O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

29 de julho de 2015

Terço da Alegria Missionária

Eu já vi terço da misericórdia, da libertação, das dores, mas posso estar enganado mas nunca vi um terço da alegria. Porque não rezar então pedindo Justiça, Paz e felicidade ?
rezemos então:
Terço da Alegria Missionária
Iniciar rezando um Pai nosso, uma Ave Maria e o Credo.
Nas contas grandes (do Pai Nosso) reza-se:
Pai amoroso, eu te agradeço pela encarnação e ressurreição de vosso Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, e peço a transformação de minha vida e a restauração da Justiça e da Paz no mundo inteiro.
Nas contas pequenas (da Ave Maria) reza-se:
Pela sua gloriosa Ressurreição, faz-nos Senhor construtores e anunciadores do teu reino de Justiça, Paz e Felicidade.
No final do terço repetir três vezes:
Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal, transforma a minha vida e torna-me construtor e anunciador do teu reino de Justiça, Paz e felicidade.

28 de julho de 2015

Tologia da libertação e Oração


Coletânea  de textos sobre  A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E A ORAÇÃO"

É a oração que assegura a unidade, em relação dialética, entre a fé e o amor. Pela oração, imprimimos caráter evangélico à nossa ação e dilatamos a nossa fé. A oração quebra as nossas resistências ao amor e impele-nos a manifestar esse Amor pelo nosso amor. Ela aguça a nossa sensibilidade evangélica, de modo a tornar a vida de Cristo presente em nossa vida. A oração é o espaço por excelência onde, no Espírito que a anima, atingimos a plenitude de nossa liberdade frente às pessoas, às coisas e ao mundo. Por isso, ela é para o cristão tão importante quanto o alimento para a pessoa poder pensar e agir".
Frei Betto, Oração na Ação.




A fé, nutrida da oração, propicia-nos uma ruptura constante com os elementos nocivos que a ideologia dominante introjeta em nossa vida. Arranca-nos do pecado, da atitude de fechamento, para ampliar em nós o espaço da ação transformadora da graça. Faz-nos efetuar uma nova leitura do processo histórico, através do qual percebemos seu sentido último e absoluto, sem os riscos de absolutizarmos os dados de uma leitura parcial, imediata,racionalista e científica".
Frei Betto, Oração na Ação.

"A ação não é oração, a luta não é oração, a oração é oração! A luta pelo Reino, a ação evangelicamente honesta, será vivência da fé e da caridade pastoral-política, mas não é oração - como a doença não se identifica necessariamente com a pobreza, porque há ricos doentes...Trata-se, então, de viver a oração, de testemunhá-la, de ensiná-la. Exercer sempre em nossa família e em nossa comunidade - no meio do triste e querido mundo humano, mais ou menos distanciado de Deus - a pastoral da oração. Todo agente de pastoral deve ser um agente de oração".
Dom Pedro Casaldáliga,Nossa Espiritualidade.

"Nunca podemos prescindir da oração pessoal, do tu a tu com Deus, da fala da criatura consciente ao Criador pessoal, do filho/filha à Mãe-Pai. A oração pessoal diária deve ser o outro pão nosso de cada dia. Aqui não cabe claudicação nem subterfúgio".
Dom Pedro Casaldáliga, Nossa Espiritualidade.














"A oração, uma atitude fundamental na vida de Jesus, deve ser a atitude fundamental em nossa vida. Se a fé é relação pessoal com Deus, deverá ser logicamente comunicação com Ele: oração. Nosso Deus é Deus-conosco, nós devemos ser com-Ele. Uma fé que não ora é uma fé morta, um amor cortado".
Dom Pedro Casaldáliga, Nossa Espiritualidade.

"Se, como dizia Arturo Paoli em um retiro, orar é frequentar o Senhor Jesus,eu acho que em todos estes sofrimentos, preocupações, angústias, nesta lutae inclusive nestas contradições, frequento insistentemente o Senhor Jesus.Apelando a ele, vivendo sua Páscoa, sentindo sua cruz, reclamando a força de sua Ressurreição. Buscando sua Palavra e seus gestos como chaves de interpretação. Cantando também. Uma grande oração minha é o canto; o canto com o povo ou sozinho, em diversos momentos, inclusive nas longas viagens deônibus, contemplo e canto. As vezes alguém pensará que sou doido, embora não cante a pleno pulmão, é claro, mas com voz discreta. Fiz-me algo teilhardiano e comungo com a natureza e com a presença universal de Deus em tudo e em todos os seres. Diante da festa belíssima e ultrajada natureza,sinto a unidade e a presença de Deus. Antes eu achava que a contemplação nãoera para mim, mas agora eu estou cada vez mais dentro".
Dom Pedro Casaldáliga, Na Procura do Reino.

"A oração é uma expressão de fé, de confiança no Senhor, ato original e específico do crente. Ela se move no âmbito do amor, amor que sabemos estar marcado, na sua própria raiz, pela gratuidade. Com efeito, trata-se de um diálogo amoroso, segundo uma acepção de Teresa de Ávila. Algo que brota como resposta humilde e confiante ao dom gratuito do Pai e como desejo decompartilha-lo, generosamente, com os irmãos. Como todo diálogo de amor,corre este perigo de ser interpretado, por um terceiro, como um ato inútil quando, na realidade. é vivido como uma experiência de gratuidade. Segue dali o silêncio próprio da oração, como em todo encontro amoroso. E a experiência humana nos dá testemunha disto: chega-se a um momento em que as palavras não dizem mais nada".
Gustavo Gutierrez, Beber do Próprio Poço.






"Deve haver um lugar explícito para a oração, aquela atitude da alma que se abre diretamente a Deus. Uma coisa é pensar sobre Deus, falar dEle e de Seu desígnio. Isso o fazem continuamente a teologia ou o discurso religioso.Outra muito diferente é falar a Deus, abrir-se a Ele, chorar diante dEle pela demasiada escuridão da história, encher-se de interrogações - até quando, Senhor, por quê, meu Deus? - sobre tantos dramas das pessoas e dos povos que nos jogam na abissalidade de um propósito divino que nos escapa ouque não sabemos conjugá-lo com a bondade divina, alegrar-se, cantar e porque não? - dançar diante dEle até as lágrimas pela superabundância de sentido, de luz e de satisfação em viver, saborear o amor, em sentir-se plenificado. Isso é viver uma experiência mística e deixar-se tomar pelo mistério".
Leonardo Boff, Ecologia, Mundialização, Espiritualidade.

"A oração da ave-maria, tão profundamente assimilada, juntamente com o pai-nosso, à piedade diária dos cristãos desde os primeiros balbucios das crianças, encerra todas as riquezas do mistério de Deus em Maria. É qual mina de ouro; quanto mais se cava mais pepitas vêm à tona. Na breve oração da ave-maria se cristalizou a memória coletiva dos cristãos. Com sua recitação trazemos à tona da consciência, do louvor e da petição aquilo que se passa no nível do mistério"
Leonardo Boff, A Ave-Maria - O Feminino e oEspírito Santo




"A oração traduz a suprema expressão da fé viva. Pela oração, a pessoa deixa, como atrás de si, o universo de todas as coisas e busca uma relação com o Supremo. Eis a manifestação da verdadeira transcendência humana. Só o ser humano pode colocar-se numa posição 'estática', vale dizer, contemplar cara a cara a Deus, gritar-lhe 'meu Pai!' e assim ultrapassar todos os limites impostos pela criação e pela história. Nesta atitude se encontra sua suprema dignidade. Orar é um ato de coragem; supõe grandeza e dilatação doespírito e do coração para além dos tempos indefinidos e dos espaços abertos do macrocosmo. Tudo isto é demasiadamente pequeno diante de Deus e diante do impluso do coração que não diz 'sum!' (eu sou) mas 'sursum!' (para cima)".
Leonardo Boff, A Ave-Maria - O Feminino e o Espírito Santo

"Toda verdadeira libertação, na perspectiva cristã, arranca de um profundo encontro com Deus que nos lança à ação comprometida". Leonardo Boff, O Pai-Nosso - A Oração da Libertação Integral."A oração, nesse sentido, nos engrandece, porque continuamente nos tira do centro de nós mesmos e nos centra num absoluto fora de nós, acima de nós e dentro de nós, que se apresenta como uma Alteridade absoluta benfazeja, que não podemos domesticar mas que experimentamos, se entrega com gratuidade e sempre está aí, também quando estamos crucificados em nossos problemas. Esta atitude é mais que um ato. Ela cria em nós o ocular mediante o qual conseguimos identificar Deus misturado com todas as coisas".
Leonardo Boff,Ecologia, Mundialização, Espiritualidade.

Será que o Papa mudará o Vaticano? Ou será que o Vaticano mudará o Papa?

Enquanto o Papa Francisco se prepara para visitar os EUA, a sua ênfase em servir aos pobres – em lugar de fazer valer a doutrina – tem inspirado alegria e ansiedade entre os católicos
O texto é do jornalista texano Robert Draper, publicado pela revista National Geographic, agosto de 2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Quando cerca de sete mil estranhos maravilhados o encontram pela primeira vez, ele ainda não é o papa – mas como uma crisálida agitando-se, algo surpreendente já está presente naquele homem. Dentro do estádio Luna Park, no centro de Buenos Aires, católicos e protestantes se reúnem para um evento ecumênico. Do palco, um pastor chama para se juntar aos demais o arcebispo da cidade, para que este lhes dirija algumas palavras. O público reage com surpresa, porque o homem que se encaminha ao palco andando a passos largos estava sentado na parte de trás o tempo todo, por horas, como se fosse uma pessoa qualquer. Não obstante um cardeal, ele não usa a tradicional cruz peitoral ao redor de seu pescoço, apenas uma batina preta e um blazer, parecendo-se com o simples sacerdote que foi décadas atrás. Está magro e já com certa idade avançada, com um semblante sombrio, e, neste momento, nove anos atrás, era difícil imaginar que um cidadão assim, despretensioso, seria um dia reconhecido em todos os cantos do mundo como uma figura brilhante e carismática.
Fala tranquilamente em sua língua nativa, o espanhol. Fala sem tomar notas. O arcebispo não faz menção alguma dos dias em que considerava o movimento evangélico negativamente, como muitos sacerdotes católicos latino-americanos o fazem, ou seja, considerando-o como uma “escuela de samba”. Em vez disso, o mais poderoso argentino na Igreja Católica – que afirma ser ela a única igreja cristã verdadeira – diz que tais distinções não importam para Deus. “Que bom”, diz ele, “que os irmãos estão unidos, que os irmãos orem juntos. Quão bom é ver que ninguém comercializa a sua história no caminho da fé; somos diversos, mas que queremos ser, e já estamos começando a ser, uma diversidade reconciliada”.
Com as mãos estendidas e voz trêmula, ele clama a Deus: “Pai, nós estamos divididos. Uni-nos!”
Aqueles que reconhecem o arcebispo se espantam; a sua expressão implacável lhe havia rendido apelidos como “Mona Lisa” e “Carucha” (por suas bochechas tipo “bulldog”). Mas o que também ficará na lembrança deste dia ocorre quando ele termina de falar. Lentamente, o religioso se coloca de joelhos pedindo para que os participantes rezem por ele. Depois de um estranhamento, os participam assim o fazem, conduzidos por um pastor. A imagem do arcebispo ajoelhado entre homens de menor status, uma postura de súplica ao mesmo tempo simples e impressionante, será o destaque das primeiras páginas dos jornais argentinos.
Entre as publicações que apresentam esta imagem está o Cabildo, jornal considerado a voz representante dos católicos ultraconservadores do país. Junto da história há um título com um substantivo dissonante: “apóstata”. O cardeal como um traidor de sua religião.
Este é Jorge Mario Bergoglio, o futuro Papa Francisco.
“Preciso realmente começar a fazer mudanças agora”, disse Francisco a uma meia dúzia de amigos argentinos numa manhã, dois meses depois que 115 cardeais, reunidos em Conclave, lhe tiraram de uma relativa obscuridade para pô-lo à frente do papado. Para muitos analistas – alguns felizes, outros frustrados –, o novo papa já havia mudado aparentemente tudo, da noite para o dia. Ele era o primeiro papa latino-americano, o primeiro papa jesuíta, o primeiro em mais de mil anos que não havia nascido na Europa, e o primeiro a assumir o nome Francisco, em homenagem a São Francisco de Assis, defensor dos pobres. Logo após a sua eleição, em 13 de março de 2013, o novo líder da Igreja Católica se materializou em uma varanda da Basílica de São Pedro, vestido de branco, sem a capa escarlate tradicional sobre os ombros ou a estola vermelha bordada a ouro ao redor do pescoço. Ele cumprimentou as massas com uma clareza eletrizante: “Fratelli e Sorelle, buona sera / Irmãos e irmãs, boa noite”. E fechou a noite com um pedido, o que muitos argentinos já sabiam ser algo típico dele: “Rezem por mim”. Quando saiu, passou direto pela limusine que o esperava e entrou no ônibus que transportava os cardeais que tinham acabado de fazê-lo o seu superior.
Na manhã seguinte, o papa pagou a conta no hotel onde esteve hospedado. Deixando de lado os apartamentos papais tradicionais no interior do Palácio Apostólico, optou por viver em uma moradia de dois quartos na Casa Santa Marta, residência casa de hóspedes do Vaticano. Em seu primeiro encontro com a imprensa internacional, ele declarou a sua ambição principal: “Como eu gostaria de ter uma Igreja pobre e para os pobres” E, em vez de celebrar a missa vespertina de Quinta-feira Santa (em comemoração à Última Ceia) numa basílica e lavando os pés de sacerdotes, como tradicionalmente se faz, ele a celebrou em uma prisão juvenil, onde lavou os pés de uma dúzia de internos, incluindo mulheres e muçulmanos, sendo a primeira vez que um papa faz tal gesto. Tudo isso aconteceu durante o seu primeiro mês como Bispo de Roma.
Então, os amigos argentinos do novo papa compreenderam o que ele queria dizer com “mudanças”. Embora mesmo o menor dos seus gestos carregasse um peso considerável, o homem que eles conheciam não se contentava em trabalhar apenas com símbolos: ele era um “porteño” prático, pé no chão, homem das ruas. Queria que a Igreja Católica fizesse uma diferença duradoura na vida das pessoas: ser, como frequentemente ele diz, um hospital em campo de batalha, acolhendo todos os que se feriram, independentemente de qual lado lutavam. Na busca deste objetivo, ele poderia ser, de acordo com o Rabino Abraham Skorka, amigo argentino, “uma pessoa muito teimosa”.
Embora para o mundo exterior o Papa Francisco pareça ter caído dos céus como uma chuva de meteoros, em casa ele era uma figura religiosa bem conhecida e, por vezes, controversa. Filho de um contador cuja família havia emigrado da região do Piemonte, noroeste da Itália, Bergoglio se destacou desde o momento em que entrou para o seminário em 1956, aos 20 anos, após ter trabalhado como um técnico de laboratório [de química] e, brevemente, como segurança em um clube noturno. Logo em seguida, escolheu a intelectualmente exigente Companhia de Jesus como o seu caminho para o sacerdócio. Na qualidade de aluno do Colégio Máximo de San José em 1963, ele possuía “tanto um discernimento espiritual elevado como habilidades políticas”, segundo um de seus professores, o Pe. Juan Carlos Scannone, a tal ponto que rapidamente se tornou orientador espiritual para alunos e professores. Ele lecionou para meninos indisciplinados, lavou os pés de prisioneiros, estudou no exterior. Tornou-se reitor do Colégio Máximo, bem como uma figura presente nas favelas de toda a Buenos Aires. E subiu na hierarquia jesuíta, ao mesmo tempo navegando na política turva de uma época que viu a Igreja Católica entrar em relações tensas, primeiramente, com Juan Perón e, mais tarde, com a ditadura militar. Foi posto de lado pelos seus superiores jesuítas, depois resgatado do exílio por um cardeal admirador, sendo criado bispo em 1992, arcebispo em 1998 e cardeal em 2001.
“Ele não tem medo das novidades! Por isso nos surpreende continuamente, abrindo-nos e levando-nos para caminhos inesperados.” (Homilia do Papa Francisco na Missa de encerramento do Sínodo e beatificação de Paulo VI, em 19-10-2014)
Tímido, Bergoglio – alguém que se descreve como um “callejero”, andarilho – preferia a companhia dos pobres à dos ricos. Os seus momentos próprios de prazer eram simples: literatura, futebol, tango e nhoque. Apesar de toda a simplicidade, este porteño era um animal urbano, um observador social perspicaz e, à sua maneira tranquila, um líder natural. Ele também sabia como aproveitar o momento – quer em 2004, atacando a corrupção em um discurso na presença do presidente da Argentina, quer no Luna Park em 2006, caindo de joelhos. Conforme diz o Pe. Carlos Accaputo, assessor próximo desde que começou a trabalhar para Bergoglio em 1992, diz: “Eu acho que Deus o preparou, ao longo de todo o seu ministério pastoral, para este momento”.
Além disso, o seu papado não foi um acaso. Como o autor romano Massimo Franco diria: “Esta sua eleição surgiu a partir de um trauma” – da renúncia repentina (e sem precedentes por quase seis séculos) do então Papa Bento XVI e do sentimento acumulado entre os cardeais mais progressistas de que a mui antiga e eurocêntrica mentalidade da Santa Sé estava apodrecendo a Igreja Católica a partir de dentro.
Sentado na sala de estar de seu apartamento naquela manhã, o papa reconhecia a seus velhos amigos os grandes desafios que o aguardava. Desordem financeira no Instituto para as Obras de Religião (mais conhecido como o Banco do Vaticano). Avareza burocrática que infernizava a administração central, conhecida como a Cúria Romana. Contínuas revelações de padres pedófilos protegidos por autoridades eclesiásticas. Sobre estes e outros assuntos Francisco quis agir com rapidez, sabendo que “iria fazer um monte de inimigos. Ele não é ingênuo, OK?”, como afirmou o amigoNorberto Saracco que estava lá naquela manhã.
Saracco lembra ter manifestado certa preocupação para com a ousadia do papa. “Jorge, sabemos que tu não usas umcolete à prova de balas”, disse ele. “Há muitos malucos aí fora”.
Calmamente Francisco respondeu: “O Senhor me colocou aqui. Ele vai ter que cuidar de mim”. Embora não tenha pedido para ser papa, disse que o momento em que seu nome foi escolhido no Conclave, sentiu uma tremenda sensação de paz. E, apesar das animosidades em que provavelmente iria incorrer, garantia aos seus amigos: “Eu ainda sinto a mesma paz”.
O que o Vaticano sente é outra história
Quando Federico Wals, que passou vários anos trabalhando como assessor de imprensa do Bergoglio, viajou de Buenos Aires a Roma no ano passado para ver o papa, primeiro fez uma visita ao Pe. Federico Lombardi, responsável de longa data pelo departamento de comunicação do Vaticano cujo trabalho essencialmente espelha o que Wals antigamente fazia, ainda que em escala muito maior. “Então, padre”, perguntou o argentino, “como o senhor se sente trabalhando para o meu ex-chefe?” Soltando um sorriso, Lombardi respondeu: “Confuso”.
Lombardi tinha servido como porta-voz de Bento XVI, antes conhecido como Joseph Ratzinger, homem de precisão germânica. Depois de se encontrar com um líder mundial, o Papa Emérito iria surgir e recitar um somatório incisivo, diz Lombardi, com melancolia palpável: “Era incrível. Bento XVI era tão claro. Ele dizia: ‘Falamos sobre estas e estas coisas, eu concordo com esses pontos, eu fui contra esses outros pontos; e o objetivo da nossa próxima reunião será este’ – dois minutos e eu estava totalmente ciente sobre quais eram os conteúdos. Com Francisco – ‘Este é um cara sábio; ele teve tantas experiências interessantes’”.
Com um sorriso tímido, Lombardi acrescenta: “Diplomacia para o Papa Francisco não tem tanto a ver com estratégia, mas sim com: ‘Eu conheci essa pessoa, temos agora uma relação pessoal, vamos agora fazer o bem para a Igreja e para o povo”.
“Pintar o papa como se fosse uma espécie de super-homem, uma espécie de astro, me soa ofensivo. O Papa é um homem que ri, chora, dorme tranquilo e tem amigos como todos.” (Papa Francisco, em entrevista ao Corriere della Sera em 5-03-2014)
O porta-voz do papa fala a respeito do novo ethos no Vaticano, sentado em uma pequena sala de conferências no edifício da Rádio Vaticano, a poucos passos do Rio Tibre. Lombardi usa um traje sacerdotal amarrotado que combina com a sua expressão de perplexidade e cansaço. Ainda ontem, diz ele, o papa teve um encontro com 40 líderes judaicos na Casa Santa Marta – e a Sala de Imprensa do Vaticano soube disso somente após o fato. “Ninguém sabe de tudo o que ele está fazendo”, diz Lombardi. “Nem o seu secretário pessoal sabe. Tenho de ficar perguntando por aí: uma pessoa sabe uma parte da sua pauta, uma outra sabe outra parte...”.
O chefe das comunicações no Vaticano se dá de ombros e diz: “Assim é a vida”.
A vida era completamente diferente com Bento XVI, um estudioso que continuou a escrever livros teológicos durante os seus oito anos como papa, e com João Paulo II, ator de teatro e poliglota cujo papado durou quase 27 anos. Estes dois eram guardiões confiáveis da ortodoxia papal. O espetáculo deste novo papa, com seu relógio de plástico e sapatos ortopédicos volumosos, tomando o seu café da manhã no refeitório do Vaticano, exigiu que alguns precisassem de tempo para se acostumar. E o mesmo para com o seu senso de humor, destacadamente informal. Depois de receber a visita de um velho amigo e colega argentino na Casa Santa Marta, o arcebispo Claudio Maria Celli, Francisco insistiu em acompanhar o seu convidado até o elevador.
“Por que isso?”, perguntou Celli. “Para que tu tenhas certeza que eu fui embora?”
Sem perder o ritmo, o papa respondeu: “E para que eu possa ter certeza de que tu não levaste nada contigo”.
Na tentativa de adivinhar as idas e vindas do papa de 78 anos, o mais próximo que as autoridades vaticanas têm de um intermediário vem sendo o Cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, um diplomata muito respeitado e – o que é mais importante – que conta com a confiança de seu chefe, conforme Wals, “porque ele não é demasiado ambicioso, e o papa sabe disso. Essa é uma qualidade fundamental para o papa”. Ao mesmo tempo, Francisco reduziu drasticamente os poderes do secretário de Estado, particularmente quanto às finanças do Vaticano. “O problema aqui”, diz Lombardi, “é que a estrutura da Cúria não mais está clara. Um processo está em curso, e como ela [a Cúria] será no final ninguém sabe. A Secretaria de Estado não está tão centralizada, e o papa possui muitas relações que são dirigidas por ele sozinho, sem qualquer mediação”.
Valentemente erguendo a cabeça, o porta-voz do Vaticano acrescenta: “Em certo sentido, isso é positivo, pois no passado houve críticas de que algumas pessoas tinham poder demais sobre o papa. Não se pode dizer que este é o caso agora”.
Como muitas instituições, o Vaticano não é receptivo a mudanças e suspeita de quem venha propô-las. Desde o século XIV, o epicentro católico tem sido uma cidade-Estado de 110 hectares, cercada de muros, dentro de Roma. Há tempos aCidade do Vaticano vem sendo uma atração para os turistas, graças à Capela Sistina e à Basílica de São Pedro, além de um destino de peregrinação para o 1,2 bilhão de católicos no mundo – o que significa dizer que o mundo vem a esta cidade e nunca o contrário. Mas o Vaticano é também aquilo que a sua designação implica: uma entidade territorial autossuficiente, com seus próprios administradores municipais, força policial, tribunais, bombeiros, farmácia, serviço postal, mercearia, jornais e time de críquete. O seu corpo de imprensa, os “vaticanisti”, monitora os caprichos da instituição. A sua força de trabalho entrincheirada não paga impostos sobre vendas na Cidade do Vaticano. A sua burocracia diplomática, na forma familiar das burocracias, presenteia os bispos com belas postagens relegando as menos bonitas a outros setores. Durante séculos, o Vaticano resistiu a conquistas, pragas, fome, fascismo e escândalos.
Agora chega Francisco, alguém que despreza paredes e que, certa vez, disse a um amigo, enquanto passeavam próximos à Casa Rosada, onde o presidente da Argentina vive: “Como podem saber o que as pessoas comuns querem, quando eles constroem um muro em torno de si mesmos?” Ele tem buscado ser o que Franco, que escreveu um livro sobre Francisco e o Vaticano, chama de “o papa disponível – uma contradição em termos”. A própria noção parece ter drenado o sangue do rosto opaco do Vaticano.
“Acredito que ainda não vimos as mudanças reais”, diz Ramiro de la Serna, sacerdote franciscano de Buenos Aires que conhece o papa há mais de 30 anos. “E acredito também que nós ainda não vimos a sua verdadeira resistência”.
As autoridades vaticanas ainda estão aprendendo a lidar com o papa. É tentador para elas ver as reações de coração aberto do papa como provas de que ele é uma criatura de puro instinto. “Totalmente espontâneos”, diz Lombardi sobre os gestos muito comentados de Francisco durante a sua viagem ao Oriente Médio, entre eles, o seu abraço a um imã, Omar Abboud, e a um rabino, seu amigo Skorka, depois de rezar com eles no Muro das Lamentações. Mas, na verdade, diz Skorka, “eu falei sobre isso com o papa antes de sairmos para a Terra Santa; eu lhe disse: ‘Eis o meu sonho, nos abraçarmos, junto ao Muro das Lamentações, tu, eu e Omar’”.
O fato de que Francisco tenha concordado com antecedência em cumprir o desejo do rabino não torna o seu gesto menos sincero. Em vez disso, sugere a consciência de que cada ato e cada sílaba serão interpretados como presságios simbólicos. Tal prudência está em completo acordo com o Jorge Bergoglio conhecido por seus amigos argentinos, que zombam da ideia de que ele é inocente. Eles o descrevem como um “jogador de xadrez”, um jogador cujos dias são “perfeitamente organizados”, em que “cada passo foi pensado”. O próprio Bergoglio disse aos jornalistas Francesca Ambrogetti e Sergio Rubin há alguns anos que ele, raramente, prestava atenção aos seus impulsos, uma vez que “a primeira resposta que me vem é geralmente errada”.
Mesmo nas mudanças no estilo de vida aparentemente drásticos que o Papa Francisco trouxe, ele fez concessões de senso comum para as realidades do Vaticano. Ele sugeriu que seus guardas suíços não precisassem segui-lo em todos os lugares, mas desde então tem renunciado a presença quase constante deles. (Por vezes o papa pede aos guardas para que tirem fotografias dele com visitantes, o que é outra concessão, uma vez que Bergoglio não gostava das câmeras.) Embora tenha evitado o papamóvel à prova de balas, muito utilizado desde a tentativa de assassinato doPapa João Paulo II em 1981, ele reconhece que não mais pode andar de metrô e se enfiar nos guetos, coisas que fazia em sua Buenos Aires e pelas quais era conhecido. Isso o levou a lamentar, quatro meses depois de assumir o papado: “Se tu soubesses quantas vezes tive vontade de sair pelas ruas de Roma... É que, em Buenos Aires, eu gostava de caminhar pela estrada, gostava tanto! Nesse sentido, sinto-me um pouco enjaulado”.
Amigos dizem que, como chefe do Vaticano e argentino, ele sentiu o dever de receber a presidente de seu país, Cristina Kirchner, mesmo quando lhe ficou evidente que esta usaria tais visitas visando um ganho político próprio. “Quando Bergoglio recebeu a presidente de forma amigável, foi por pura graça”, diz o pastor Juan Pablo Bongarrá, de Buenos Aires. “Ela não merecia isso. Mas é assim que Deus nos ama, com pura graça”.
“Não existe uma família perfeita, um marido perfeito nem uma mulher perfeita. Nem falemos da sogra perfeita! Existimos nós, pecadores.” (Papa Francisco, em encontro com noivos de várias partes do mundo, em 14-02-2014)
Para Wals, seu ex-assessor de imprensa, a entrada cuidadosa de Bergoglio no papado não é de todo surpreendente. Com efeito, ela se prefigurou na maneira pela qual o então arcebispo cardeal deixou o seu ambiente de trabalho anterior. Percebendo que havia chances de ser eleito no Conclave – afinal, ele havia sido o vice-campeão na disputa comRatzinger após a morte de João Paulo II em 2005 –, Bergoglio viajou para Roma em março de 2013, diz Wals, “com todas as cartas finalizadas, com as finanças em dia, tudo em perfeita harmonia. E, na noite antes de partir, ele me chamou para tratar de alguns detalhes de seu ofício aqui e também para me dar conselhos a respeito do meu futuro, como alguém que sabia que talvez iria ter de sair para cumprir uma outra missão”.
Sair para cumprir uma outra missão foi o que ele fez, e, apesar da serenidade que exibe, Francisco tem, no entanto, se aproximado de suas novas responsabilidades com seriedade imbuída de autocrítica, característico de sua forma de ser. Conforme ele disse no ano passado a um ex-aluno, o escritor argentino Jorge Milia: “Me pus a procurar na biblioteca doPapa Bento XVI, mas não consegui encontrar um manual do usuário. Então eu tenho feito o que me é possível”.
Ele é, a imprensa iria reconhecer, um reformador. Um radical. Um revolucionário. E é também nenhuma dessas coisas. O seu impacto até agora é tão impossível de não se perceber quanto o é de se mensurar. Francisco acendeu uma centelha espiritual não só entre os católicos, mas também entre os demais cristãos, entre pessoas de outras religiões e até mesmo entre os não crentes. Como diz Skorka: “Ele está mudando a religiosidade em todo o mundo”. O líder da Igreja Católica é amplamente visto como uma boa nova para uma instituição que, durante anos antes de sua chegada, tinha conhecido apenas más notícias. “Dois anos atrás”, diz o Pe. Thomas J. Reese, jesuíta e colunista do National Catholic Reporter, “se perguntássemos na rua: ‘O que a Igreja Católica é contra, e o que ela é a favor?”, ouviríamos: ‘Ela é contra o casamento gay, contra o controle de natalidade’ – e coisas assim. Neste momento, se perguntarmos às pessoas, elas dirão: ‘Ah, o papa – ele é o cara que ama os pobres e não mora em um palácio’. Isso é uma conquista extraordinária para uma instituição tão antiga. Ironicamente, digo que a Faculdade de Administração de Harvard poderia usá-lo para ensinar técnicas de ‘rebranding’. E os políticos em Washington fariam qualquer coisa para ter o índice de aprovação que tem o papa”.
Naturalmente, como fica claro quando falamos com autoridades vaticanas, o espetáculo de uma personalidade papal –Francisco como um rock star – é impróprio para uma instituição tão digna. Para algumas destas autoridades, a popularidade do papa também é ameaçadora. Ela reforça o mandato que o papa recebeu dos cardeais que desejavam um líder que deixasse de lado o distanciamento régio da Igreja e expandisse o seu círculo eleitoral espiritual. Diz assim uma destas autoridades, o Cardeal Peter Turkson, de Gana: “Pouco antes do Conclave, quando todos os cardeais se reuniram, compartilhamos os nossos pontos de vista. Havia um certo estado de espírito: vamos nos dar uma chance. Esse tipo de sentimento estava forte no lado de dentro [da Basílica]. Ninguém dizia: ‘Não mais italianos ou não mais europeus’ – mas um desejo de mudança estava aí presente”.
“O Cardeal Bergoglio era basicamente desconhecido de todos os que estavam ali reunidos”, continua Turkson. “Mas então ele fez um discurso – uma espécie de manifesto. Ele aconselhou a nós, ali reunidos, de que precisávamos pensar sobre a Igreja que vai às periferias – e não apenas em termos geográficos, mas também à periferia da existência humana. Para ele, o Evangelho nos convida a ter esse tipo de sensibilidade. Foi esta a sua contribuição. E ela trouxe um tipo de frescor ao exercício do acompanhamento pastoral, uma experiência diferente de cuidar do povo de Deus”.
Para aqueles que, como Turkson, que queriam mudança, Francisco não decepcionou. Dentro de dois anos, ele nomeou 39 cardeais, 24 dos quais vieram de fora da Europa. Antes de fazer um discurso severo em dezembro passado, em que enumerou as “doenças” que afligem a Cúria (entre eles, a “vã glória”, a “fofoca” e o “lucro mundano”), o papa encarregou nove cardeais – todos, exceto dois, de fora da Cúria – com a tarefa de reformar a instituição. Chamando oabuso sexual na Igreja como um “culto sacrílego”, ele formou a Pontifícia Comissão para a Tutela de Menorespresidida por Seán O’Malley Patrick, arcebispo de Boston. Para trazer transparência às finanças do Vaticano, o papa trouxe um ex-jogador de rugby: o Cardeal George Pell, de Sydney, e o nomeou prefeito da Secretaria para a Economia – nomeação que coloca Pell em pé de igualdade com o secretário de Estado do Vaticano. Em meio a estas nomeações, o papa pagou um ato notável de deferência para com a velha guarda: manteve em seu posto o Cardeal Gerhard Müller, nomeado por Bento XVI, em geral considerado um linha-dura, como o chefe para a Congregação para a Doutrina da Fé –CDF, dicastério que faz valer as crenças da Igreja.
Estes movimentos significam muito, mas é difícil dizer a que eles irão levar. Os primeiros indícios têm sido tentadores para os reformistas, bem como para os católicos mais tradicionais. Ao mesmo tempo em que aceitou a renúncia do primeiro bispo americano a ser condenado por deixar de relatar suspeitas de abuso infantil em sua jurisdição, Francisco também nomeou como bispo um padre chileno acusado de ter encoberto os abusos sexuais de outro sacerdote, o que provocou protestos durante a cerimônia de instalação do prelado. Além disso, o Sínodo extraordinário sobre a família, convocado por Francisco em outubro passado, não produziu nenhuma mudança doutrinal radical, fator que acalmou os católicos conservadores, que temiam exatamente isso. Porém, o Sínodo no próximo mês de outubro poderá produzir um resultado diferente. Sobre a questão da anulação da proibição à Comunhão para os católicos divorciados cujos casamentos não foram, por sua vez, anulados na Igreja, Scannone, amigo e ex-mestre do pontífice, falou: “Ele me disse: ‘Quero ouvir a todos’. Ele vai esperar pelo segundo Sínodo, e ouvirá a todos; ele definitivamente está aberto a mudanças”. Da mesma forma, Saracco, o pastor protestante, discutiu com o papa a possibilidade daremoção do celibato como uma exigência para os sacerdotes. “Se ele conseguir superar as pressões da Igreja de hoje e os resultados do Sínodo sobre a família, em outubro”, diz Saracco, “creio que, depois disso, ele estará pronto para falar sobre o celibato”. Quando pergunto se o papa lhe havia dito isso ou se apenas estava confiando na sua intuição, Saracco sorriu maliciosamente e disse: “É mais do que intuição”.
Então, novamente, as palavras e os gestos do papa se tornaram um conjunto indistinto tal que o seu público pode interpretar como quiser. Para um homem de palavras e hábitos simples, isso parece irônico. Mas também não é nenhuma novidade.
Em 2010, Yayo Grassi, chefe de cozinha residente em Washington, DC, enviou um e-mail ao seu antigo mestre, o arcebispo de Buenos Aires. Grassi, que é gay, tinha lido que o seu querido orientador havia condenado a legislação que legalizaria o casamento homoafetivo. “O senhor tem sido o meu guia, ampliando continuamente os meus horizontes – o senhor configurou os aspectos mais progressistas da minha visão de mundo”, escreveu Grassi. “E ouvir isso do senhor é um tanto frustrante”.
O arcebispo respondeu por e-mail, embora, sem dúvida, fornecendo um rascunho a mão ao seu secretário para tal, uma vez que o Papa Francisco, na ocasião e agora, nunca fez uso da internet, nem nunca usou um computador, ou mesmo possuiu telefone celular. (A Sala de Imprensa do Vaticano é quem prepara os tuítes das suas nove contas no Twitter, que têm 20 milhões de seguidores, e envia-os, com a aprovação do papa.) Francisco começou dizendo que as palavras de Grassi tocaram o coração. A postura da Igreja Católica sobre o tema do casamento foi o que sempre foi. Ainda assim, doía a Bergoglio saber que havia decepcionado o seu pupilo. O antigo “maestrillo” de Grassi garantiu-lhe que a imprensa havia interpretado de maneira equivocada a postura do papa. Acima de tudo, disse o futuro papa em sua resposta, em seu trabalho pastoral não havia lugar para a homofobia.
Esta troca de correspondência oferece uma imagem daquilo que deveríamos, e do que não deveríamos, esperar de seu papado. No final, Bergoglio não desdisse a sua postura contra o casamento gay, que, como escreveu, ele enxerga como uma ameaça à “identidade e sobrevivência da família: pai, mãe e filhos”. Ninguém entre as dezenas de amigos que entrevistei acreditava que Francisco reavaliaria a postura da Igreja neste assunto.
O que renovou a reverência de Grassi para com o seu ex-mestre é, exatamente, o que hoje atrai multidões à Praça de São Pedro e certamente estará presente em sua visita, em setembro, aos Estados Unidos: a brancura ofuscante do seu traje papal tomada como uma simplicidade acessível. É a afinidade deste “porteño” pelas ruas, unido com a crença dos jesuítas no engajamento vigoroso junto à comunidade (“el encuentro”, o encontro), que envolve tanto sair de si como ouvir o outro, iniciativa decididamente mais árdua do que a publicação de editos impessoais. Porque isso requer a coragem da humildade. É o que motivou Bergoglio a se ajoelhar e pedir por oração. É o que fez os seus olhos se inundar de lágrimas quando visitava uma favela de Buenos Aires, onde um homem declarou que sabia que o arcebispo era um deles, pois podia imaginá-lo a andar na parte de trás do ônibus como uma pessoa qualquer. É o que o obrigou, como papa, a recusar a ter sua mão beijada por um sacerdote albanês que fora preso e torturado pelo governo – e, em vez disso, o fez tentar beijar a mão do homem, na sequência caindo em prantos em seus braços. E é aquilo que fez cambalear milhões dois anos atrás, quando, em um momento retórico emblemático, Francisco proferiu estas palavras simples e surpreendentes, vindo na forma de um questionamento gentil em resposta a uma pergunta sobre sacerdoteshomossexuais“Quem sou eu para julgá-los?”.
Esta parece ser a missão do papa: dar início a uma revolução dentro do Vaticano e para além de seus muros, sem contrariar uma série de preceitos antigos. “Ele não vai mudar a doutrina”, insiste de la Serna, seu amigo argentino. “O que ele vai fazer é devolver a Igreja à sua verdadeira doutrina – aquela de que a Igreja se esqueceu, a doutrina que põe o homem de volta no centro. Por muito tempo, a Igreja colocou no centro pecado. Ao colocar o sofrimento do homem, e sua relação com Deus, de volta ao centro, estas atitudes hostis em relação à homossexualidade, ao divórcio e a outras coisas começarão a mudar.
Então, novamente, o homem que disse a seus amigos que precisava “realmente começar a fazer mudanças agora” não conta com o tempo ao seu lado. O comentário feito por Francisco este ano de que o atual papado pode durar apenas uns “quatro ou cinco anos” não surpreendeu os amigos argentinos, que sabem que ele gostaria de viver os seus últimos dias de volta em sua terra natal. Mas estas palavras foram, certamente, um conforto para os linhas-duras dentro do Vaticano, que darão o seu melhor para retardar os esforços de Francisco por reformas da Igreja e que esperam que o seu sucessor seja um adversário menos potente.
Ainda assim, esta revolução – seja ou não bem-sucedida – é diferente de qualquer outra, mesmo que apenas para a alegria implacável com a qual está sendo travada. Quando o novo arcebispo de Buenos Aires, o Cardeal Mario Poli, comentou ao Papa Francisco durante uma visita à Cidade do Vaticano sobre o quão interessante era ver seu amigo, certa vez sisudo, com um sorriso onipresente, o pontífice considerou essas palavras com cuidado, como sempre faz.
Em seguida, Francisco sem dúvida sorrindo, disse: “É muito divertido ser papa”.

ATENÇÃO 
Esta   é uma reprodução da publicação da Unisinos
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/544919-sera-que-o-papa-mudara-o-vaticano-ou-sera-que-o-vaticano-mudara-o-papa#.Vbak_IW7beE.facebook

24 de julho de 2015

O Eletromagnetismo do Coração - algo que nunca pensamos, mas que faz todo sentido

O Eletromagnetismo do Coração: cientistas apontam que o coração pensa e irradia

(Não deixe de ver o vídeo no final)

“O coração é também o primeiro órgão formado no útero. O resto vem depois”. Recentemente, neurofisiologistas ficaram surpresos ao descobrirem que o coração é mais um órgão de inteligência, do que (meramente) a estação principal de bombeamento do corpo.
Mais da metade do Coração é na verdade composto de neurônios da mesma natureza daqueles que compõem o sistema cerebral. Joseph Chilton Pearce-, autor de A biologia da Transcendência, chama a isto de ”o maior aparato biológico e a sede da nossa maior inteligência”.
O coração também é a fonte do corpo de maior força no campo eletromagnético. Cada célula do coração é única e na qual não apenas pulsa em sintonia com todas as outras células do coração, mas também produz um sinal eletromagnético que se irradia para além da célula.
Um EEG que mede as ondas cerebrais mostra que os sinais eletromagnéticos do coração são muito mais fortes do que as ondas cerebrais, de que uma leitura do espectro de freqüência do coração podem ser tomadas a partir de três metros de distância do corpo … sem colocar eletrodos sobre ele!
A freqüência eletromagnética do Coração produz arcos para fora do coração e volta na forma de um campo saliente e arredondado, como anéis de energia. O eixo desse anel do coração se estende desde o assoalho pélvico para o topo do crânio, e todo o campo é holográfico, o que significa que as informações sobre ele podem ser lidas a partir de cada ponto deste campo.
O anel eletromagnético do Coração não é a única fonte que emite este tipo de vibração. Cada átomo emite energia nesta mesma frequência A Terra está também no centro de um anel, assim é o sistema solar e até mesmo nossa galáxia … e todos são holográficas.
Os cientistas acreditam que há uma boa possibilidade de que haja apenas um anel universal abrangendo um número infinito e interagindo dentro do mesmo espectro. Como os campos eletromagnéticos são anéis holográficos, é mais do que provável que a soma total do nosso Universo esteja presente dentro do espectro de freqüência de um único anel.
Isto significa que cada um de nós está ligado a todo o Universo e como tal, podemos acessar todas as informações dentro dele a qualquer momento. Quando ficamos quietos para acessar o que temos em nossos corações, nós estamos literalmente conectados à fonte ilimitada de Sabedoria do Universo, de uma forma que percebemos como “milagres” entrando em nossas vidas.
Quando desconectamos e nos desligamos da sabedoria inata de amor do Coração, baseado nos pensamentos, o intelecto refletido no ego assume o controle e opera independentemente do Coração, e nós voltamos para uma mentalidade de sobrevivência baseada no medo, ganância, poder e controle.
Desta forma, passamos a acreditar que estamos separados, a nossa percepção de vida muda para uma limitação e escassez, e temos que lutar para sobreviver. Este órgão incrível, que muitas vezes ignoramos, negligenciamos e construímos muros ao redor, é onde podemos encontrar a nossa força, nossa fé, nossa coragem e nossa compaixão, permitindo que a nossa maior inteligência emocional guie nossas vidas.
Devemos agora mudar as engrenagens para fora do estado baseado no medo mental que temos sido ensinados a acreditar, e nos movermos para viver centrados no coração. Para que esta transformação ocorra, é preciso aprender a meditar, “entrar em seu coração” e acessar a sabedoria interior do Universo.
É a única maneira, é O Caminho.A medida que cada um de nós começa esta revolução tranquila de viver do Coração, vamos começar a ver os reflexos em nossas vidas e em nosso mundo.
Esta é a forma como cada um de nós vai criar uma mudança no mundo, criar paz, criar harmonia e equilíbrio, e desta forma, vamos todos criar o Paradigma do Novo Mundo do Céu na Terra.”
Por Rebecca Cherry



15 de julho de 2015

Deixar-se amar - Arturo Paoili

 Quantos de nós somos capazes de  nos deixar amar?
 Todos nós estamos focados na tarefa de Amar a Deus , e sobre todas as coisas. Mas esse místico de nosso tempo vem nos revelar algo que é  surpreendente. Deus é completo Amor, não precisa que o amem, ele é o próprio amor.

 

 

 A parábola do pai que se converte. 

Artigo de Arturo Paoli   Fonte: .ihu.unisinos.br
Tradução
Moisés Sbardelotto.

Quando os grandes mestres vão embora, o mais bonito sempre é ouvir novamente a sua palavra. Assim, queremos recordar o frei Arturo PaoliIrmãozinho de Jesus, grande testemunha do século XX, que faleceu nessa segunda-feira, 13 de julho, em Lucca, Itália, aos 102 anos – com um trecho da uma reflexão sua proposta há apenas três anos, durante um encontro com os amigos da associação Viandanti. É um pensamento que começa a partir dos anos vividos pelo frei Arturo no deserto da Argélia, nas pegadas de Charles de Foucauld.
A reflexão foi publicada no sítio Vino Nuovo, 14-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O caminho no deserto ocorria desta maneira: começava-se de manhã, às 9h, mais ou menos, depois do café da manhã, e enchiam-se os bolsos de tâmaras. Não são muito boas, porque a areia gruda nelas, mas as tâmaras são um alimento completo e se comem caminhando. Quando você tem sede, a tâmara tira a sede, muito.
Faziam-se, em média, 40 quilômetros por dia, até chegar a Béni Abbès, onde começou a vida de Charles de Foucauld, depois da conversão. O primeiro lugar para onde ele voltou como sacerdote foi justamente Béni Abbès, onde ainda temos uma fraternidade.
Então, posso dizer que a minha conversão ocorreu desta maneira. Todas as noites e todas as manhãs, quando se colocava a carga sobre os camelos – que eram diversos, porque éramos muitos irmãos –, quando se preparavam os camelos, para montar a sela e carregar os víveres, sempre havia um camelo que fugia, que se recusava e fugia.
Então, o cameleiro nos avisou para não gritar, para não correr atrás. Esse camelo ficava todo o dia por conta própria e, perto do pôr do sol, voltava a se aproximar da caravana. Então, o cameleiro se colocava ao seu lado a cantar o Alcorão, e o camelo, na manhã seguinte, se deixava acariciar por primeiro, enquanto um outro ia embora, fugia.
Praticamente, essa é como que a representação daquilo que acontecia em mim, porque eu sentia que, pouco a pouco, a fé voltava. Então, entendi que o meu erro era o de acreditar que é você que ama a Deus.
Ninguém pode amar a Deus, que é infinito. Ao contrário, é Deus que ama você, porque Ele não se deixa amar, Ele não precisa disso. Seria como se você levasse um copo d'água a um rio para enriquecê-lo com água. É a mesma coisa. É como se eu fosse ao Serchio [rio da Toscana] para levar este copo d'água e dissesse que trouxe água para o rio e que esse rio corre porque eu lhe trouxe a água.
É a mesma coisa quando se diz "eu amo a Deus" ou "ame a Deus como a si mesmo". É Deus que ama você, foi Deus que criou você, é Deus que quer que você deixe que Ele te ame. Às vezes, ele ama você com decisões que não agradam você, mas sempre há uma pequena luz que faz com que você entenda que talvez, a partir dessa doença, dessa traição, desse fracasso, talvez, nasça algo novo, algo a mais...
Eu acredito que a crise da Igreja é um pouco a do "demais", a de esperar, através de iniciativas, esforços, novidades, que se possa renovar a fé. Esse é um fazer curioso. Essas coisas não fazem senão acrescer, aumentar a nossa autossuficiência.
Diz-se: "Vejam, fui a Lourdes para me abastecer de fé, fiz isso, fiz aquilo para me abastecer de fé. Aconselho você a ir, para ter mais fé etc.". Ao contrário, deveríamos ficar tranquilos, sozinhos, e dizer: "Senhor, dá-me a fé, Senhor ama-me".
O que falta hoje não são as iniciativas, mas são experiências, isto é, dizer: "Você está errando de posição, está errando de método". É uma falta de método. Até mesmo os padres, quando vão à igreja e se perguntam o que podem fazer: "Talvez se eu colocar música...".
Eu digo isso na igreja: não é que nós amamos a Deus, mas Deus ama a nós, nós devemos nos deixar amar por Ele. É preciso entender isso a partir de dentro. Não é um conceito, é uma experiência que vem de dentro. De fato, em todos os escritos ascéticos, fala-se disso. Em Santa Teresa, em São João da Cruz etc. Não há nenhum que se desgarre disso. Todos falam do período passivo, da noite do espírito, da perda de fé, da fé que escapou das mãos. Todos. E depois vem o êxtase do amor de Deus.
Ora, é bom ter as iniciativas para nos mantermos vivos, mas é preciso se colocar, até certo ponto, em uma condição de não protestar contra Ele. "Tu quiseste punir o meu coração, quiseste que eu realmente me abandonasse a Ti, que eu acreditasse em Ti, em Ti que és a onipotência e não precisas de nada". Eis: deixar-se amar.
Pensem na parábola do filho pródigo, que é uma parábola estupenda. Alguns dizem que é o pai que perdoa. É o pai que se converte, porque, em certo sentido, ele se deixa amar.
A relação entre pai e filho era a justa. O pai dava a cada um o que lhe competia, a coisa certa, mas eis que essa relação passa da justiça ao amor. Porque finalmente o filho reconhece: "Mas eu não posso dar ao meu pai nada, não lhe peço um bom trabalho, mas apenas poder ficar para limpar o estábulo".
E o pai, ele também, é um convertido, porque, finalmente, o filho o coloca em condições de poder amá-lo. Em certo sentido, também é Deus que se converte, porque essa pessoa não é uma pessoa pecadora e dissoluta. Fez o que podia, pobrezinho. Quando o filho não acredita mais, ele tem o direito de ser amado pelo pai e descobre que, ao contrário, o pai o ama justamente porque ele se tornou nada, convencido de não poder fazer nada.
De fato, ele diz ao pai: "Eu não pretendo trabalhar, coloque-me no estábulo, no último lugar". Eis, aí está a conversão, mas também é a conversão do pai: "Oh, finalmente posso amar este filho! Que se deixa amar! Que precisa de mim".
E ele também se converte, porque, antes, a relação era como entre senhor e servo, e agora não é mais. Torna-se terna como uma criança. Nem sequer serve pedir desculpas ao seu papai, nada, nada. Convertem-se, ambos.

10 de julho de 2015

Papa: encontra a vida consagrada na Bolivia

Papa: Não somos testemunhas de uma ideologia, mas do amor misericordioso de Jesus

Santa Cruz de la Sierra (RV) –  O “Coliseu Dom Bosco”, em Santa Cruz de la Sierra, acolheu num clima de muita alegria e expectativa, cerca de 4 mil religiosos e religiosas, seminaristas, sacerdotes e leigos consagrados para o encontro com o Papa Francisco.

Após ser saudado por Dom Roberto Bordi, Bispo encarregado pela Vida Consagrada e ouvir os testemunhos de um sacerdote, uma religiosa e um seminaristas, o Papa se pronunciou inspirando-se na experiência de Bartimeu, narrada no Evangelho de Marcos, lido precedentemente. O Evangelista – observou o Papa – parecia querer mostrar como as pessoas reagem perante o sofrimento de quem está na beira da estrada, da pessoa que está sentada sobre a sua dor. E “três são as respostas aos gritos do cego, e estas respostas tem atualidade”, disse o Papa: passar; cala-te e Coragem, levanta-te”.
Passar
Alguns passam – disse o Papa – e neste passa temos o eco da indiferença, “do passar ao lado dos problemas, procurando que estes não nos toquem. Não os ouvimos, não os reconhecemos, surdez”:
“É a tentação de ver como coisa natural a dor, a tentação de habituar-se à injustiça. Eu estou aqui com Deus, com a vida consagrada, eleito por Jesus e para o ministério e é natural que existam doentes, pobres, pessoas que sofrem. É tão natural que não me chama a atenção um grito de alguém. Dizemos aqui para nós: é normal, sempre foi assim. É o eco que aparece num coração blindado, fechado, que perdeu a capacidade de admiração e, portanto, a possibilidade de mudança. Trata-se de um coração que se habituou a passar sem se deixar tocar; uma existência que, andando por aqui e por ali, não consegue radicar-se na vida do seu povo. Poderíamos chamá-la a espiritualidade do zapping. Passa e volta a passar, mas não fica nada. São aqueles que correm atrás da última novidade, do último «bestseller», mas não conseguem entrar em contacto, relacionar-se, envolver-se”.
Julgo – afirmou o Papa - que isto é o maior desafio da espiritualidade cristã. "Como podes amar a Deus que não vês e não amas o teu irmão que vês". Eles acreditavam ouvir a voz do Senhor. Traduziam as suas palavras que passam pelo alambique de seu coração blindado. Dividir esta unidade é uma das grandes tentações que nos acompanharão ao longo de todo o caminho (...) “Passar, sem escutar a dor do nosso povo, sem nos radicarmos nas suas vidas, na sua terra, é como ouvir a Palavra de Deus sem deixar que lance raízes dentro de nós e seja fecunda. Uma planta, uma história sem raízes é uma vida seca”.
Cala-te
O calar é a segunda atitude perante o grito de Bartimeu. “Cala-te, não chateies, não perturbes”. Ao contrário da atitude anterior, esta escuta, reconhece, toma contato com o grito de outro. Sabe que está ali e reage duma forma muito simples: repreendendo. os padres, as religiosas, os bispos, os papas. É a atitude de quem, à frente do povo de Deus, continuamente o está repreendendo, resmungando, mandando-o calar. Mas, "façam neles um carinho, por favor. escutem-nos, digam que Jesus lhes ama. 'Mas não posso, a criança chora na Igreja e estou pregando'. Como se o choro da criança não fosse uma sublime pregação":
“É o drama da consciência isolada, daqueles que pensam que a vida de Jesus é apenas para aqueles que consideram aptos. A seus olhos parece lícito que encontrem espaço apenas os «autorizados», uma «casta de pessoas diferentes» que pouco a pouco se separa, diferenciando-se do seu povo. Fizeram da identidade uma questão de superioridade”.
Ouvem mas não escutam; veem, mas não fixam o olhar. A necessidade de se diferenciar bloqueou- lhes o coração. A necessidade de dizer «eu não sou como ele, como eles» afastou-os não só do grito do seu povo e do seu pranto, mas também e particularmente dos motivos de alegria. Rir com aqueles que riem, chorar com os que choram: está aqui parte do mistério do coração sacerdotal.
Coragem, levanta-te
Por fim, encontramo-nos com o terceiro eco. Um eco que não nasce diretamente do grito de Bartimeu, mas de ver como Jesus se comportou perante o grito do cego mendicante. É um grito que se transforma em Palavra, em convite, em mudança, em proposta de novidade frente às nossas formas de reagir ao Povo Santo de Deus. Ao contrário dos outros que passavam, diz o Evangelho que Jesus Se deteve e perguntou que estava a acontecer:
“Deteve-se perante o clamor duma pessoa. Sai do anonimato da multidão para o identificar, comprometendo-se assim com ele. Radica-se na sua vida. E, longe de o mandar calar, pergunta: Que posso fazer por ti? Não precisa de diferenciar-se, separar-se, catalogá-lo para ver se está autorizado ou não a falar. Limita-se a fazer uma pergunta, a identificá-lo pretendendo ser parte da vida daquele homem, querendo assumir a sua própria sorte. Deste modo restitui-lhe gradualmente a dignidade que tinha perdido, faz a sua inclusão. Longe de olhá-lo de fora, esforça-se por se identificar com os problemas e, assim, manifestar a força transformadora da misericórdia. Não há compaixão que não se detenha, escute e solidarize com o outro”. A compaixão não é zapping, não é silenciar a dor; pelo contrário, é a lógica própria do amor. É a lógica que não está centrada no medo, mas na liberdade que nasce de amar e coloca o bem do outro acima de todas as coisas. É a lógica que nasce de não ter medo de se aproximar da dor do nosso povo. Embora muitas vezes se reduza a estar ao seu lado e fazer desse momento uma oportunidade de oração”.
Esta é a lógica do discipulado, frisou Francisco. Isto é o que faz o Espírito Santo conosco e em nós. "Um dia Jesus viu-nos à beira da estrada, sentados nas nossas dores, nas nossas misérias. Não silenciou os nossos gritos; antes, deteve-Se, aproximou-Se e perguntou que podia fazer por nós. E, graças a tantas testemunhas que nos disseram «coragem, levanta-te», gradualmente fomos tocando aquele amor misericordioso, aquele amor transformador que nos permitiu ver a luz. Não somos testemunhas de uma ideologia, uma receita, uma forma de fazer teologia. Somos testemunhas do amor sanador e misericordioso de Jesus. Somos testemunhas da sua intervenção na vida das nossas comunidades.
Esta é a pedagogia do Mestre; esta é a pedagogia de Deus com o seu Povo. Passar da indiferença do zapping a «coragem, levanta-te que [o Mestre] chama-te». E não porque somos especiais, não porque somos melhores, nem porque somos funcionários de Deus, mas apenas porque somos testemunhas agradecidas da misericórdia que nos transforma.
Não estamos sozinhos, neste caminho, encorajou o Papa. Ajudamo-nos uns aos outros com o exemplo e a oração. Estamos circundados por uma nuvem de testemunhas:
“Lembremos a Beata Nazária Ignacia de Santa Teresa de Jesús, que dedicou a sua vida ao anúncio do Reino de Deus cuidando dos idosos, com a «panela do pobre» para aqueles que não tinham nada para comer, abrindo orfanatos para crianças sem ninguém, hospitais para feridos da guerra, e até criando um sindicato feminino para a promoção da mulher. Lembremos também a Venerável Virgínia Blanco Tardío, devotada totalmente à evangelização e ao cuidado das pessoas pobres e doentes. Elas e muitos outros servem-nos de estímulo no nosso caminho. Vamos para diante com a ajuda de Deus e a cooperação de todos. O Senhor serve-Se de nós para que a sua luz chegue a todos os cantos da terra”.
O Papa concluiu abençoando a todos “de coração” e pedindo “rezem por mim”. (JE)