mais presente no povo e entre os cidadãos”. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Na semana passada escrevi neste blog uma entrada na qual recordei como a Igreja do primeiro milênio teve um conceito da vocação sacerdotal muito diferente daquele que temos agora. Hoje se pensa que a vocação é o “chamado de Deus” para que um cristão, com a aprovação do bispo, possa ser ordenado sacerdote. Nos primeiros 10 séculos da Igreja, se pensava que a vocação era o “chamado da comunidade” para que um cristão fosse ordenado sacerdote. Mas ocorre que, nesse momento, a escassez de vocações é um fato tão notável que até os políticos cristãos-democratas da Alemanha tornaram público uma carta na qual pedem ao Episcopado que possam ser ordenados sacerdotes homens casados. Até os homens da política andam preocupados com a má situação na Igreja, entre outros motivos, pela alarmante falta de sacerdotes para atender as necessidades espirituais dos católicos.
Assim estão as coisas nesse momento. Os bispos – já o disseram os alemães – não estão dispostos a suprimir a lei do celibato. E menos ainda estariam dispostos a tomar decisões mais radicais no que se refere ao clero, especialmente pelo que diz respeito à necessidade de que a Igreja tenha sacerdotes para administrar os sacramentos. Eu não sei se os bispos vão ceder neste delicado assunto. E se cederem, quando o farão. Seja como for, me parece que chegou o momento de enfrentar esta pergunta: e se chegar o dia em que ficaremos praticamente sem sacerdotes? Seria isso a ruína total da Igreja?
O cristianismo tem sua origem em Jesus de Nazaré. Mas Jesus não foi sacerdote. Jesus foi um leigo, que viveu e ensinou sua mensagem como leigo. Jesus reuniu um grupo de discípulos e nomeou 12 apóstolos. Mas aquele grupo era composto por homens e mulheres que iam com ele de povoado em povoado (Lc 8, 1-3; Mc 15, 40-41). A morte de Jesus na cruz não foi um ritual religioso, mas a execução civil de um subversivo. Por isso, a Carta aos Hebreus diz que Cristo foi sacerdote. Mas este escrito é o mais radicalmente leigo de todo o Novo Testamento. Porque o sacerdócio de Cristo não foi “ritual”, mas “existencial”. Quer dizer, o que Cristo ofereceu, não foi um rito cerimonial em um templo, mas sua existência inteira, no trabalho, na vida com os outros e sobretudo na horrível morte que sofreu. Para os cristãos, não há mais sacerdócio que o do Cristo, que consiste em que cada um viva para os outros. Nem mais nem menos que isso. O sacerdócio cristão, assim como se vive na Igreja, não tem fundamento bíblico nenhum. Por isso, na Igreja não tem que haver homens “consagrados”. O que tem que haver são homens e mulheres “exemplares”. O “sacerdócio santo” e o “sacerdócio real” de que fala a primeira Carta de Pedro (1, 5.9) é uma mera denominação “espiritual” de todos os cristãos.
Além disso, em todo o Novo Testamento jamais se fala de “sacerdotes” na Igreja. Mais, está bem demonstrado que os autores do Novo Testamento, desde São Paulo até o Apocalipse, evitam cuidadosamente aplicar a palavra ou o conceito de “sacerdotes” aos que presidiam nas comunidades que iam se formando. Esta situação se manteve até o século III. Ou seja, a Igreja viveu durante quase 200 anos sem sacerdotes. A comunidade celebrava a eucaristia, mas nunca se diz que fosse presidida por um “sacerdote”. Nas comunidades cristãs havia responsáveis ou encarregados de diversas tarefas, mas não eram considerados homens “sagrados” ou “consagrados”. No século III, Tertuliano informa que qualquer cristão presidia a eucaristia (“De exhort. cast. VII, 3).
O que aconteceria se acabassem os sacerdotes na Igreja? Simplesmente que a Igreja recuperaria, na prática, o modelo original que Jesus quis. O que aconteceria, portanto, é que a Igreja seria mais autêntica. Seria uma Igreja mais presente no povo e entre os cidadãos. Uma Igreja sem clero, sem funcionários, sem dignidades que dividem e separam. Só assim retomaríamos o caminho que seguiu o movimento de Jesus: um movimento profético, carismático, secular. O clericalismo, os homens sagrados e os consagrados afastaram a Igreja do Evangelho e do povo. Assim o veem e o dizem as pessoas. A Igreja pensou que, tendo um clero abundante e com prestígio, seria uma Igreja forte, com influência na cultura e na sociedade. Mas remeto aos fatos. Esse modelo de Igreja está se esgotando. Não podemos ignorar todo o bem que os sacerdotes e os religiosos fizeram. E que continuam a fazer. Mas também não podemos esquecer os escândalos e violências que na Igreja se viveram e dos quais o clero, em grande medida, foi responsável.
Mas, o pior não é nada disso. O mais negativo que deu de si o modelo clerical da Igreja é que aqueles que tiveram o “poder sagrado” se erigiram nos responsáveis e, das “comunidades de crentes”, fizeram “súditos obedientes”. A Igreja se partiu, se dividiu, uns poucos mandando e os demais obedecendo. Na Igreja deve haver, como em toda instituição humana, pessoas encarregadas da gestão dos assuntos, da coordenação, do ensino da mensagem de Jesus... Mas, de duas uma: ou Jesus viveu equivocado ou quem está equivocado somos nós. Evidentemente, o final do clero não se pode improvisar. Provavelmente, a mudança vai se produzir, não por decisões que venham de Roma, mas porque a vida e o giro que a história tomou vão nos levar a isso: a uma Igreja composta por comunidades de fiéis, conscientes de sua responsabilidade, unidos aos seus bispos (presididos pelo bispo de Roma), respeitando os diversos povos, nações e culturas. E preocupados sobretudo em tornar visível e patente a memória de Jesus. Já são muitas as comunidades que, por todo o mundo, pela falta de clérigos, são os leigos que celebram sozinhos a eucaristia. Porque são muitos os cristãos que estão persuadidos de que a celebração da eucaristia não é um privilégio dos sacerdotes, mas um direito da comunidade. O processo está em marcha. E minha convicção é que ninguém vai detê-lo.
Termino afirmando que, se digo estas coisas, não é porque pouco me importa a Igreja ou porque não a queira ver nem pintada. Pelo contrário. Precisamente porque lhe devo tanto e me importa tanto, por isso, o que mais desejo é que seja fiel a Jesus e ao Evangelho.
Fonte
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=40186

25 de janeiro de 2011

'A Igreja precisa de pessoas como Hans Küng e Bento XVI’'

Manuel Fraijó é teólogo e filósofo, aluno, entre outros, de Hans Küng e Joseph Ratzinger. Como tal, conhece como poucos a amizade e a tensão entre ambos pensadores católicos. Neste 27 de janeiro, a Uned – de que é decano de Filosofia – outorgará o doutorado Honoris Causa a Hans Küng, o primeiro que o teólogo suíço recebe na Espanha. Ao evento, assistirão a nata do pensamento espanhol, e também da política. Entre eles, o ministro da Educação, Ángel Gabilondo.
A reportagem foi publicada no sítio Religión Digital, 24-01-2011. A tradução é deAnne Ledur.
Fraijó conta como viveu, em primeira pessoa, o momento em que Ratzingerrenunciou a docência em Tübingen. “Ele tomou uma decisão coerente consigo mesmo. Renunciou à sua cátedra para ir a um seminário diocesano, sem pena nem glória... e olha aonde foi parar”.
Entre as razões, seu distanciamento com o teólogo suíço. “Tem muito do Ratzingerprofessor em Bento XVI”, assegura Fraijó, quem agora sim tem de responder perguntas que não fazia suas em seus anos como docente: o dinheiro da Igreja ou “o celibato dos padres”.
Küng vem com 14 doutorados em Honoris Causa... mas jamais havia conseguido naEspanha. “Dada sua contribuição ao campo do pensamento e da história das religiões.”
Ao longo da entrevista, o decano de Filosofia da Uned insiste na “dilatada história de serviço à teologia e à filosofia”, de sua tese de doutorado La justificación (1957), um tema que tinha dividido a cristandade “desde a Reforma”. “Aí já se viu o que Hans Küng ia ser: um homem ecumênico, que advogava pelo respeito, pela tolerância e pelo diálogo”.
Küng foi sempre pioneiro, tem sido sempre valente”, sustenta Fraijó, que adiciona que, com sua trajetória ,“se tem a impressão de que o Espírito foi indo sobre ele”.
Küng e Ratzinger são antíteses? “Têm antíteses entre eles”, admite o decano, que recorda como seus enfrentamentos datam de 1965, e de como Paulo VI acabou escolhendo a Ratzinger frente a Küng. “Confie em mim, disse Paulo VI, e Küngrespondeu que, sim, confiava nele, mas não em seu entorno. Nessa mesma época,Paulo VI fez a mesma oferta a Ratzinger, e ele aceitou.”
São dois personagens, dois antigos amigos que merecem um enorme respeito e que têm servido muito bem à Igreja, cada um no seu âmbito, por caminhos diferentes. Não tem que colocar pra brigar uma biografia contra outra. A Igreja não seria nada sem pessoas como Hans Küng ou como Bento XVI”, insiste o especialista, que admite, contudo, que a teologia atual “está influenciada pela perseguição de João Paulo IIpara a teologia. Esse ir chamando um a um, ir abrindo expedientes, foi minguando a possibilidade que houvesse teologia. Houve medo, desde Paulo VI”.
Entretanto, vê mais importante “a crise do religioso em nosso tempo, a crise de Deus, como talvez não tenhamos tido nunca uma crise sem retorno”.
Uma crise em que influíram uma série de fatores, como a bioética. “A vida se cria de muitas formas, e o protagonismo, que adjudicávamos a Deus, é uma parcela perdida”. O mesmo acontece ao final da vida. “A fé em um final benévolo, na ressurreição, entrou em uma profunda crise”, sustenta.
“Não há grandes projetos teológicos. Faz quarenta anos que não se move nada em teologia”, constata Fraijó.
Se existe mesmo uma busca de um sentido último. “Há mais de dez mil religiões”. Precisamente, Hans Küng sustenta, em um livro que emprestou a Bento XVI em seu encontro em Castelgandolfo, “que tem que dar um não redondo à nada, e apostar redondamente pela outra vida. E essa aposta, mesmo que se perca, serviria para iluminar esta vida”. Todas as religiões postularam a continuidade. “Isso segue em muita gente, talvez cada vez em menos pessoas”.
A transcendência, no fundo do debate, seja ou não em outra vida, seja ou não através do pensamento. “No cemitério de Tübingen está enterrado Ernst Bloch, e em seu epitáfio pode-se ler: 'Pensar é transcender'”, culmina.
A vueltas con la religión é um dos últimos livros de Manuel Fraijó. Para onde vai a religião? A religião tem futuro? “Há um desgaste muito forte das religiões, que perderam um terreno importante, Mas há que pontuar. Uma secularização muito forte é a que se deu na Europa, onde o Cristianismo, por culpa própria (principalmente a Igreja hierárquica), rebaixou excessivamente Jesus e tem se centrado especialmente na sexualidade. Temos oferecido um cristianismo de liquidação”.
Essa secularização, fora da Europa, não se dá tanto. “Por isso, insiste Küng, na necessidade de dialogar entre as religiões. Contudo, muitos países vão do braço das religiões. Não devemos enfocar nunca as coisas só do nosso âmbito.
“Todas as religiões são verdadeiras, mas não todas são iguais de verdadeiras”, sustentaFraijó citando Küng, que assinala que a veracidade de uma religião virá “quando mais ajuda o necessitado”. O que estraga é a condição de absoluto.
Porque a verdade se pode compartilhar, mas o absoluto, por definição, é só um. E oCristianismo enfureceu o caráter absoluto, o que faz difícil o diálogo com outras religiões.”
Outra atividade de Manuel Fraijó, entre seus muitos compromissos, é o projeto de formação de imames na Espanha. “É uma das coisas mais gratificantes que fez nos últimos anos”, aponta o decano de Filosofia da Uned. “Nesses cursos se estuda o Islãna Espanha, sua dimensão jurídica e histórica... os fundamentos e sua diferença de fundamentalismo... A experiência está sendo muito boa, porque há uma receptividade muito forte. Há 600 imames na Espanha, e já passaram por esses cursos, uma centena deles.
O trabalho não é questionar a fé islâmica, “mas dizer-lhes como os países onde têm que levar a cabo a sua missão lhes vê”. No horizonte, “despedimos do fundamentalismo, através de – ainda – tímidas tentativas de aplicar o método histórico-crítico.
O Islã está pendente de sua Reforma, seu Renascimento? Não sei. Alguém disse que ao Islã, tem que sair um Lutero, mas todo mundo se cuida muito de ser ele, ou de assinalar datas. Efetivamente, lhe faz falta uma reforma. Ao Islã, não faz falta umConcílio Vaticano II, mas um Concílio de Trento ainda, porque Islã segue pensando que seu livro foi ditado diretamente por seu Deus desde o céu”.

Fonte

24 de janeiro de 2011

''A Igreja Católica suspeita da democracia''. Entrevista com José Comblin

Pode parecer curioso que um sacerdote indique que Marx "foi o primeiro filósofo cristão". Essa é a posição que José Comblintem a respeito da sustentação do cristianismo, religião que, com a influência de filósofos como Aristóteles, naturalizou a ordem do mundo, até se convencer de que não é possível mudá-lo, já que foi dado por Deus.

A reportagem é de Cristóbal Cornejo, publicada no sítio ElCiudadano, 20-01-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Nascido na Bélgica (1950), Comblin se doutorou em teologia na Universidade de Louvain (capital do país). Viveu no Brasil e, em 1972, expulso pela ditadura, foi aoChile para ensinar na Universidade Católica. No entanto, em 1981, Pinochet lhe impediu de reingressar depois de uma viagem, por isso voltou para o Brasil, onde trabalhou nessa década com comunidades de base.

Eis a entrevista.

Como o senhor caracteriza Jesus Cristo?

Ele vem mostrar em sua vida o que é a nova humanidade e anunciar a transformação. Busca os que sofrem, os doentes, os que não tiveram sorte. Depois, anuncia aos pobres que a situação mudará, que tenham confiança e força, porque eles têm a sabedoria de Deus e a entendem. Por outro lado, os ricos e poderosos nunca entendem e não querem entender. Eles defendem seus privilégios e nada mais. Depois, ele reuniu uma comunidade e lhes deu uma recomendação básica fundamental: que ninguém queira ser mais do que os outros. Isso basta, é a única instrução. Se respeitarem isso, todo o resto funciona. Depois, denunciou a todos os que mantêm o sistema de dominação, e que o defendem, porque lhes beneficia. Por fidelidade a essa mensagem, todas as autoridades de Israel querem matá-lo e vão pôr-se de acordo com o governador romano que, de fato, sente que ele é um revolucionário que ameaça seu sistema e ao qual é melhor suprimir. Jesus mostrou o caminho para construir um mundo novo, não só para salvar a alma, que é mais fácil.

Como se projeta a imagem desse Jesus na Igreja Católica que se institui?

Em um momento crítico, os imperadores romanos adotaram o cristianismo como religião do Estado. E isso está muito longe do evangelho de Jesus! Começam a representar Jesus em mosaicos vestido como Imperador, com as insígnias do poder, com o manto imperial, o que, por sua vez, confirma o poder do Imperador. Aí, aparece todo um sistema de culto que não existia, porque as religiões anteriores ofereciam sacrifícios, tinham templos, mas os cristãos não. Com esse sistema, todo o mundo é obrigado a ser cristão, as pessoas se batizam porque a polícia os está vigiando, e assim aparece um monte de discípulos de Jesus que, na realidade, não o entendem.

E qual é o papel dos sacerdotes?

A tarefa da organização eclesiástica é de cuidar da transmissão da fé, mas, na prática, fazem isso à medida que não seja um perigo para a sua carreira. No momento em que é um perigo, há coisas que é melhor não dizer nem explicar. Não dizem que Jesus morreu porque lutou contra todos os dominadores e denunciou o sistema. Dizem que sacrificou sua vida para que Deus perdoe os pecados das pessoas, e ninguém se sente ameaçado.

Como o senhor vê o momento atual da Igreja Católica?

Neste momento, sua preocupação principal é se manter, continuar, já que há muitos que foram embora. Estão buscando manter sua posição de poder, embora, na prática, isso não tenha muita influência. Estão preocupados em reconquistar a influência que tinham antes, embora não saibam como fazer isso. Quanto ao mundo exterior, não há muita preocupação. Entrar em conflito com os poderes dominantes? Isso não, nada disso.

A Igreja teve alguma vez a possibilidade de impulsionar a mudança social?

Como instituição não, só mudança social até o ponto em que as classes dirigentes aceitam. Daí a confrontar... isso é feito por algumas pessoas, alguns padres, alguns bispos, mas não a instituição. Toda instituição tende a permanecer, essa é a sua natureza, não ter conflitos com outros poderes. Por isso, o melhor seria a instituição mais frágil possível, ter o necessário para manter a unidade e a organização, sem concentração de poder, com dispersão, que cada lugar possa se organizar e definir.

O que lhe parece a figura e a liderança do Papa Bento XVI?

Ele é mais discreto do que o anterior, não tem o mesmo carisma, nem o desejo de se mostrar tanto. É um intelectual, dedica o tempo para estudar. Não conhece muito sobre as realidades dos povos. É muito amável, muito acolhedor, mas nas ideias é muito tradicional, conservador.

E sobre suas relações com o nazismo?

É que todo sistema é autoritário. Na democracia, critica-se discute-se, vota-se e decidem-se coisas, mas a Igreja não gosta disso, tem medo. A Igreja suspeita da democracia, por isso um sistema autoritário coincide melhor com seus interesses, porque aí tudo se decide conversando com o ditador.

Em que difere a concepção da Igreja sobre o pecado da que Jesus teve?

Quando judeus se tornaram discípulos de Jesus, eles traziam toda a sua herança, muito concentrada no Antigo Testamento: a insistência de fazer com que as pessoas aplicassem toda a moral e todas as normas e as regras. Jesus não se preocupou muito com o pecado, porque Deus perdoa. Ele teve simpatia pelos pecadores, porque eram menosprezados, mal considerados. Deu-lhes mais ânimo, valor e força. O pecado é o sistema de dominação que reaparece sempre em toda a história, o contrário da fraternidade e do amor. Toda forma de dominação que diminui a vida é matar o outro, isso é dominação, opressão, pecado.

Se Jesus estivesse vivo, onde estariam postas as suas energias?

Jesus queria mudar este mundo. Iria buscar as pessoas simples e pobres, porque com os ricos é inútil. Eles não vão querer mudar, estão aproveitando bem. Iria buscar os pobres, criaria comunidades, lhes daria o sentido de sua dignidade, de seus direitos, de lutar por uma vida melhor.

Quando o senhor fala de mudar o mundo, fala de revolução social?

Não, de mudar a humanidade, a forma de se relacionar entre as pessoas, isso é o que é preciso mudar. Como fizeram as comunas medievais, as comunidades de base, as empresas cooperativas, em que todos participam. No final, o império cairá como todos os anteriores, e os oprimidos se libertarão graças à sua luta.

Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=40159



23 de janeiro de 2011

A verdade de Hans Küng

O Vaticano tirou do teólogo suíço Hans Küng a licença para ensinar teologia devido às suas críticas a João Paulo II. Agora, o teólogo coloca no alvo de suas memórias um dos seus antigos companheiros da Universidade de Tübingen: Joseph Ratzinger, hoje Bento XVI.
O jornal espanhol El País, 08-03-2009, publicos alguns extratos de Verdad controvertida, segunda parte das memórias de Hans Küng, livro editado na Espanha pela Editorial Trotta. A tradução é do Cepat.
Sempre esperei que me fosse concedido viver a sucessão de João Paulo II no Pontificado. Esta esperança se cumpriu, mas num sentido totalmente contrário ao que eu e todos os que aguardávamos um Papa na linha de João XXIII e do Concílio Vaticano II teríamos desejado (...) Quase todos os meus grandes companheiros de fadigas na renovação da teologia e da Igreja desde os tempos do Concílio estão mortos ou se aposentaram, salvo um. E esse foi eleito Papa. Joseph Ratzinger é Bento XVI.
(...) Ambos somos marcados pelos movimentos juvenis. O que, para mim, evoca entranháveis lembranças de uma juventude com excursões às montanhas, gincanas, competições e uma vida livre, que incluía a prática regular da oração em comum e eucaristias preparadas especialmente para jovens: um movimento juvenil católico livre, felizmente, de ideias nazistas. A ele, pelo visto, não lhe restou outro remédio que tornar-se membro da homogênea juventude estatal, da juventude hitlerista. As terríveis experiências que vive durante os últimos meses de guerra na defesa antiaérea, no serviço social masculino, na breve mobilização militar e na permanência nos campos norte-americanos de prisioneiros de guerra correspondem com as de meus companheiros alemães de estudos nascidos em 1927-1928 no Collegium Germanicum de Roma.
O enraizamento na Igreja católica nos brinda a ambos, nestes confusos tempos de ideologias totalitárias, uma pátria espiritual, uma orientação cosmovisional e um apoio moral. Ambos somos entusiastas coroinhas. Mas para ele a Igreja in situ é representada pelo tradicional pároco do lugar e pelo arcebispo de Munique; ao passo que para mim quem a visibiliza é um assistente do movimento juvenil – nada convencional em sua conduta, forma de vestir e mentalidade, um pregador da Boa Nova que convence com a palavra e os fatos – sem cuja influência mais de uma dezena de jovens nunca teria sido sacerdote católico. Minha Igreja não é tanto uma Igreja de idosos como de jovens. Também Ratzinger se decidiu pelo sacerdócio, mas sem conhecer um assistente de jovens com essas características; só por isso, seu ideal sacerdotal é mais tradicional, estático e hierárquico que o meu. Impressionado com o cardeal vestido de púrpura, o jovem Joseph disse a si mesmo que gostaria ser “algo assim”.
(...) Quero dedicar-me à prática pastoral e, entre 1957 e 1959, passo dois anos felizes no coração da Suíça. Como vigário da igreja palatina de Lucerna, trabalho numa paróquia na qual a renovação da liturgia, da pregação, do trabalho pastoral e do ecumenismo se desenvolve a toda marcha e é vigorosamente impulsionada pela convocação do Concílio (Vaticano II). Uma experiência com as pessoas e suas necessidades, problemas e esperanças que Joseph Ratzinger, em seu ano de coadjutor em Munique durante o curso 1951-1952 e já com a mente posta naFaculdade de Freising, não vive da mesma maneira; e que, contudo, determinará decisivamente a minha teologia. Mas mal me habituei a Lucerna, recebo de Karl Rahner um convite para participar do próximo encontro do grupo de trabalho de teologia dogmática e fundamental em língua alemã, que aconteceria em Innsbruck em outubro de 1957.
E ali conheci não só Michael Schmaus, mas também o meu coetâneo Joseph Ratzinger (...) Na ocasião, ele é professor de dogmática em Freising e já tinha escrito uma resenha, inteligente, laudatória e analítica da minha tese doutoral: “... por este presente merece Hans Küng o agradecimento de quantos rezam e trabalham pela unidade dos cristãos divididos”. Em seguida, nos tornamos simpáticos (...) Também estes anos de Münster são para mim um tempo feliz. Mas não passou sequer um ano quando me oferecem a cátedra de teologia fundamental na Universidade de Tübingen (...) Abre-se assim o caminho para a publicação de meu programático livro,O Concílio e a união dos cristãos, do qual a Faculdade de Tübingen tinha assim mesmo conhecimento, mas que havia sido retido por medo fundado de uma intervenção de Roma contra a minha nomeação (...) Em 1962, fomos os dois, já como professores de teologia fundamental, ao Concílio.
(...) Dois anos mais tarde advogo com dupla força – como decano e como ocupante da outra cátedra de teologia dogmática – pelo chamamento acadêmico do professorJoseph Ratzinger para Tübingen (...) O que na época pensava de Joseph Ratzinger se desprende com clareza da proposta da Faculdade, redigida por mim, que conclui com as seguintes palavras: “A obra extraordinariamente rica deste intelectual de 38 anos; a envergadura, o rigor e a perseverança de seu fazer, que permitem pressagiar grandes sucessos futuros; a autonomia de sua linha investigadora (...) seu grande sucesso docente em Bonn e Münster, assim como suas afáveis qualidades pessoais, permitem esperar uma frutífera cooperação com os companheiros...”. Ainda hoje guardo estas palavras.
Deste modo Ratzinger recebe e aceita em 1966 o convite do Ministério da Educação e Cultura de Baden-Würtemberg. (...) Nos vemos com freqüência nas reuniões da Faculdade, acertamos o conteúdo dos exames e examinamos de maneira alternativa os alunos: tudo sem problemas. (...) Durante três anos trabalhamos juntos de maneira colegial e harmônica em Tübingen (...) Só há uma ocasião em que ele se distancia não só de mim, mas de toda a Faculdade: o corpo de ajudantes apresentou uma moção para que intercedêssemos ante o bispo de Rottenburg pelo professor de pedagogia da religião Hubertus Halbfas (...) com a finalidade de que não lhe seja retirada a licença eclesiástica de docência sem novas avaliações. Todos os professores se pronunciaram a favor dessa gestão..., todos, menos Joseph Ratzinger, que agora é decano. Me assombra a sua oposição a uma ação colegial. No entanto, nossa possível intercessão ante o bispo perde sua razão de ser, porque o sacerdote católico Hubertus Halbfas, para alívio da cúria diocesana, anuncia o seu casamento; deste modo, a interrupção de sua atividade docente se produz, conforme o estipulado pela Concordata, de modo automático, por assim dizer.
(...) Quem sabe o que teria sido de Joseph Ratzinger se não tivesse abandonadoTübingen depois de três anos cheios de sucesso. Até este ponto nossos caminhos tinham seguido um curso em grande medida paralelo: as trajetórias vitais de dois teólogos que, não obstante todas as afinidades familiares, culturais e nacionais, são muito diferentes em sua estrutura psíquica e, desde muito cedo, adotam uma posição inteiramente divergente sobre a liturgia, a teologia e a hierarquia católicas e, em especial, a revelação e o dogma. Duas pessoas que, a despeito destas diferenças ou talvez por causa delas, se respeitam e valorizam mutuamente e, evidentemente, reconhecem o outro como teólogo católico na força da fé e na intelectualidade próprias de cada um. Por conseguinte, se quisermos, dois modos, formas, estilos, sim, dois caminhos muito diferentes de ser católico. Naturalmente, naquele momento não tínhamos tudo isto tão claro como agora, ao fazer uma análise retrospectiva. Mas em modo algum teria porque ter levado a uma ruptura.
(...) Para mim, a despedida de Joseph Ratzinger de Tübingen segue sendo enigmática. Em 26 de outubro de 1969, já como professor de Regensburg, oferece um almoço aos seus ex-companheiros de Faculdade no hotel Krone de Tübingen. O ambiente é inesquecível. Também me agradece pessoalmente pela boa colaboração. Apenas muitos anos depois leio um relatório do filósofo, tradutor e senador tcheco, doutor Karel Floss. (...) No final de julho ou começo de agosto de 1969 visita em Tübingen Joseph Ratzinger; este o recebe com amabilidade, mas não demora em deixá-lo em companhia de seu ajudante Martin Trimpe, com quem Floss passa toda a tarde (...) Trimpe informa a Floss de que a colaboração entre Ratzinger e Küngacabou. Pelo bem de ambos, urge a separação, posto que não é possível seguir trabalhando com uma pessoa como Küng; do contrário, Ratzinger e seus colaboradores acabariam pervertendo-se por completo (...) À pergunta de Floss sobre qual rumo o próprio Trimpe tomaria, este responde que Ratzinger vai paraRegensburg, onde o bispo Graber lhe garantiu todas as condições para um trabalho científico tranquilo e honrado. O que significou uma segunda comoção para Floss, já que ele sabia que todas as forças conservadoras, que também na Tchecoslováquia se haviam assustado com as consequências do Concílio, rechaçando especialmente o abandono do tomismo, haviam buscado refúgio junto a Graber. Até aqui o relato deKarel Floss.
(...) Não sei se nunca tive curiosidade de saber qual poderia ser a minha “pervertedora” influência sobre os mais estreitos colaboradores de Ratzinger. E, no que diz respeito à impossibilidade de prolongar a colaboração entre Ratzinger e eu, talvez o ajudante exagerasse ou inclusive desfigurasse a pessoa de seu mestre. O certo é que Ratzingerse retirou de Tübingen, onde, do ponto de vista científico, alguém se encontra sem dúvida em vanguarda, para a teologicamente dócil Regensburg, à província do mais reacionário dos bispos alemães da época, defensor do marianismo e do curialismo.
Mas, só tive notícia desta conversa anos depois. E a gente já tem que se colocar a pergunta formulada por outra testemunha da época, o conselheiro acadêmico doInstituto de Pesquisas Ecumênicas, Hermann Häring, que sustenta que me equivoquei enormemente em relação a Ratzinger. Não é apenas que este apenas se apercebesse de que na questão das revoltas estudantis, eu, no fundo, estava do seu lado. Segundo Häring, Ratzinger começa a se diferenciar claramente de mim sobretudo na interpretação do Vaticano II. O certo é que em 1968 assina aDeclaração pela liberdade da Teologia, redigida essencialmente por mim, à qual se somaram finalmente 1.322 teólogos e teólogas do mundo inteiro. E também apóia em 1969 a declaração de Tübingen sobre a escolha dos bispos e a limitação temporal do cargo, esta não redigida por mim, mas pelo canonista Naumann e outros companheiros. Mas assim que abandona Tübingen, Ratzinger retira a sua assinatura desta segunda declaração; segundo aduz, a havia assinada sob pressão dos companheiros. Já se via como futuro bispo?
(...) Para ele a Igreja antiga ou a Igreja dos Santos Padres é a medida de todas as coisas. Assim como ele a entende: Não vê Jesus de Nazaré como o viram os seus discípulos e as primeiras comunidades cristãs, mas como foi definido dogmaticamente pelos Concílios helenísticos dos séculos IV e V, que, de fato, mais que unir, dividiram o cristianismo. Interessa-lhe quase nada o Jesus da história e o pouco dogmático judeu-cristianismo dos começos; daí que não mostre muita compreensão pelo Islã. (...) Não é a Igreja do Novo Testamento que lhe interessa, mas a Igreja dos Padres (naturalmente, sem mães).
(...) Joseph Ratzinger não mudou. Não se faz nenhuma injustiça a ele quando se afirma: simplesmente ficou parado no tempo! Ele quis ficar ancorado: na Igreja e na teologia latinas antigas e medievais, assim como ele as conheceu e aprendeu a amar em seus estudos através de Agostinho e Boaventura, assim como em sua ascensão pela escala do poder hierárquico. O teólogo Ratzinger contribuiu pouco para a evolução da teologia, nem sequer em seu livro sobre Jesus. Essa também não era a sua pretensão. Nessa mesma medida tem, evidentemente, razão quando afirma que não é ele quem mudou, mas eu. Com efeito, eu não queria ficar parado no tempo, mas avançar (...) Assim, pois, em princípio (eu) mudo, de maneira simultânea com o avanço da pesquisa teológica, como resposta ao impulso que significa o ConcílioVaticano II (...) mas também incitado uma e outra vez pelas experiências contrárias que a comunidade eclesial vive por causa da Cúria romana pós-conciliar ou, melhor ainda, pré-conciliar.
(...) Em 1980 estou com 52 anos de idade; Joseph Ratzinger (...) tem 53. Apenas um ano depois será nomeado, em Roma, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Mas, curiosamente, interrompe suas memórias (escritas em 1998) no ano de 1977, exatamente quando entra na hierarquia, com as seguintes palavras, difíceis de entender: “O que mais poderia dizer e que coisas mais concretas poderia contar sobre os meus anos de bispo?” Ah, tudo o que poderia contar! Mas, o que o impede? É desconcertante que Ratzinger exclua de suas memórias exatamente os anos em que foi o segundo homem mais poderoso da Igreja católica, anos em que dezenas de teólogos e inúmeros católicos e católicas de base sofreram sob sua férula. Talvez se entenderiam melhor algumas coisas... Se desejaria ler mais e coisas mais concretas exatamente sobre os seus 24 anos no Palazzo del Sant’Uffizio.

20 de janeiro de 2011

Romero esquecido


mil anos nenhum Papa não proclama como beato o Papa que o havia precedido. Processo aberto antes dos cinco anos da morte formalmente previstos para investigar a santidade. Mas o vazio deixado por João Paulo II era insuportável na Igreja ferida por uma crise de credibilidade: necessidade de recordar a esperança empalidecida pelos escândalos de sacerdotes e bispos que indignam os fiéis. Recordá-la em torno da figura de um pontífice carismático, atento à cotidianidade das pessoas que adoravam a sua simplicidade e sua mensagem profética.
A reportagem é de Maurizio Chierici, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 18-01-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A notícia de um milagre permitiu encurtar os tempos. É preciso dizer que a revelação de uma intervenção sobre-humana é só um dos motivos contemplados pelo tribunal dos santos. Para a Igreja, santo é a pessoa à qual são reconhecidas virtudes excepcionais; exemplo a ser seguido. Havia acontecido isso com Teresa de Calcutá. Dois meses depois da morte, ignorando as vozes dos prodígios, o próprio João Paulo II confirmava o processo de beatificação.
Antes da pequena mulher que viveu entre os desesperados, o beato mais rápido da história (se assim se pode dizer) havia sido José María Escrivá de Balaguer, pregador que incensava o franquismo e fundador da Opus Dei. Último suspiro em 1975: sete anos depois, nos altares. "Recomendado por grupos poderosos", é a amargura dos teólogos discordantes.
Mais recomendado do que Pio XII, que vai embora em outubro de 1958. Em 2001, o cardeal Ratzinger (prefeito da Congregação da Fé) dá início ao processo, mas passam-se oito anos antes da assinatura que decreta as "virtudes heroicas", descontentando as comunidades judaicas: aquele silêncio sobre as deportações aos campos da morte.
Resta entre nós, mortais, o bispo Romero, morto no altar em San Salvador, em 1980: defender os agricultores famintos não o tornou popular no Vaticano. Atingiram-no no altar como a Thomas Becket, arcebispo de Canterbury 750 anos antes. O poema Eliot lhe dedica (Assassinato na Catedral) aparece para aproximar no tempo o sacrifício de quem resiste aos poderes violentos quando fascismo e nazismo envenenam a Europa. Agora é a América de Romero. Em 1997, chegam a Roma as conclusões da Igreja salvadorenha: havia aberto o processo com algumas dificuldades.
Dificuldades que continuam. Certos bispos, certos cardeais não se rendem: o Romero beato torna-se a derrota de uma vida dedicada a marginalizá-lo. Fácil nos anos em queWojtyla pensava na Igreja do silêncio da sua Polônia. Um religioso morto emVarsóvia torna-se o herói que conquista o altar, mas os padres, as irmãs e os jesuítasmassacrados no El Salvador pela doutrina Reagan ofuscam o projeto norte-americano de ajudar o Solidarnosc a se livrar de Moscou.
Lembro a solidão de Romero: não conseguia informar ao Papa as tragédias que ensanguentavam a inocência dos fiéis. O Núncio Apostólico Kadar, reticente; burocracia vaticana, blindada. Finalmente, ele se encontra com João Paulo com o seu pacote de cartas que relatam sobre os sacerdotes mortos por serem "comunistas". "Jogue fora". Wojtyla talvez tem medo de folheá-las. Porém, a visita muda o Papa. Com a Polônia democrática, o olhar se amplia para o mundo dito livre e infeliz. No fim do século XX, anuncia solenemente os nomes dos mártires da fé. Surpreendentemente, também está Romero. Não é a surpresa dos fiéis: é a surpresa dos compiladores da lista dos exemplos a serem amados. Mais uma vez, haviam se esquecido dele: João Paulo remedia no último momento.
E o cardeal Ratzinger se lembra do bispo Pedro Casaldáliga: a sua diocese é a maior do mundo no Brasil do Xingu. A sua catedral parece uma igreja do interior. No interior, expõe um retrato de Romero, "santo das Américas". Ratzinger ordena que ele desapareça. E o bispo volta desconsolado entre as misérias: "Pobre, Romero, Roma continua detestando-o. Sabe-se lá por quê".

fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=40065

19 de janeiro de 2011

Princípios mínimos básicos para a salvação do Planeta e da própria Humanidade

No próximo dia 8 de fevereiro, o Fórum Mundial de Teologia e Libertação - FMTL irá celebrar, dentro do Fórum Social Mundial - FSM, em Dakar, noSenegal, uma oficina sobre "Religiões e Paz: A visão/teologia necessária para tornar possível uma Aliança de Civilizações e de Religiões para o bem comum da humanidade e a vida no planeta". A organização da oficina é daAssociação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo - ASETT/EATWOT.
Para facilitar a participação e o debate, a EATWOT disponibilizou as conferências resumidas de vários especialistas que serão apresentadas sobre a temática proposta na oficina do ano que vem.
O sítio do IHU, em suas Notícias do Dia, está disponibilizando as principais conferências a respeito da temática. Veja abaixo, em "Para ler mais", a lista de textos já publicados.
Além disso, também foi publicada uma proposta de Agenda teológica 2011-2013, para ser debatida no seminário do FMTL.
No texto abaixo, a equipe do sítio Servicios Koinonia – página "laica, macroecumênica e não confessional", que reúne diversos serviços no campo da teologia, espiritualidade, liturgia, pastoral etc. – apresenta alguns princípios mínimos básicos que poderiam tornar possível que as religiões reúnam suas energias a serviço da salvação do Planeta e da própria Humanidade. A tradução é de Moisés Sbardelotto..
Eis o texto.
Religiões e Paz
A visão/teologia necessária para tornar possível uma Aliança de Civilizações e Religiões para o bem comum da humanidade e a vida no planeta
Com que visão, com que teologia poderíamos confrontar a presente situação do mundo?
Estes poderiam ser alguns princípios mínimos básicos que poderiam tornar possível que as Religiões reúnam suas energias a serviço da salvação do Planeta e da própria Humanidade, em uma Aliança de Civilizações e Religiões em favor do Bem Comum da Humanidade e do Planeta:
- As religiões devem abandonar a expressão e o conceito da "única religião verdadeira"... porque todas elas o são.
- As religiões são dons de Deus à Humanidade para aprofundar nossa qualidade profunda como seres humanos, de forma que levem à plenitude a nós mesmos, à Vida e ao Cosmos do qual fazemos parte.
- As religiões devem reconhecer que são também criações humanas, misteriosamente elaboradas por nossos ancestrais e, nesse sentido, realidades limitadas, imperfeitas, que necessitam ser tratadas com compreensão e melhoradas com um generoso esforço crítico, com humildade e agradecimento.
- As religiões devem descobrir agradecidas que já não há um Povo Eleito... porque todos são Povos muito amados por Deus.
- As religiões devem superar seu próprio complexo de superioridade religiosa, como um antigo pecado, próprio de tempos já passados.
- As religiões aceitam, estremecidas de gozo, a inabarcável diversidade religiosa e se comprometem a apreciar, proteger e reverenciar tal diversidade do sagrado.
- As religiões devem se esforçar para renunciar ao proselitismo. As religiões vão estabelecer vínculos entre elas e canais de comunicação e enriquecimento mútuo. A nova "missão" da qual as religiões são conscientes não vai tentar converter o outro, fazendo-o mudar de religião, mas sim ajudá-lo a assumir mais autenticamente a sua própria religião.
- As religiões veneram a Realidade Última, que pode ser chamada com muitos nomes, embora nenhum deles lhe seja apropriado. Nenhuma religião vai conceber ainda essa Realidade Última como um deus tribal, próprio de sua raça, povo ou cultura... Todas as religiões vão superar sua antiga imagem tribal de Deus.
- As religiões coincidem na chamada Regra de Ouro: tratemos os outros como gostaríamos de ser tratados. Essa regra vale tanto com relação aos indivíduos, quanto aos povos e às religiões, assim como à sua coexistência pacífica em meio a toda a Humanidade.
- Essa Regra de Ouro abrange também a Vida, a Terra, o Planeta mesmo, nesta hora de crise que estamos atravessando atualmente. Salvar a Vida, a Humanidade e a Terra como um todo é a meta suprema à qual, neste momento histórico, elas deveriam aderir.
Esses princípios podem constituir a Visão, a teologia que necessitamos para enfrentar os desafios que a Terra confronta. As religiões são indispensáveis para superar o momento presente da Humanidade. As religiões podem e devem ajudar a constituir a Aliança de Civilizações e Religiões para o bem comum da Humanidade e do Planeta.
Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=40053
Servicios Koinonia(Pode-se encontrar uma versão mais ampla deste texto emservicioskoinonia.org/relat/351.htm)

18 de janeiro de 2011

''O Papa e a Cúria traíram o concílio reformista'', afirma Küng

O teólogo alemão Hans Küng considera que as estratégias econômicas e o juízo ético devem ser vinculados entre si para evitar, como ocorreu com o modelo neocapitalista atual ao qual ele responsabiliza pela atual crise econômica, suas consequências antissociais.

A reportagem é da agência Efe, 17-01-2011. A tradução é de MoisésSbardelotto.

Em seu novo livro, Lo que yo creo [Em que creio], Küng reitera sua convicção de que a nova arquitetura das finanças deve ser respaldada por um ordenamento marco de caráter ético, porque – afirma – a cobiça e a soberba humanas "só podem ser freadas com algumas normas éticas básicas, como as que foram se configurando desde a hominização do humano".

Publicado pela editora espanhola Trotta, Lo que yo creo – que chega nestes dias às livrarias espanholas – quer ser uma síntese, em chave espiritual, de toda a sua trajetória "como pensador e do caminho pessoal" que ele percorreu em sua vida, afirma o autor em um blog lançado pela editora e que é inaugurado pelo próprio Küng com uma referência sobre o seu novo livro.

Essa síntese, acrescenta o teólogo, se desdobra ao longo do livro em três linhas de força que articulam seu conteúdo: primeira, a do "decurso biológico que vai do nascimento à morte, desde os primeiros passos na vida até a visão do final e a consciência da certa – embora incerta enquanto à sua hora – morte do indivíduo".

Segunda, "a linha do decurso biográfico, a narração dos fatos e das vivências da própria vida, que relatei pormenorizadamente nos dois volumes de minhas memórias publicados até agora, e que são a matéria a partir do qual são feitas as 'meditações' que este livro contém".

E, em terceiro lugar, "o curso filosófico e teológico das ideias, o estudo e a reflexão, às vezes sobre matérias muito especializadas, que formaram a minha trajetória intelectual e que determinaram também meu compromisso na prática, ao me permitir intervir de forma razoável em discussões sobre assuntos de interesse geral sem nunca perder de vista os grandes contextos", assinala.

Küng fundamenta nessa visão de conjunto e, ao mesmo tempo, pessoal suas próprias palavras, "uma tríplice esperança: na unidade das Igrejas, na paz entre as religiões e na comunidade das nações".

Ao falar da unidade das Igrejas, diz o teólogo, após reconhecer-se como um membro fiel da Igreja: "Acredito em Deus e seu Cristo, mas não 'na' Igreja. Rejeito toda equiparação da Igreja com Deus, todo triunfalismo soberbo e todo confessionalismo egoísta, permaneço aberto a toda a comunidade cristã de fé, a todas as Igrejas".

Ele lembra seu compromisso ao longo de sua vida com a renovação da Igreja e a teologia católicas, assim como com o entendimento entre as Igrejas cristãs e reconhece, acerca disso, que foi testemunha "de alguns êxitos", sobretudo com João XXIII e durante o Concílio Vaticano II.

Mas, acrescenta, "também tive que suportar reveses, especialmente com os papas pós-conciliares: eles e seu aparato curial de poder traíram o concílio reformista e puseram de novo em pé, a fim de bloquear qualquer reforma, o sistema romano, antirreformado e antimoderno, próprio da Idade Média, com um colégio episcopal inteiramente domesticado".

Minha esperança, afirma, "não se dirige a uma Igreja unitária homogênea; os perfis confessionais, regionais, até nacionais, das diversas Igrejas cristãs não devem se fundir em um só".

"Minha esperança visa a uma unidade ecumênica entre as Igrejas cristãs em uma heterogeneidade reconciliada... É uma visão realista, cuja realização na base das Igrejas já começou há muito tempo".

17 de janeiro de 2011

Adeus Pe. Marcus Bach !



Pe. Marcus vivia no Rio Grande do Sul, era dessas pessoas únicas que conseguiram encarnar o espírito
do Concilio Vaticano II.

Era um dos grandes defensors de um cristianismo autêntico semelhante ao praticado pelas primeiras comunidades.
Uma grande perda para todos nós.

Reproduzo aqui duas matérias uma do blog Unificante
http://unificante.blogspot.com e outra de 2008 que foi pulicada no blog da IHU
J Ricardo


Blog Unificante

Adeus Pe. Marcos!

Aqui em São Paulo, recebi hoje telefonema da Célia Bach, comunicando que às duas horas desta madrugada faleceu o querido Pe. João Marcos Bach,SJ, no Residencial São José, em São Leopoldo, onde estava internado nos últimos meses. Algumas vezes no ano passado eu o visitei na sua enfermidade e muitas vezes o visitei em Portão e Bom Princípio. Na década de 90 ele residiu quase 6 anos no Vale de Nazaré. A Fraternidade o tirou de um certo ostracismo eclesial naqueles anos e Pe. Marcos ajudou muito nas comunidades da Paróquia Espírito Santo e animou um grupo de leigos por 3 anos numa reflexão mais elevada e mais crítica da fé.

Hoje às 17h a Comunidade dos Padres Jesuítas celebrará a Santa Missa de sufrágio, na capela do Residencial São José, fazendo o sepultamento a seguir junto ao túmulo do Pe. Reus.

À Célia nossa fraterna solidariedade pelos longos anos em que ela se tornou irmã e companhia zelosa junto à pessoa de Pe. Marcos. De uma forma prática e vivencial a Célia nos deu este bonito testemunho. Obrigado Célia!

Pe. Marcos foi um divisor de água entre a mediocridade eclesial e a profecia.

Muitos o detestavam e muitos outros o amavam. Seus inúmeros livros enfoca uma série de temas e sempre semeiam idéias para o futuro, questionando a acomodação e visão curta da realidade e da história.

Pensamentos assim, fustigantes, faz muita falta nesses tempos de endeusamento institucional e redução da profecia.

Dom Ivo Lorscheiter tinha grande apreço pela pessoa de Pe. Marcos. Há 10 anos eu acompanhei Dom Ivo, levando ele à casa de Pe. Marcos, onde os dois passaram um dia inteiro com muita prosa e amizade.

QUE ELE DESCANSE NA PAZ DO DEUS VIVO
A QUEM SERVIU COM FIDELIDADE,
MESMO QUE NEM SEMPRE
DENTRO DA ECLESIAL INSTITUCIONALIDADE!




Esta foto foi feita no dia 14.01.2009, quando de uma visita em Portão.

Pe. Marcos tinha então 93 anos.



Matéria do IHU

Marcus Bach.
Um gênio incompreendido pelo seu tempo



No dia 26 de fevereiro de 2008, o blog do IHU, publicou o seguinte depoimento de Graziela Wolfart, jornalista, sobre Marcus Bach, padre jesuíta, ontem falecido, em São Leopoldo, RS.
Eis o depoimento.
Um pequeno apartamento, de um dormitório, no sossegado município de Bom Princípio, no Rio Grande do Sul, é o cenário onde vive um gênio de 92 anos que insiste em defender idéias além do seu tempo. Sim, ele vive ainda, com saúde. E pensa, lê e escreve. Na cabeceira, dois livros: Despertar de uma Nova Consciência, de Eckhart Tolle, e Microfísica do Poder, de Michel Foucault. Em frente ao sofá da sala, uma estante enorme, repleta de livros. Do total, mais de 40 são de sua autoria, mas apenas 14 foram publicados. Cerca de 30 obras estão lá, intactas, à espera de uma editora que possa tornar público o conhecimento e a sabedoria deste senhor de cabelos ralos e longos e de barba cerrada. Estou falando do padre jesuíta José Marcus Bach.

A jornalista que escreve este artigo teve a oportunidade de conhecer pessoalmente este homem que, por muitos, é considerado um grande mestre, e por outros, uma pessoa contraditória e até confusa. Ele explica. “Faz 30 anos que digo a mesma coisa e apenas agora algumas das minhas idéias começam a fazer sentido. O que eu escrevo hoje só será compreendido pelas gerações que viverem daqui a 50 anos”. E avisa: “vocês não tem dimensão da gravidade da situação que estamos nos aproximando. O pesadelo que aguarda a humanidade não virá das catástrofes climáticas e com a doença do Planeta Terra, mas da falta de amor entre os homens”.

Pe. Marcos descobriu que o amor é o caminho para a salvação da humanidade. O amor incondicional, amor que Deus ensina e que Cristo pregou na Terra. “Quem chega ao final de sua vida e descobre que nunca amou ninguém como a si próprio e não foi amado dessa forma, pode ter certeza de que teve uma vida vazia, jogada fora”. Por essa razão e com o objetivo de dividir seu conhecimento e continuar aprendendo, Pe. Marcus decidiu criar a Comunidade Eclesial de Amor em Cristo (CEAC). Trata-se de um grupo que realiza encontros comunitários e familiares nas cidades de Portão eBom Princípio. O objetivo é oferecer “uma oportunidade de dar, de repartir e compartilhar com outros um excesso de amor que nossa sociedade de consumo não consegue absorver”.

O doutor em Teologia fala muito. Tem necessidade de exteriorizar suas reflexões. E uma delas é sobre a importância de viver o presente. “Esqueçam do passado e não se preocupem com o futuro. Vivam o agora, o presente. Pensar que estamos dentro de uma linha de tempo é bobagem. Aprendemos que nossa vida acontece no tempo e, após a morte, passamos para a eternidade. Mentira! Já estamos na eternidade. O que precisamos é viver de forma mais contemplativa e tranqüila o momento presente. Eu esqueço que tenho 92 anos. A idade é você quem faz”, explica. No entanto, depois de um período de uma cansativa explanação, ele “desliga o cérebro”, conforme suas palavras. Observo seus movimentos. Ele se recosta no sofá, olha para cima, com o olhar parado, fixo, respira lentamente. Está fora do mundo, com certeza. E ele garante que não escuta nada do que se fala a sua volta. “Preciso desses momentos para recuperar energia”. Em instantes, ele volta a falar.

Mas Pe. Marcos não vive sozinho. Desde 1977 ele conta com o amor, o companheirismo e a ajuda de Célia Bach, sua prima, que também é sua parceira intelectual. Com ela, escreveu A caminho da verdade interior. Liberte-se meditando. (Petrópolis: Vozes, 1986). Entre seus livros publicados mais recentemente, cito A esperança cristã: guardar tradições ou abrir horizontes?(São Paulo: Paulus, 1999) e Uma Nova Moral? (Petrópolis: Vozes, 1990). A inspiração de Pe. Marcus Bach vem do também jesuíta Teilhard de Chardin, outro que foi incompreendido por todos de sua época. Por isso, é possível entender porque, entre os livros de Bach não publicados, parados lá na estante, estão obras que falam sobre ciência e Deus, teoria quântica, Deus, caos e ordem, novos laços afetivos na pós-modernidade, entre outros temas que definitivamente, para muitos, ainda não fazem sentido. E o jesuíta garante: “Hoje, os cientistas estão mais perto de Deus do que os teólogos”.

Entre os projetos de Pe. Marcus e Célia, está a consolidação da Associação Cultural Pe. Marcus Bach (APEBACH), que, mesmo ainda sem sede construída, já tem um calendário de atividades culturais para 2008. Célia conta que a prefeitura do município de Portão já doou um terreno para a construção da sede. Enquanto isso, as palestras serão realizadas na biblioteca pública de Portão. O tema central das conversas é “ainda há espaço para o amor humano na pós-modernidade?”.

A jornalista que vos escreve não se conteve em perguntar ao sábio jesuíta sobre o papel de Deus na sociedade contemporânea. Pe. Marcus não hesitou em responder que é fundamental. “Deus é o único capaz de perdoar a todos sem impor condições ou questionamentos. E é o único capaz de amar a todos incondicionalmente”. “E o senhor acha que o ser humano, na sua essência, nasce bom ou mau, Pe. Marcus?”, pergunto eu. “Todos nascemos com uma carga de bondade. A explicação para a maldade humana é a falta de amor. Ou você acha que Deus criaria seres ruins? A filosofia ensina que a maldade é necessária para que possamos reconhecer a bondade. Como saberíamos o que é bom se não conhecêssemos o outro lado?”, dispara, antes de mais um momento de “pausa restauradora”.

No meio da tarde, aparece outra visita, de um ex-aluno de Pe. Marcus. Lá, ele comenta se já sabiam do falecimento de Hugo Assmann. Sim, já sabiam. A Célia lê todos os dias as Notícias do Dia, do site do Instituto Humanitas Unisinos – IHU. “Muito bom, conhecem?”. Levei de presente para eles três edições da revista IHU On-Line, que também conhecem e acompanham. Ficaram muito felizes.

E de pensar que eu fui até lá para acompanhar meu marido que, na infância, brincava no pátio da casa de Marcus e Célia Bach, em Montenegro, e desenhava borboletas entre as roseiras que o próprio jesuíta gostava de plantar. Em nossa conversa, falamos ainda de casamento, de família, de robótica, de cotas raciais e de educação. Foi uma grande aula. Dessas que sempre faltam na faculdade. Dessas que a gente não encontra por aí. Dessas que marcam a gente. Quem conhece José Marcus Bach sabe do que estou falando. Quem não conhece e já ouviu falar, pode imaginar. Mas quem não conhece, basta ir até lá. Naquele pequeno apartamento, de um dormitório, cercado de árvores, em Bom Princípio. Lá tem chimarrão, biscoito, doce de pêra e conhecimento.