O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

29 de agosto de 2020

Uma reflexão depois das sessenta e nove voltas em torno do sol.

E de repente eu me dou conta de que mesmo trancado a quase seis meses, sem colocar a cara na rua, o sol deu mais uma volta. Meu Deus, como passa rápido. Noto que ele, o sol está começando a cansar, afinal já foram sessenta e nove voltas, e a cada nova volta parece que o caminho fica um pouco mais difícil. Esta última volta foi especialmente mais complicada. Os sonhos, parece que já não estão tão fáceis de serem sonhados e isso acaba por comprometer demais a esperança. Mas o que fazer se há dias em que não se consegue ver a linha do horizonte e sem horizonte, sabemos fica difícil manter a crença nas utopias. Mas não vou dizer como o poeta maior que o tempo é de fezes e maus poemas, ah Drummond se você soubesse que até os poemas estão difíceis de escrever. Queria muito ver flores nascendo no asfalto, mas do jeito que estamos já me contento em vê-las nascendo nos jardins. Hoje é um dia de recordações, já não tenho mais o frescor dos verdes anos, mas isso não me impede a rebeldia. Não vou me entregar, não abro mão de sonhar.
Quero degustar cada momento,
Saborear ainda a experiência dos anos. Abrir bem largo os meus braços E abraçar a VIDA e Todo o tempo que me restar. Esta incansável caminhante Que jamais se detém, Não se prende só aos sorrisos, Ou ao rolar de uma lágrima, Sege incansável sem parar. Seja nos anos inquietos da juventude, Ou na meia idade, Anos nem quentes nem frios, São mormaço úmido. Uma sequência de outonos de céus sem nuvens, expectantes, com a dúvida, se haverá noites frias de inverno. Chegado o inverno, É neste ponto do caminho que paro para meditar... O quê mais me reservará a amiga vida? Que a rebeldia, me seja sempre companheira. Que as lembranças, Não sufoquem a euforia da descoberta De que ainda é possível sonhar. Ah, amiga vida, não quero perder a oportunidade, Por nada deste mundo, De sempre me rebelar, Contra os que insistem em sufocar em nós Essa sede de liberdade. E esta vontade de gritar bem alto: Jamais desistiremos de amar !

8 de agosto de 2020

Missão de Dom Pedro Casaldáliga





Missão de Dom Pedro Casaldáliga em Documentário da Verbo Filmes – 2011: 

Pedro Profeta da Esperança

 " A causa de Deus não fracassa"
( Pedro Casaldáliga)

1ª parte



2ª parte

Pedro Casaldáliga - ‘’Jesus de Nazaré, a sua causa e o seu Reino’’ é o que devemos buscar, afirma dom Pedro Casaldáliga

Denunciar a iniqüidade do mercado total, do consumismo desenfreado, do lucro excluidor das maiorias. Fazer da Fé  cristã luz e força para combater esse sistema de iniqüidade que mata de fome milhões de pessoas da grande família de Deus deve ser o papel da Igreja”. A afirmação é de dom Pedro Casaldáliga em entrevista ao blogMovimento Contra a Miséria – MCM, 15-06-2011.
Eis a entrevista.
Caro Pedro para começar gostaríamos de lhe perguntar, do seu ponto de vista quais foram os acertos dos governos do PT até aqui, e qual é sua grande dívida com o Povo Brasileiro?
Com todas as ambigüidades e corrupções o PT tem facilitado certa presença e atuação do movimento popular, não o tem satanizado, tem exercido uma política exterior bastante correta e tem estimulado a integração latinoamericana, tem promovido políticas sociais de urgência reduzindo a fome e a marginalização.Daqui, da Amazônia, cobramos sobre tudo do Governo de PT três dívidas urgentes: a causa indígena, a reforma agrária e a substituição dos grandes projetos transnacionais por projetos verdadeiramente populares e sustentáveis ecologicamente. O PT não deveria fazer alianças que exigem claudicações. O PT, como toda pessoa e toda entidade que se considerem de esquerda, deve contestar ativamente o capitalismo neoliberal. O inimigo é o sistema.
A teologia da libertação teve um impacto no nosso país principalmente nas comunidades eclesiais de base, hoje ela encontra-se um pouco distante da juventude, você acredita que ela precisa de uma renovação para se tornar mais acessível aos jovens brasileiros?
A renovação sempre é necessária e a Teologia da Libertação tem-se renovado constantemente, sobre tudo, assumindo mais explicitamente as identidades étnico-culturais e outras causas que num primeiro momento não eram destacadas: partiu-se da libertação socioeconômica e vem-se abrangendo cada vez mais a libertação integral, holística, da luta contra a fome à vivência da mística. Sempre a verdadeira renovação será voltar mais e mais a Jesus de Nazaré, a sua causa, que é o Reino.
Hoje há um debate na igreja brasileira no que diz respeito ao tema da homossexualidade, tem acontecido divisões em relação ao assunto, qual é seu ponto de vista em relação ao tema?
A sexualidade é parte integral da pessoa humana e é, por definição, relação. Se vive dentro de uma cultura, na história das pessoas e dos povos. Como toda vertente humana tem sua dimensão ética. Isso faz com que a sexualidade (heterossexualidade, homossexualidade...) seja debate, polêmica, dependendo dos pontos de vista e das situações histórico-culturais. A homossexualidade tem sido estigmatizada, sobre tudo na Igreja, e facilmente se tem enfrentado como doença e como vício. Exige-se, na Igreja principalmente, uma revisão a fundo da sexualidade e particularmente da homossexualidade, como de uma condição humana que pode e deve responder dignamente á realização da pessoa, com as exigências morais em sociedade e à vivência da fé religiosa.
Os movimentos que visam um Evangelho próspero, financeiramente falando, têm crescido significativamente na América Latina. Como você enxerga este acontecimento?
É só abrir o Evangelho de Jesus de Nazaré e escutar seu coração e sua palavra. Tudo o que seja dinheiro é suspeito. “Não podeis servir a dois senhores” A evangelização não deve procurar a prosperidade financeira da Igreja mas a partilha fraterna de todas as filhas e filhos de Deus. Não se deve optar pelo lucro, mas pelos pobres. Não é com a riqueza que a Igreja vai dar testemunho de Jesus. O Evangelho pede sobriedade, despojamento, a favor dessa Humanidade jogada à beira da estrada da exclusão. A Eucaristia é a mesa da partilha fraterna e sororal.
Qual deve ser a posição da Igreja latino americana na sociedade atual diante globalização, de um neoliberalismo que traz um discurso que materializou a felicidade e que a cada dia deixa mais ao margem os pobres?
A posição da nossa Igreja só pode ser de profecia que contesta o materialismo neoliberal e anuncia uma sociedade alternativa, esse Outro Mundo Possível que está sendo consigna de tantas pessoas e entidades em toda a Terra. Denunciar a iniqüidade do mercado total, do consumismo desenfreado, do lucro excluidor das maiorias. Fazer da Fé cristã luz e força para combater esse sistema de iniqüidade que mata de fome milhões de pessoas da grande família de Deus.
Como você imagina a construção de uma nova alternativa em relação ao sistema que vivemos hoje?
A construção de uma nova sociedade, alternativa à que é imposta hoje ao mundo, é um processo complexo, uma caminhada histórica, não tem uma cartilha pronta em detalhes dentro da plural humanidade. De todo jeito eu só posso imaginar esse processo como socializador: socializar a terra de lavoura e de moradia, socializar a saúde, a educação, a comunicação, as oportunidades para viver ‘o bem viver’ que proclamam os nossos povos primigênios.
Você acredita que projetos como Belo Monte realmente visam trazer melhorias para o nosso povo ou há outros interesses por trás?
Os projetos como Belo Monte, os chamados ‘grandes projetos’, são projetos do capitalismo neoliberal, do agronegócio depredador, de um progresso que ignora a dignidade e os direitos essenciais das pessoas e dos povos. O único verdadeiramente ‘grande projeto’ é viver em harmonia com a natureza e a serviço da vida digna de todas as pessoas e de todos os povos.
Tenho a impressão que no nosso país as pessoas que lutam por justiça ainda são “crucificadas”, como no caso de Maria e José no Pará, ou Dorothy Stang há alguns anos, são casos de pessoas que avisaram o perigo que corriam, mas novamente nada foi feito ao respeito. A quais meios o povo pode recorrer ou está só nesta luta?
Sempre foi e sempre será um risco a entrega total da própria vida às grandes causas da justiça, da fraternidade, da paz. Nos, os cristãos, sabemos por que Jesus acabou crucificado. Ser profeta é facilmente ser mártir. Aqui, na Prelazia de São Félix do Araguaia, estamos celebrando nos dias 16 e 17 de julho a Romaria dos Mártires de Caminhada; milhares de irmãos e irmãs que foram dando a vida pelas causas do Reino de Deus; que continuam dando a vida, como Dorothy Stang, como o casalJosé Cláudio e Maria do Espírito Santo. Felizmente o próprio povo têm o seus profetas e, no meio desse sistema de morte que domina no mundo, há muita indignação, muita vitalidade alternativa, muita solidariedade; o bem está vencendo o mal; a vida e o amor, dons do Deus do Amor e da Vida, têm a palavra. Porque Deus é Amor, nós somos esperança. A Humanidade não está só, Deus é Deus conosco; sobre tudo com os pobres e com os lutadores. Essa fé, que é esperança, deve ser prática, luta, dia a dia; e deve-se traduzir em outro ‘poder’, ‘outra política’ verdadeiramente popular, sem corrupção, sem disparidades escandalosas, sem impunidade assassina.
Caro Pedro gostaríamos de te agradecer a oportunidade de poder entrevista-lo, pois sabemos da luta contra o Parkinson que você enfrenta, e dizer-lhe que foi um prazer ter a oportunidade e que através desta entrevista mais jovens saibam sobre a pessoa humana que você tem sido em relação a defesa do pobre e luta contra a injustiça. Para finalizar poderia nos deixar algumas palavras?
Palavras que deixo para vocês e que primeiro devo-me dizer a mim mesmo:  A paixão por Jesus Cristo e por sua causa, o Reino. A construção diária de uma convivência verdadeiramente humana, na família, na sociedade, com a natureza, com toda a família de Deus. O compromisso diário com as lutas do povo e na caminhada de uma Igreja sempre mais evangélica, samaritana, ecumênica, que responda ao sonho de Jesus.

Confissões do Latifúndio


Por onde passei,
plantei
a cerca farpada,

plantei a 
queimada.

Por onde passei,
plantei
a morte matada.

Por onde passei,
matei
a tribo calada,
a roça suada,
a terra esperada...

Por onde passei,
tendo tudo em lei,
eu plantei o nada.

Pedro Casaldáliga

Pedro Casaldáliga ainda enfrenta "lobos" e fala de esperança





Dia 16 de Fevereiro de 2018 completou 90 anos

Bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT) resiste a ameaças, critica o sistema político, o agronegócio, os impérios. E se apresenta como soldado de uma causa invencível

Por Sônia Oddi e Celso Maldos,

São Félix do Araguaia, nordeste mato-grossense, 10 de maio de 2014. Numa pequena capela, no fundo do quintal, uma oração inaugura o dia na casa do bispo emérito de São Félix, dom Pedro Casaldáliga. A simplicidade da arquitetura ganha força com o significado dos objetos ali dispostos.
No altar, uma toalha com grafismos indígenas. Na parede, um relevo do mapa da África Crucificada, um Cristo rústico no crucifixo, uma cerâmica de mãe que protege seu filho com um braço e carrega um pote no outro. No chão de cimento, bancos feitos de toras de madeira, que lembram aqueles de buriti, usados pelos Xavante, em uma competição tradicional, em que duas equipes se enfrentam numa corrida de revezamento, carregando as toras nos ombros, demonstração de resistência e força, qualidades de um povo conhecido por suas habilidades guerreiras. Cercada de plantas, a luz entra por todas as faces das tímidas e incompletas paredes. Nesse ambiente orgânico, assim como tem sido a vida de Pedro, os amigos se aninham para tomar parte da oração.
José Maria Concepción, companheiro de Pedro de longa data, e recém-chegado da Espanha, inicia a leitura: “1795: José Leonardo Chirino, mestiço, lidera a insurreição de Coro, Venezuela, com índios e negros lutando pela liberdade dos escravos e a eliminação de impostos. 1985: Irne García e Gustavo Chamorro, mártires da justiça. Guanabanal, Colômbia.
1986: Josimo Morais Tavares, padre, assassinado pelo latifúndio. Imperatriz, Maranhão, Brasil”
Os martírios lembrados referem-se àquela data, 10 de maio. Inúmeros outros, centenas deles, são e serão lembrados ao longo de todo o ano, de acordo com a Agenda Latino-Americana. E continua: “2013: Ríos Montt, ex-ditador guatemalteco, condenado a 80 anos de prisão por genocídio e crimes contra a humanidade. A Comissão da Verdade calcula que ele cometeu 800 assassinatos por mês, nos 17 meses em que governou, depois de um golpe de Estado.”
O jovem padre Felipe Cruz, agostiniano, de origem pernambucana, conduz um canto, a reza do pai-nosso e a leitura de uma passagem da edição pastoral da Bíblia. O encerramento se dá com a Oração da Irmandade dos Mártires da Caminhada Latino-Americana, escrita por dom Pedro, onde na última linha pode-se ler “Amém, Axé, Awere, Aleluia!”, em respeito à diversidade de crenças do povo brasileiro.
Em nome desse respeito, dom Pedro nunca celebrou uma missa na Terra Indígena Marãiwatsédé, dos Xavante, comunidade que desde sempre contou com o seu apoio na luta pela retomada da terra, de onde haviam sido deportados em 1968 e para onde começaram a retornar em 2004. “Se o bispo está aqui celebrando a missa, significa que nós estamos em pleno direito aqui. E, por orientação do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e da igreja da Prelazia, ele, pessoalmente, não fez nenhuma celebração na reserva”, testemunha José Maria.
Por apoiar a luta quase cinquentenária dos povos originários daquela região de Mato Grosso, Pedro foi ameaçado de morte algumas vezes. Na última, no final de 2012, quando o processo de desintrusão (medida legal para efetivar a posse) dos fazendeiros e posseiros da TI (terra indígena) Marãiwatsédé avançava e se efetivava, decorrente da determinação da Justiça e do governo federal, ele teve de se ausentar de São Félix.
Perseguições, ameaças de morte e processos de expulsão do país têm marcado a trajetória de Pedro, que chegou à longínqua região do Araguaia, como missionário claretiano, em 1968, aos 40 anos. De origem catalã, ele nasceu em 1928 – e aos 8 anos teve sua primeira experiência com o martírio, quando um irmão de sua mãe, padre, foi assassinado quando a Espanha estava mergulhada em uma sangrenta guerra civil.
A Prelazia de São Félix, uma divisão geográfica da Igreja Católica, foi criada em 1969 e abrange 15 municípios: Santa Cruz do Xingu, São José do Xingu, Vila Rica, Santa Terezinha, Luciara, Novo Santo Antônio, Bom Jesus do Araguaia, Confresa, Porto Alegre do Norte, Canabrava do Norte, Serra Nova Dourada, Alto Boa Vista, Ribeirão Cascalheira, Querência e São Félix do Araguaia. Atualmente, conta com uma população estimada em 135 mil habitantes, uma área aproximada de 102 mil quilômetros quadrados e 22 chamadas paróquias.
Pedro, em meio às distâncias, encontrou um povo carente, sofrido, abandonado, à mercê das ameaças dos grandes proprietários criadores de gado. Os pobres do Evangelho, a quem havia escolhido dedicar a sua vida, estavam ali.
Em 1971, pelas mãos de dom Tomás Balduíno (que morreu em maio último, aos 91 anos) foi sagrado bispo da prelazia. A partir de 2005, quando renunciou, recebeu o título de bispo emérito.
Um dos fundadores da Teologia da Libertação, o seu engajamento nas lutas dos ribeirinhos, indígenas e camponeses incomodou os latifundiários e a ditadura. Ainda hoje, incomoda os homens ricos e poderosos do Centro-Oeste brasileiro.
A política dos incentivos fiscais, levada a cabo pelos militares, por meio da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), foi o berço do agronegócio. E também dos conflitos advindos da expropriação da terra das populações originárias, da exploração da mão de obra, do trabalho escravo e toda sorte de violências, que indignou o missionário Pedro e o fez escolher do lado de quem estaria.
“O direito dos povos indígenas são interesses que contestam a política oficial”, diz dom Pedro. “São culturas contrárias ao capitalismo neoliberal e às exigências das empresas de mineração, das madeireiras. Os povos indígenas reivindicam uma atuação respeitosa e ecológica.”
Em plena ditadura, nos anos 1970, fundou, junto com dom Tomás Balduíno, o Cimi e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), como resposta à grave situação dos trabalhadores rurais, indígenas, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia. Ainda nesse período, em 1976, presenciou o assassinato do padre João Bosco Burnier, baleado na nuca quando ambos defendiam duas mulheres que eram torturadas em uma delegacia de Ribeirão Cascalheira (MT).
Pedro faz seções de fisioterapia algumas vezes na semana. Aos 86 anos, e com o Parkinson diagnosticado há cerca de 30, esse cuidado se faz necessário para minimizar os avanços do mal que provoca atrofia muscular e tremores. Ele segue disciplinadamente uma dieta alimentar, o que de certa maneira retardou, mas não cessou, segundo seu médico, o avanço da doença.
A disciplina se repete na leitura diária de e-mails, notícias, artigos, acompanhado mais frequentemente por frei Paulo, agostiniano, que assim como dom Pedro tem sempre as portas abertas para moradores da comunidade e viajantes. Durante a visita da Revista do Brasil, por exemplo, há uma pausa para acolher Raimundo, homem alto, pardo, magro que, aflito, emocionado, de joelhos, pedia a sua bênção.
A casa é simples, de tijolos aparentes, sem acabamento nas paredes. Porém, tal como a capela no fundo do quintal, é plena de significados e ícones que atestam o compromisso com as causas humanas, de quem vive sob aquele teto.

Che, Jesus, Milton

No quarto, na salinha, na cozinha, no alpendre dos fundos, no escritório, um devaneio para os olhos e para o coração. Imagens de significados diversos: Che Guevara, Jesus Cristo, Milton Nascimento, padre João Bosco Burnier, dom Hélder Câmara, monsenhor Romero, Pablo Neruda. Textos de Martín Fierro, São Francisco de Assis, Joan Maragall, Exodus. Pôsteres da Missa dos Quilombos, da Romaria dos Mártires da Caminhada, da Semana da Terra Padre Josimo. Calendários da Guerra de Canudos, de operários no 1º de Maio. E ainda fotos, pequenas lembranças e artefatos populares, em meio a estatuetas de prêmios recebidos.
O seu compromisso com as causas populares extrapola as fronteiras do país. Em 1994, dom Pedro apoiou a revolta de Chiapas, no México, afirmando que quando o povo pega em armas deve ser respeitado e compreendido. Em 1999, publicou a Declaração de Amor à Revolução Total de Cuba. Fala com convicção da importância da unidade latino-americana, idealizada por Simon Bolívar (1783-1830) e defendida pelo ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez (1954-2013).
“Eu dizia que o Brasil era pouco latino-americano, a língua comum dos povos castelhanos fez com que o Brasil se sentisse um pouco à parte do resto”, diz dom Pedro. “Por outro lado, o Brasil tem umas condições de hegemonia que provocava nos outros povos uma atitude de desconfiança. Hugo Chávez fez uma proposta otimista, militante, apelando para o espírito de Bolívar, com isso se conseguiu vitórias interessantes, como impedir a vitória da Alca.”
Ele recorda de um encontro com o ex-presidente brasileiro. “Quando Lula esteve na assembleia da CNBB, estávamos nos despedindo, ele se aproximou de mim e me deu um abraço. E eu falei, vou te pedir três coisas. Primeiro, que não nos deixe cair na Alca, segunda, que não nos deixe cair na Alca, terceira, que não nos deixe cair na Alca. Só te peço isso”, conta, em referência a Área de Livre Comércio das Américas, ícone do neoliberalismo.
“E realmente não entramos na Alca. Porque a América Latina tem de se salvar continentalmente, temos histórias comuns, os mesmos povos, as mesmas lutas, os mesmos carrascos. Os mesmos impérios sujeitando-nos, uma tradição de oligarquias vendidas. Tem sido sempre assim. Começavam com o império, o que submetia as oligarquias locais. Os exércitos e as forças de segurança garantiam uma segurança interesseira. Melhorou, inclusive os Estados Unidos não têm hoje o poder que tinham com respeito ao controle da América Latina. Somos menos americanos, para ser mais americanos.”

Esperança e diálogo

É preciso de todo jeito salvar a esperança, defende dom Pedro. “Insistir nas lutas locais, frente à globalização. Se somar as reivindicações, sentir como próprios, as lutas que estão acontecendo nos vários países da América Latina. El Salvador, Uruguai, Bolívia, Equador… Claramente são países muito próximos nas lutas sociais.”
Há tempos dom Pedro Casaldáliga não concede entrevistas pela dificuldade que tem encontrado em conciliar a agilidade do raciocínio com o tempo possível da articulação das palavras. A ajuda de José Maria, seu amigo e conterrâneo, foi fundamental para a compreensão das pausadas e esforçadas falas, enquanto discorria sobre assuntos por ele escolhidos.
Otimista com a atuação do papa Francisco, ressalta que “ele fez gestos emblemáticos, muito significativos”. “A Teologia da Libertação se sentiu respaldada por ele. Tem valorizado as Comunidades Eclesiais de Base, com o objetivo de uma Igreja pobre para os pobres. Estimulou o diálogo com outras igrejas… Chama a atenção nele o diálogo com o mundo muçulmano e com o mundo judeu, e agora essa visita a Israel… Muito significativa. Desmantelou todo o aparato eclesiástico, seus colaboradores tiveram de se adaptar.”
Ele reconhece as limitações que o sistema político impõe à atuação do governo, que segundo dom Pedro tem “um pecado original”: as alianças. “Quando há alianças, há concessões e claudicações. Enquanto esses governos todos se submeterem ao capitalismo neoliberal teremos essas falhas graves. A política será sempre uma política condicionada. Tanto o Lula como a Dilma gostariam de governar a serviço do povo mesmo, mas as alianças fizeram com que os governos populares estivessem sempre condicionados”. Para ele, deve haver uma “atitude firme, quase revolucionária”, em relação a temas como saúde, educação e comunicação.
Morto em março do ano passado, o ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez é lembrado com determinação pelo religioso. “Ele tentou romper, rompeu o esquema. Por isso, a direita faz questão de queimar, queimar mesmo, a Venezuela. Nos diários e noticiários, a cada dia tem de aparecer alguma coisa negativa da Venezuela”.

Direitos indígenas x ruralistas

Ele aponta a “atualidade” da causa indígena, e as ameaças que não cessam. “Nunca como agora, se tem atacado tanto. Tem várias propostas para transformar a política que seria oficial, pela Constituição de 1988, que reconhece o direito dos povos indígenas de um modo muito explícito. Começam a surgir propostas para que seja o Congresso quem defina as demarcações das terras indígenas, sendo assim já sabemos como será a definição. A bancada ruralista é muito grande…”, observa dom Pedro.
Por outro lado, prossegue, nunca os povos indígenas se organizaram como agora. E o país criou uma “espécie de consciência” em relação a essa causa. “Se querem impedir que haja uma estrutura oficial com respeito à política indígena, tentam suprimir organismos que estão a serviço dessas causas. Isso afeta os povos indígenas e o mundo rural . Tudo isso é afetado pelo agronegócio, o agronegócio é o que manda. E manda globalmente. Não é só um problema do Mato Grosso, é um problema do país e do mundo todo. As multinacionais condicionam e impõem.
“A retomada da TI Marãiwatsédé é bonita e emblemática. Os Xavante foram constantes em defender os seus direitos. Quando foram expulsos, deportados – esta é a palavra, eles foram deportados –, seguiram vinculados a esse terreno, vinham todos os anos recolher pati, uma palmeira para fazer os enfeites. E reivindicavam sempre a terra onde estão enterrados nossos velhos. E foram sempre presentes”, testemunha. “Aqui, nós sempre recordamos que essa terra é dos Xavante, que esta terra é dos Xavante. Os moradores jovens, meninos, outro dia diziam – nossos vovôs contam que essa terra é dos índios, nossos papais contam que essa terra é dos índios.”
A essa altura, dom Pedro lembra de “momentos difíceis” em que o Cimi se vê obrigado a contestar certas ações do governo. “Quando se diz que não há vontade política pelas causas indígenas, eu digo que há uma vontade contrária ao direito dos povos indígenas, isso é sistemático. A Dilma, eu não sei se se sentisse um pouco mais livre, respaldaria as causas indígenas. Alguns pensam que ela pessoalmente não sintoniza com a causa indígena. Tem sido criticada porque nunca recebeu os índios. Faz pouco foi o primeiro encontro com um grupo. Todos esses projetos de Belo Monte, as hidrelétricas. Se ela tem uma política desenvolvimentista, ela tem de desrespeitar o que a causa indígena exige: em primeiro lugar seria terra, território, demarcação, desintrusar os invasores. Seria também estimular as culturas indígenas e quilombolas”, diz, sem meio-termo. “Se você está a favor dos índios, você está contra o sistema. Não adianta colocar panos quentes aí.”
Dom Pedro defende a presença de sindicatos, mas critica o movimento. “Eles são a voz dessas reivindicações todas dos povos indígenas, do mundo operário. Na América Latina, estiveram muito bem os sindicatos, ultimamente vêm falhando bastante. Foram cooptados. Quando se vê um líder sindicalista transformado em deputado, senador, ele se despede”, afirma, vendo a Via Campesina como uma alternativa, por meio de alianças de grupos populares em vários países.
“Daí voltamos à memória de Hugo Chávez, que estimulou essa participação”, observa. “De ordinário acontece que antes as únicas vozes que os operários tinham eram o sindicato e o partido. Nos últimos anos, tanto o partido como o sindicato perderam representatividade. Em parte foram substituídos por associações, alguns movimentos. Mas continuam sendo válidos. Os sindicatos e partidos são instrumentos conaturais a essas causas do povo operário, camponês.”
Para fazer campanha eleitoral, todo candidato operário a deputado, senador, tem de “claudicar” em algum aspecto, acredita dom Pedro. “Por isso, é melhor que não se candidate. Por outra parte, não se pode negar completamente a função dos partidos e dos sindicatos. Não é realista, ainda continuam sendo espaços que se deve preencher.”
Lúcido, Pedro conclui a conversa lembrando a frase de um soldado que lutava contra a ditadura franquista na Guerra Civil Espanhola: “Somos soldados derrotados de uma causa invencível”.

Descalço sobre a terra vermelha

A minissérie em dois capítulos de uma hora Descalço sobre a Terra Vermelha, baseada em livro homônimo do jornalista catalão Francesc (Paco) Escribano, é uma produção da TVE (Educativa da Espanha), da TV3 da Catalunha, da produtora Minoria Absoluta, da TV Brasil e da produtora paulista Raiz Produções Cinematográficas. Descalço sobre a Terra Vermelha estreou na TV3 em março e está programada para ser exibida na TV Brasil no segundo semestre.
Trata da vida de dom Pedro Casaldáliga, desde sua chegada ao Brasil até sua visita ad Limina ao Vaticano, quando se apresentou ao Papa João Paulo II e ao conservador cardeal Joseph Ratzinger, então à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, herdeira da Santa Inquisição, onde deveria explicar sua ação teológica a favor dos pobres e dos oprimidos.
O filme, uma belíssima e apurada produção, contou com a participação de mais de mil figurantes de povoados e das cidades de Luciara e São Félix do Araguaia, locais onde foram construídas verdadeiras cidades cenográficas, representando como eram esses lugares nos idos dos anos 1970.
Dirigido por Oriol Ferrer, tendo Eduard Fernández, premiado ator catalão, no papel de Casaldáliga, contou com um elenco de ótimos atores espanhóis e brasileiros.
Rodado como uma espécie de western teológico, retrata com grande força e sensibilidade a violência e tensão existentes, ainda hoje, nos conflitos entre latifundiários, invasores de terras indígenas, posseiros e a ação pastoral da Prelazia de São Félix que, tendo dom Pedro à frente, desde sempre esteve ao lado dos despossuídos.
De acordo com a descrição que aparece no site da Minorita Absoluta, a série combina ação e misticismo “no cenário exuberante de Mato Grosso, em contraste com a paisagem humana e social chocante”. A história de Pedro Casaldáliga se desenvolve “em torno de valores universais”, no contexto da teoria filosófica e teológica da libertação e da situação geopolítica dos anos 1970, na ditadura brasileira. O jornalista e produtor executivo Francesc Escribano salienta que a produção se tornou “seu coração” para contar “uma história notável de um catalão universal”.
Durante o making of, impressionou como a historia e principalmente o próprio dom Pedro teve impacto na vida de todos os envolvidos na produção. Confirma a impressão que tive desde a primeira vez que viajei com ele, há mais de 30 anos: estar na sua presença é sentir-se na presença de um espirito muito elevado; sem exagero, um verdadeiro santo do povo.

Ir. Pedro Casaldáliga respondendo a perguntas em 1988

Jesus nos ensinou que 
o PAI, não é meu,

é NOSSO!

E que o Pão não é meu,

é NOSSO!




Pedro Casaldáliga, um santo que vive entre nós


"Mi vida son mis causas 
y mis causas valen más que mi vida"



O contrário da fé é o medo.

Não se pode ter medo de ter medo do medo.

Eu tenho a poesia, a poesia me salva do medo e da dúvida.

Não posso resolver todas as dúvidas, por isso rezo, falo com Deus.





  



  


Bispo de São Felix do Araguaia




 Pedro não queria ser bispo. Foi difícil convencê-lo 
e quando aceitou fez exigências 
 que queria tudo o mais simples possível

Foi sagrado Bispo de S. Feliz do Araguaia: 
ao invés de mitra, preferiu o chapéu de palha, 
ao invés de báculo lançou mão de um remo indígena.
Mais simples e identificado com seu povo, impossível. 

                                                  

Não ter nada, não levar nada,
Não poder nada, não pedir nada
E em contrapartida, não matar nada.
 Não Calar nunca.

                                           




                        

                        









EU, ARAGUAIA E TU

Eu, Araguaia e tu, um tempo só.
Abraamicamente numerosas,
nos garantem o sonho proibido
as estrelas, lá fora canceladas.

O ipê batiza ainda com ouros gratuitos
o Silêncio, o que nós, ó Araguaia,
conseguimos salvar dos invasores.

Sempre ainda encontramos — eu e tu —
a pergunta inquietante de uma garça, na beira,
provocando respostas, acordando o Mistério.

Tu estavas, no princípio,
de acordo com a Lua, sacerdotisa virgem,
alfombrando as cadências do Aruanã sagrado.

Os potes Karajá recolhiam teus olhos
e os peixes costuravam de prata teu banzeiro.

Ainda o Padim Ciço não mostrara
tua bandeira Verde aos retirantes.

Não havia Funai, Sudam, nem Incra.

Eram
Deus
e as Aldeias.


Poema extraído da obra CHUVA DE POESIAS, CORES E NOTAS NO BRASIL CENTRAL, 2 ed., de Sônia Ferreira. Goiânia:Editora da UCG; Editora Kelps, 2007, com a autorização da autora.















São Pedro Casaldáliga rogai por nós !





 

São Pedro Casaldáliga, (vídeo) Descalço sobre a terra roxa


O link abaixo é de uma série da TV espanhola de nome " Descalço sobre a terra Roxa" . Conta parte da vida do Bispo Pedro Casaldáliga, nascido na Catalunia, mas que tomou o Brasil, ou a região de São Felix do Araguaia, em Goiás como sua terra natal. O filme é uma importante parte da história recente do Brasil em seus anos mais duros e vergonhosos, a ditadura militar.
Ao assistir a esse filme tem-se a nítida certeza de que estamos assistindo a um filme da vida de um santo de nosso tempo.
 É um filme longo, em duas partes. Um filme realista e por vezes bastante forte. Na minha opinião um filme   que não pode ser deixado á margem da vida de quem se diz cristão.


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7 de agosto de 2020

Perplexidade

Nos muitos anos que já vivi, acho que é a primeira vez que me sinto assim, como se a estrada à minha frente estivesse encoberta por um forte nevoeiro, tão forte que não consigo ver nada adiante. É uma sensação muito estranha. Sempre gostei de uma frase que afirma que quando acho que tenho todas as respostas, a vida me mostra uma infinidade de novas perguntas. Mas agora não é isso, a sensação é de estar diante de um paredão, onde não consigo ver o horizonte, é como se o projeto humano estivesse por um fio muito tênue, prestes a se romper...

Não pensem que seja depressão, ou pessimismo, o termo que melhor definiria seria perplexidade.

A mentira passou a ser a forma mais utilizada para enganar as pessoas, todas as pessoas. Já não é possível confiar na notícia que um amigo envia, ou que se vê numa rede social. A todo momento temos que desconfiar, de tudo e de todos. Os valores éticos parecem se desfazer em meio a um mar de corrupção, onde justiça se confunde com levar vantagens. É desesperador perceber que uma quantidade enorme de réus em que se tem menos dúvidas sobre a sua idoneidade do que as que pairam sobre os seus acusadores, e muito pior, não há garantia de isenção daqueles que deveriam estar isentos para julgar...

Esse estado de coisas parece estar corrompendo uma imensa parcela da população. Haja perplexidade quando leio que na instituição igreja católica, eminências pardas que possibilitam lavagem de dinheiro e investimentos em armas de morte, se colocam de forma covarde contra um papa que veio restaurar os ensinamentos do mestre Jesus... Quando vejo pastores distorcendo a Bíblia em busca do próprio enriquecimento, e gente de todos os tipos de manifestação religiosa e espiritual mais preocupadas com o aspecto material, ou em fazer conchavos com quem está e detém o poder, eu sinto uma estranha sensação de não saber onde estou e para onde quero ir.

Como posso entender que traficantes e milicianos se apresentem para perseguir as religiões de matriz africana, causando dor e destruição em nome de Jesus? E o que dizer do racismo, da misoginia e da homofobia oficializadas neste Brasil de tantos horrores. O que pensar de quase 100 MIL mortes vistas como algo natural e desdenhadas pelos órgãos oficiais. Diante disso eu sinto uma sensação de perplexidade diante de um país que virou isto que estamos vendo.

Só o que me resta são dúvidas, muitas dúvidas, e no meio delas uma única certeza de que o que quer que eu ainda acredite, está dentro de mim, bem lá no fundo do meu coração. E é para essa certeza que não ouso nomear, é para essa realidade que me aquece e ainda ilumina os meus pensamentos, a minha consciência e alguma frágil esperança que eu rezo todos os dias..

.Eu deveria saber há mais tempo, afinal Ele disse:

"O reino de Deus está no meio de vós"


 

Filme "O Anel de Tucum"


OAnel de Tucum
Irmão Pedro Casaldáliga um profeta entre nós
 Filme liberado pela Vebo Filmes
neste momento em que rezamos pelo irmão Pedro