O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

17 de agosto de 2012

TAIZÉ - Sete anos que São Roger fundador da Comunidade de Taizé foi assassinado.


Hoje, completam-se  sete anos que o irmão Roger Shultz, fundador da Comunidade de Taizé, morria apunhalado por uma jovem romena na Igreja da Reconciliação, na pequena localidade francesa, berço do ecumenismo após a Segunda Guerra Mundial, e que hoje une milhares de jovens (e não jovens), de todo o mundo, em torno da mesma fé.
Tudo começou numa grande solidão. Em 1940, com 25 anos, o irmão Roger deixou a sua terra natal, na Suíça, para ir viver em França, o país de sua mãe.
No dia 20 de agosto de 1940, depois da derrota do exército francês e da ocupação de parte da França, pelo exército alemão, Roger Schultz se estabeleceu em Taizé (Borgonha).
 Há já vários anos, trazia dentro de si o chamamento para criar uma comunidade onde se concretizasse todos os dias a reconciliação entre cristãos, «onde a bondade do coração fosse vivida de forma muito concreta e onde o amor fosse o coração de tudo». Ele desejava que esta comunidade estivesse presente no meio do sofrimento daqueles tempos e foi assim que, em plena 2ª guerra mundial, se estabeleceu na pequena aldeia de Taizé, na Borgonha, a alguns quilómetros da linha de demarcação que dividia a França ao meio. Começou então a esconder refugiados (principalmente judeus), que sabiam que, quando fugiam da zona ocupada, podiam encontrar refúgio em sua casa.
Mais tarde juntaram-se-lhe alguns irmãos. Foi no dia de Páscoa de 1949 que os primeiros irmãos se comprometerem para toda a vida no celibato, na vida comunitária e numa grande simplicidade de vida.
No silêncio de um longo retiro, durante o Inverno de 1952-1953, o fundador da comunidade escreveu a Regra de Taizé, onde expressava para os seus irmãos «o essencial que permitira uma vida comunitária».
A partir dos anos 50, alguns irmãos foram viver para lugares desfavorecidos para ficarem mais perto daqueles que sofrem.
Desde os finais dos anos 50, o número de jovens que vem a Taizé cresceu sensivelmente. A partir de 1962, irmãos e jovens enviados por Taizé não cessaram de ir e vir dos países da Europa de Leste, com a maior discrição, para não comprometer as pessoas que estavam a ajudar.
Entre 1962 e 1969, o próprio irmão Roger visitou a maior parte dos países da Europa de Leste, por vezes para encontros de jovens, autorizados mas muito vigiados, outras vezes para simples visitas, sem permissão para falar em público («Calar-me-ei convosco», costumava dizer aos cristãos desses países).
Foi em 1966 que as irmãs de Santo André, comunidade católica internacional fundada há mais de 7 séculos, vieram habitar para a aldeia vizinha e começaram a assumir uma parte das tarefas do acolhimento. Mais recentemente, algumas irmãs ursulinas polacas vieram também dar a sua colaboração.
A comunidade de Taizé junta hoje uma centena de irmãos, católicos e de diversas origens evangélicas, vindos de mais de 25 países. Pela sua própria existência, ela é um sinal concreto de reconciliação entre cristãos divididos e povos separados.
Num dos seus últimos livros, intitulado «Deus só pode amar», o irmão Roger descrevia deste modo a sua caminhada ecuménica:
«Poderei recordar aqui que a minha avó materna descobriu intuitivamente uma espécie de chave para a vocação ecuménica e que me abriu uma via para a concretizar? Marcado pelo testemunho da sua vida, e ainda muito jovem, encontrei a minha própria identidade de cristão ao reconciliar em mim mesmo a fé das minhas origens com o mistério da fé católica, sem ruptura de comunhão com ninguém.»
Os irmãos não aceitam doações nem ofertas. Nem sequer aceitam para si mesmos as suas próprias heranças pessoais, mas oferecem-nas aos mais pobres. É pelo seu trabalho que ganham a vida e partilham com os outros.
Existem agora pequenas fraternidades em bairros desfavorecidos da Ásia, da África e da América do Sul e do Norte. Os irmãos tentam partilhar as condições de vida daqueles que vivem à sua volta, esforçando-se por serem uma presença de amor junto dos mais pobres, dos meninos de rua, dos prisioneiros, dos moribundos, dos que ficam feridos mesmo no mais profundo de si mesmos por rupturas de afeição, pelos abandonos humanos.
Hoje, vindos do mundo inteiro, muitos jovens encontram-se em Taizé, durante todas as semanas do ano, para encontros que podem juntar de um domingo ao domingo seguinte até seis mil pessoas, representando mais de 70 países. Com os anos, centenas de milhares de jovens passaram por Taizé, meditando sobre o tema «vida interior e solidariedade humana». Nas fontes da fé, procuram descobrir um sentido para a sua vida e preparam-se para assumir responsabilidades nos lugares onde vivem.
Também homens da Igreja se deslocam a Taizé; assim, a comunidade acolheu o papa João Paulo II, três arcebispos de Cantuária, metropolitas ortodoxos, catorze bispos luteranos suecos e numerosos pastores do mundo inteiro.
Para apoiar as gerações mais jovens, a comunidade de Taizé anima uma «peregrinação de confiança através da terra». Esta peregrinação não organiza os jovens num movimento centrado na comunidade, mas estimula-os a serem portadores de paz, de reconciliação e de confiança, nas suas cidades, universidades, nos seus locais de trabalho, nas suas paróquias, e isto em comunhão com todas as gerações. Como etapa desta «peregrinação de confiança através da terra», um encontro europeu de cinco dias reúne no fim de cada ano várias dezenas de milhares de jovens numa metrópole europeia, no Leste ou no Ocidente.
Por ocasião do encontro europeu, o irmão Roger publicava todos os anos uma «carta», traduzida em mais de cinquenta línguas, retomada e meditada depois durante todo o ano pelos jovens, em suas casas ou nos encontros em Taizé. O fundador de Taizé escreveu muitas vezes esta carta a partir de um lugar pobre onde ia viver durante algum tempo (Calcutá, Chile, Haiti, Etiópia, Filipinas, África do Sul...)
Hoje, no mundo inteiro, o nome de Taizé evoca paz, reconciliação, comunhão e a espera de uma Primavera da Igreja: «Quando a Igreja escuta, cura e reconcilia, ela torna-se naquilo que é no mais luminoso de si mesma: límpido reflexo de um amor» (irmão Roger).
Fontes:
oraetlabora.com.br  &  ihu. Unisinos.Unisinos.br

16 de agosto de 2012

''Nem utópico beat, nem milenarista''. Entrevista inédita com Pierre Teilhard de Chardin


Pierre Teilhard de Chardin
 (Orcines, 1/05/1881 – Nova York, 10/4/1955)


 Pierre Teilhard de Chardin foi um dos mais renomados teólogos-cientistas do século XX. Jesuíta e paleontólogo, elaborou uma teoria que unia criação e evolução no Ponto Ômega, representado por Cristo. 

A entrevista que segue foi concedida a Marcel Brion e publicada em janeiro de 1951 na revista francesa Les Nouvelles Littéraires: aqui, ele explica a sua concepção teológica e científica e rejeita as acusações que lhe foram dirigidas por ignorar o papel do mal e do sofrimento na vida.

A entrevista foi republicada pelo jornal dos bispos italianos, Avvenire, 06-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Todas as vezes em que eu encontro o padre Teilhard de Chardin, sou capturado por aquele "clima" de alta espiritualidade e de ciência pura que ele leva consigo para todo lugar. No quarto da Rue Monsieur, como nos campos de escavação na China ou no laboratório do Museu, ele sempre tem a mesma graça amável e irônica, aquela fineza aguda e benevolente ao mesmo tempo e aquela distinção oxfordiana que levam a pensar em algum scholar inglês que é, ao mesmo tempo, Darwin eNewman.

Ele está ao mesmo tempo contente e inquieto pelo fato de que a sua doutrina – chamá-la de teoria ou de sistema seria insuficiente – chega a um público cada vez mais vasto, cada vez mais atento e, acrescentaria, cada vez mais entusiasta e convicto, apesar dos obstáculos que com os quais a difusão do seu pensamento se deparou às vezes, até hoje. Contente porque esse sábio traz à humanidade uma mensagem de confiança, de esperança, de dinamismo vital, de convite a uma consciência mais elevada das possibilidades de progresso que lhe são oferecidas, mas também das crescentes responsabilidades que isso implica.

Inquieto porque essa doutrina, formulada explicitamente há pouco tempo, encontrou-se desfigurada, deformada, falsamente interpretada em certos âmbitos científicos e não só, e, consequentemente, nasceram muitos mal-entendidos e acenderam-se polêmicas até mesmo antes de serem publicadas as obras nas quais o padre Teilhard de Chardin expunha, em uma visão de conjunto, os resultados dos seus trabalhos científicos e das suas reflexões.

Eis a entrevista.

Como o senhor chegou às descobertas que tornaram o seu nome popular e o levaram a formular uma teoria do ser humano e do universo completamente nova?

A minha primeira infância foi passada entre as pedras, nas montanhas de Auvergne, ao lado de um pai naturalista que me transmitiu o gosto pela natureza e guiou a minha crescente paixão pela geologia. Os passeios entre as rochas fizeram nascer em mim o desejo de conhecer esse mundo mineral, tão misterioso e fascinante, que já exercia sobre a minha mente de criança uma atração poderosa e tenaz. Depois, eu estudei no colégio de Mongré, perto deLyon, e foi seguramente por ter respirado a atmosfera daquela santa casa que, logo depois dos estudos, entrei para aCompanhia de Jesus. Você a conhece, não? Em Aix, na calma e silenciosa Rue Lacépède, você que viveu por muito tempo em Aix-en-Provence? Ali eu passei o período do noviciado, animado por feriados e férias na nossa casa de campo de Tholonet.

Nessa paisagem tão intensamente geológica da Montagne Sainte Victoire, da qual Cézanne fez uma espécie de mito cósmico, de divindade original, de elemento primário, elevado na veemência mineral da metamorfose?

Sim, mas logo deixei a França pelas ilhas anglo-normanas: naquele tempo, as congregações eram expulsas do país e obrigadas a se refugiar no exterior. Enquanto eu continuava os meus estudos de filosofia em Jersey, naquela ilha eu tive a sorte de encontrar um autêntico jardim mineralógico, onde pude iniciar cientificamente no estudo da matéria: um objeto que sempre me fascinara.

Eu lembro que o senhor escreveu: "Através das rochas, me encontrei envolvido na estrada do planetário". Instintivamente, no mineral, o senhor procurava, ao mesmo tempo, o durável, o incorruptível. Quando criança, o senhor se desesperou no dia em que descobriu que o ferro era perecível e enferrujava...

Sim, tanto que, para me consolar, procurava equivalentes em outros lugares. Às vezes, em uma chama azul flutuante (ao mesmo tempo tão material, inaferrável e pura) nas cepas na lareira. Mais frequentemente, em alguma pedra mais transparentes ou mais colorida: cristais de quartzo ou de ametista, e principalmente fragmentos brilhantes de calcedônia, como eu podia coletar na minha região de Auvergne. Nesse caso, naturalmente, era preciso que a substância escolhida fosse resistente, inatacável e dura.

Já então o seu senso atual de uma irreversibilidade do movimento que vitaliza o mundo...

E foi assim que, pouco a pouco, despertei para o conceito de "matéria das coisas". Gradual e sutilmente, essa famosa consistência, que até então eu tinha perseguido no sólido e no denso, eu a descobria na direção de um elementar espalhado por toda parte, cuja própria ubiquidade formava a incorruptibilidade. Mais tarde, quando eu me ocuparia com a geologia, se podia acreditar que eu simplesmente sondava, com convicção e sucesso, as oportunidades de uma carreira científica. Mas, na realidade, o que, por toda a minha vida, me levou inevitavelmente (mesmo que às custas da paleontologia) ao estudo das grandes massas eruptivas e das zonas continentais não foi nada mais do que uma insaciável necessidade de manter o contato com uma espécie de raiz, ou de matriz, universal dos seres. É curioso, eu admito, o lugar axial invariavelmente ocupado pela paixão e pela ciência das pedras durante toda a minha embriogênese espiritual.

O senhor deixou Jersey, acredito, no fim daquela iniciação mineralógica, mais ou menos em 1905?

Sim, porque fui nomeado professor de física no Egito. Uma autêntica oportunidade, porque foi justamente no vale do Nilo, onde nasceu e se desenvolveu por milênios uma civilização prodigiosa, que o estudo dos fósseis trazidos à superfície do deserto me fez desviar para a paleontologia.

Que é, eu sei, a sua grande especialização...

Na realidade, o meu interesse científico sempre foi, e continua sendo, dividido entre a paleontologia humana e as questões da geologia continental, um pouco, se se quiser, como Darwin entre os fósseis e os cristais. Nessa competição, no entanto, no fim, foi o estudo do fenômeno humano que ganhou a dianteira nos meus gostos. (...) Sim, na ordem do pensamento científico, foi a descoberta, a tomada de consciência, eu diria, da ideia da evolução – de evolução biológica, quero dizer – que me permitiu conectar, no campo da experiência, os conceitos de energia material e de energia psíquica.

E depois o senhor teve que deixar o Museu, em 1914, para causa do fronte, dos zuavos e dos soldados. Mas não foi exatamente no fronte que germinou no senhor o conceito, tão original e fecundo, de uma noosfera em torno da Terra? O senhor gostaria de definir para os nossos leitores o que entende com o termo noosfera?

Eu usei esse termo pela primeira vez em um dos meus primeiros ensaios sobre o Fenômeno Humano, mais ou menos em 1927, mas, efetivamente, a ideia de uma comunidade espiritual humana adjacente ao orgânico havia nascido em mim nas trincheiras: a ideia, quero dizer, de uma espécie de "megaunidade" biológica especial que constitui o invólucro pensante da terra. Essa é, para mim, a noosfera.

No fim da guerra, o senhor retomou imediatamente os seus trabalhos no campo e no laboratório?

Não imediatamente. Em Verdun, havia morrido o meu querido amigo Jean Boussac, genro de [Pierre-Marie] Termiere, como ele, geólogo, e me foi dada a honra de pensarem em mim para a cátedra de geologia no Instituto Católico de Paris. Mas eu não fiquei lá por muito tempo. Eu havia recém-posto o pé lá quando, de repente, chegou a segunda grande oportunidade da minha vida. O padre Emile Licent, o explorador da China do Norte e fundador do Museu de Tianjin, estava procurando um geólogo que o acompanhasse. Graças à proteção do meu mestre Boule e do falecidoLacroix, um dos pilares da Academia das Ciências, em 1923, eu me encontrei como encarregado do Museu da Missão na China. Foi então que eu e o padre Licent tivemos a sorte de pôr a mão, no loess da bacia do Rio Amarelo, nos primeiros vestígios conhecidos de um paleolítico da China. Descoberta importante, mas que seria logo eclipsada por uma descoberta ainda mais sensacional: a descoberta feita por Andersson, Black e pelo Serviço Geológico da China do homem de Pequim ou sinantropo, um parente próximo do pitecantropo de Java, ambos, talvez, os homens fósseis mais antigos e mais primitivos por nós conhecidos.

Eu também sei que o senhor colaborou muito de perto (outra sorte da sua vida!) com a descoberta que valeu à ciência seis crânios de sinantropos, ao menos meia dúzia de mandíbulas e diversas dezenas de dentes isolados, em cerca de dez anos de pesquisa, de 1927 a 1937...

Esses restos humanos, pertencentes a cerca de 30 indivíduos, foram coletados durante escavações importantes e prolongadas em uma grande vala (50 metros) que constituía a área de uma antiga gruta enterrada e nivelada: muitos utensílios de pedra montados e uma enorme quantidade de ossos fósseis de veados, elefantes, rinocerontes, camelos, búfalos, antílopes e diversos carnívoros, quase todos representantes de espécies extintas há muito tempo. Naturalmente, ainda é difícil datar em anos esse distante primo do homem moderno. Mas podemos afirmar que, quando estava vivo, o manto das terras amarelas ainda não havia se depositado sobre o solo chinês. Fato este que nos remete para muito, muito atrás no tempo. Ao menos centenas de milhares de anos...

Eu conheço as conclusões gerais às quais essa longa carreira de estudioso lhe levou. Gostaria de resumi-las para os nossos leitores? Não se trata, naturalmente, de entrar nos detalhes dos problemas, mas apenas de entrever aquele "ultra-humano" que, cientificamente, em sua opinião, se desenha no término da evolução do Homo sapiens, de como a paleontologia nos faz conhecê-la e nos convida a levá-la adiante?

Especificamente, note-se bem, eu não sou nem filósofo, nem teólogo, mas sim um estudioso "do fenômeno" (um físico, no antigo sentido grego). Bem, nesse modesto nível de conhecimento, o que domina a minha visão das coisas é a metamorfose que o homem nos obriga a submeter o universo em torno a nós, a partir do momento em que (conforme aos imperiosos convites da ciência) nos decidimos a considerá-lo como constituinte, como parte integrante, nativa, do resto da vida. Em consequência a esse esforço de incorporação, emergem, se não me equivoco, duas constatações capitais na nossa percepção experimental das coisas.
A primeira é que o universo, muito mais do que "entropia" (que o leva novamente aos estados físicos mais prováveis), é caracterizado por um desvio preferencial de uma parte da sua matéria para estados cada vez mais complexos e sustentados por intensidades crescente de "consciência". Desse ponto de vista estritamente experimental, a vida não é mais uma exceção no mundo, mas aparece como um produto característico – o mais característico – do desvio psicoquímico universal. E o humano, ao mesmo tempo, torna-se, no campo da nossa observação, o termo provisoriamente extremo de todo o movimento. O humano: uma cabeça do mundo...
Posto isso, a segunda constatação à qual, a meu ver, somos conduzidos por uma aceitação científica integral do fenômeno humano é que a corrente de complexidade-consciência, da qual o psiquismo reflexo (isto é, o pensamento) brotou experimentalmente, ainda não parou, mas sim, através da totalização biológica da massa humana, continua funcionando, arrastando-nos, por efeito biológico de socialização, para certos estados ainda irrepresentáveis de reflexão coletiva, ou seja, como eu digo, para algum "ultra-humano". Tudo isso, repito, por simples extrapolação de uma lei de recorrência positivamente observável, sobre toda a extensão do passado, isto é, fora de todo sentimentalismo e de toda metafísica.
Pois bem, essa posição estritamente objetiva, mal-entendida, fez nascer e correr sob às minhas custas um certo número de lendas, em que as mais prejudiciais podem remeter às seguintes. Acima de tudo, eu fui considerado um otimista ou um utópico beat, que sonha com euforia humana ou com milenarismo confortável. Como se a maturação humana, que os fatos têm o fôlego para anunciar, não se apresentasse, nas minhas perspectivas, não como um repouso, mas até como uma crise de tensão, paga por um imenso rastro de desordens e de sofrimentos: crise totalmente repleta de riscos e, portanto, ainda mais dramática, por causa da enormidade do que está em jogo (o sucesso de um universo, nada menos!), de todas as fantasias egoístas e mórbidas do existencialismo contemporâneo.
Ainda mais grave, repete-se que eu seria o profeta de um universo destruidor de valores individuais: porque, a meu ver, o mundo se dirige, experimentalmente, a um estado sintético. Mas, na realidade, a minha grande preocupação sempre foi a de afirmar, em nome dos fatos, que a autêntica união não confunde, mas diferencia, e também que, no caso de seres pensantes e amantes (como o ser humano), longe de mecanizar, personaliza, e duplamente: primeiro, intelectualmente, por super-reflexão, e depois afetivamente, por unanimização. Assim, apesar do primado que eu concedo tecnicamente a tudo com relação ao elemento, eu me encontro, assim como a própria estrutura do meu pensamento científico, nos antípodas tanto de um totalitarismo social que leva ao formigueiro, quanto de um panteísmo hinduizante que busca saída e a figura última do espiritual na direção de uma identificação dos seres com um fundo comum subjacente à variedade dos eventos e das coisas.
Nem mecanização, portanto, nem identificação por fusão e perda de consciência, mas sim unificação por ultradeterminação laboriosa e amor. É preciso reconhecer que essas visões biológicas podem ter uma certa incidência sobre a nossa avaliação dos valores humanos. Fazem-nos propender para um humanismo renovado, baseado não mais, como no século XVI, em uma redescoberta do passado, mas sim sobre possibilidades inesperadas conservadas para nós pelo futuro. Mas o nascimento, ao nosso redor, de um tal "neo-humanismo" (ligado, no meu pensamento religioso, aos progressos da "caridade") não é precisamente uma das características distintivas dos tempos que estamos atravessando?
Fonte :

6 de agosto de 2012

Volta ao fundamento: réplica de Clodovis Boff


Em 2007, o teólogo e frei Clodovis Boff publicou um artigo na Revista Eclesiástica Brasileira (REB), no. 268, intitulado "Teologia da Libertação e volta ao fundamento".

No texto, Boff afirma, dentre outras coisas, que “o Documento de Aparecida recapitula e leva à maturidade toda a caminhada da nossa Igreja latino-americana e caribenha. É uma ‘surpresa do Espírito’ (nada fazia prever este resultado magnífico), um ‘milagre de Nossa Senhora Aparecida’ (que, a pedido do Papa, assumiu para valer a direção dos trabalhos) assim como um ‘dom do Pai das luzes’ em favor das nossas igrejas. Esse Documento faz honra ao episcopado do nosso Continente".
Sua posição causou fortes reações entre seus colegas teólogos, especialmente os seguidores da Teologia da Libertação (TdL). O sítio do IHU publicou as análises e críticas feitas por Leonardo Boff, Sandro Magister, Luiz Carlos Susin e Érico Hammes.
Nesta sua réplica, Clodovis Boff responde às três críticas feitas a seu artigo e assinadas pela dupla Luiz Carlos Susin e Érico Hammes, por Leonardo Boff e por Francisco de Aquino Júnior, que foram, todas elas, também publicadas pela REB de 2008.
No texto, Boff defende que "o fundamento da teologia é e só pode ser Cristo e não outro, mesmo o pobre". Além disso, segundo ele, permanece e se confirma, na base da TdL, "uma perigosa e nefasta ambigüidade", e, por isso, "é preciso repropor a TdL, assentando-a, sem equívocos, no fundamento da fé".
Recebemos o texto e publicamos na íntegra.
Eis o artigo.

VOLTA AO FUNDAMENTO: RÉPLICA
Pelo Pe. Dr. Fr. Clodovis Maria Boff
Curitiba, PR


Entendo aqui replicar às três críticas feitas ao meu artigo “Teologia da Libertação e volta ao fundamento”, publicado na Revista Eclesiástica Brasileira (REB), de outubro de 2007. Essas três críticas estão assinadas respectivamente pela dupla Luiz Carlos Susin e Érico J. Hammes, por Leonardo Boff e por Francisco de Aquino Júnior, todas publicadas pela REB deste ano (e que aqui serão citadas indicando apenas as páginas, dada a paginação seqüencial da revista). É, por certo, um número reduzido de interlocutores, mas que não é sem valor, nem sem representatividade.
Há quem pense que a Teologia da libertação (= TdL) já fez seus dias e que, por isso mesmo, dispensa toda crítica, a qual já teria sido feita pelos “dentes roedores do tempo”. Criticá-la seria conceder-lhe inutilmente um tempo de sobrevida. Contudo, a TdL, por representar uma exigência da fé cristã frente ao drama que vivem os pobres do mundo, merece toda consideração. E de vez que essa corrente continua, até hoje, a se mostrar problemática, convém reexaminar seu estatuto epistemológico, partindo, desta vez, de uma questão decisiva: o fundamento desta teologia. Esse exame crítico não parte agora do Magistério, mas do interior da própria teologia. Quando o Magistério elevava suas advertências, poder-se-ia pensar em incompreensão ou perseguição. Agora, porém, que a crítica é teologicamente argumentada, não se podem mais fazer tais alegações e, menos ainda, deixar-se levar por certos melindres.
Pergunta-se se falo aqui “a partir de dentro da TdL”. Sim, falo a partir do projeto originário desta teologia, que é de “fazer ouvir a voz dos pobres” (K. Rahner) a partir da fé da Igreja. Portanto, não rompi, não quero e nem posso romper com a causa de fundo da TdL. É uma questão de coerência com a fé e com a vocação teológica. Já com respeito ao modo como tal causa foi implementada na atual TdL (falo aqui sempre da corrente dominante), aí tomo distância. E a razão é de fundo: nessa corrente não vejo mais garantido, em geral, o fundamento de toda teologia: o Cristo da fé. Se mudei de posição? Em absoluto! Sempre defendi, sem solução de continuidade, uma TdL assentada, sem equívocos, no fundamento cristológico. Meus escritos teóricos, desde minha tese doutoral (defendida em 1976), estão aí para testemunhá-lo. Reconheço, contudo, em termos de autocrítica, que, em meus escritos polêmicos, vacilei nesse ponto fundamental e, cedendo à pressão do contexto e ao magis amicus Plato, cheguei a alinhar-me à ambígua “epistemologia pobrista”, que aqui estou contestando.
Minha réplica se dá em três partes: 1) O fundamento da teologia é e só pode ser Cristo e não outro, mesmo o pobre; 2) Permanece e se confirma, na base da TdL, uma perigosa e nefasta ambigüidade; 3) É preciso repropor a TdL, assentando-a, sem equívocos, no fundamento da fé.
1. A questão do fundamento primeiro da teologia: a fé no Cristo Senhor
Importância máxima da questão do fundamento
É preciso indicar, logo de início, qual é o foco do debate, para não nos perdermos com outras questões, que nos afastariam do principal. E o foco é este: o “fundamento” da teologia, e o fundamento analiticamente predicado: o fundamento “último e determinante”. Poderíamos falar também no principium primeiro e regente ou na arché originária da teologia ou ainda em seu centro. Sabe-se que, no saber teológico, como em todo saber, não existe apenas um princípio, mas vários. Por isso, fala-se, em geral, no plural: prima principia. São sabidamente os “artigos da fé”, como se encontram no Credo. Contudo, falo aqui em princípio ou fundamento no singular, para me centrar no “núcleo duro” da teologia cristã, que é precisamente “Cristo Senhor”, tanto mais que no debate em curso, ele vem contradistinto do “pobre”. É, pois, acerca do “princípio fundante” que se discute aqui, e nada mais que isso. Será Cristo ou o pobre? Daí que não replico a meus críticos todos os argumentos por eles levantados, mas somente àqueles que se relacionam com o ponto capital: o fundamento último da teologia.
Por isso, não creio que proceda a crítica de Leonardo Boff sobre as “ausências” temáticas que pretende ter descoberto no meu texto, como a questão da encarnação e da pneumatologia (p. 704-708). Pois, o foco não era a doutrina teológica, mas o fundamento da teologia. Era, portanto, uma questão de metodologia e não de ciência teológica. Quanto a isso, Sto. Tomás ensina: “Antes da ciência, precisa estudar seu método” (In Boet. q. 6, a. 1, ad 3). Agora, dizer que a ausência desses temas tiraria “sustentabilidade” à minha crítica epistemológica é incidir no “absurdo”, denunciado por Aristóteles, que é de “procurar ao mesmo tempo a ciência com o método da ciência” (Met. 995 a 13-14).
Mas, antes de entrar no confronto de posições, chamo a atenção para isto: a questão do fundamento não é uma questão qualquer, mas é a questio magna do método, a conditio sine qua non de qualquer teologia. O resto vem por conseqüência ou implicação. Efetivamente, a questão do “princípio primeiro” é grave, mesmo gravíssima. É, no dizer do Estagirita, a questão “mais importante e mais difícil” (Ref. sofíst. 183 b 20-25). É das questões mais “difíceis”, porque não pode contar com razões anteriores sobre as quais se apoiar, sendo ela justamente a primeira, a que sustenta todas as outras. De fato, ela só pode ser apreendida por intuição ou iluminação, que, no caso da teologia, corresponde à luz da fé.
Além disso, a questão do princípio é das “mais importantes”. A razão é simples: do princípio depende tudo. Assim, se o primeiro passo é dado na direção correta, pode-se esperar chegar ao destino; mas se é dado no rumo errado, nos desvia sempre mais do objetivo. É também como a semente: se é de trigo, pode-se esperar colher trigo, mas se é de joio, virá joio na certa. O mesmo se pode dizer em relação ao fundamento: se este não é firme, é impossível construir sobre ele um edifício sólido. “O princípio é como um deus, que tudo salva”, diz Platão nas Leis. E Aristóteles: “Quando se salva o princípio, (salva-se) o melhor” (Ét. Nic. VII, 7: 1151 a 24-27). Isso nada tem a ver com “lógica linear”, com aristotelismo, tomismo, escolasticismo, cartesianismo e outros “ismos” de que os teólogos da libertação (= os TdL) costumam acusar quem busca a “ordem do discurso”. Não; isso é apenas coerência da própria vida, lógica elementar do bom senso, sem ainda falar da dinâmica da Tradição da fé, que sempre defendeu uma “ordem ou hierarquia de verdades” em função de “seu nexo com o fundamento da fé cristã”, como ensina o Vaticano II (UR 11,3).
Pelo que se vê, o debate que aqui se enfrenta é realmente momentoso, pois, tal debate tem a ver, seja com a fé em Cristo, seja com o destino dos pobres. De fato, errar na questão do princípio é fatal: o desastre é certo. Por isso, diz bem Sto. Tomás: “Errar acerca dos princípios é o mais perigoso dos erros e a pior das ignorâncias” (De Malo, q. 3, a. 13, c). E ainda: “em tudo a pior degenerescência é a dos princípios, pois deles depende tudo o mais” (ST II-II, q. 154, a. 12, c). Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma, por ser uma ofensa a todo o sistema de comandos, ou seja, por atingir as vigas que sustentam uma estrutura.
O que está em jogo: Cristo como fundamento da teologia
Se o foco do debate é o fundamento, como se apresentam aqui as posições? A tese que sustentei no artigo referido no início e aqui ainda sustento pode-se resumir assim: a posição da TdL, em relação ao fundamento, mostra-se, na maioria dos casos, ambígua e confusa. Tal posição introduz naquela teologia uma deriva que a leva à “inversão dos pólos”, fazendo do pobre o princípio central da teologia. Aí a fé em Cristo fica funcionalizada em favor da temática da libertação, reduzindo-se assim à ideologia. O efeito final é a perda de identidade da teologia, comprometendo inclusive a própria causa do pobre.
Susin e Hammes, por exemplo, reconhecem explicitamente que a fé é o “princípio referente”. Só lamentam, quanto a isso, certos desvios praticados nas bases militantes. Mas quando vão explicar tal opção metodológica, já falam na “diversidade de mediações” do princípio-Cristo, destacando o “lugar do pobre”, que Jon Sobrinho definiu como o “princípio misericórdia” (p. 280-4). Mas, assim, o discurso epistemológico fica “melado”. Pois, princípio é princípio. É coisa límpida, inequívoca, efeito da reductio ad unum. Agora, quando se começa a vacilar, falando nestes termos: “princípio, sim, mas mediado”, “princípio-fé, sim, mas também princípio-misericórdia”, “Deus, sim, mas sempre com os pobres”, pronto: acabou-se o princípio e começou a derivação. Aí se passa, inadvertidamente, da questão epistemológica para a questão teológica, confundindo os planos do metadiscurso e do discurso, respectivamente.
Volto, pois, aqui, a afirmar que o princípio determinante da teologia é e só pode ser a fé em Cristo. A opção pelo pobre e por sua libertação vem em seguida e pode mesmo ser um princípio segundo, tão privilegiado quanto se queira, mas não o princípio primeiro ou determinante. É tautológico dizer que o pobre e sua libertação não são o “princípio geral” da teologia em geral, mas justamente o “princípio específico” desta teologia específica, que é a teologia “da libertação”. O princípio-pobre assenta, por sua parte, no princípio geral da teologia, que é a fé no Theos de Jesus Cristo. Essa é base comum de todas as teologias, permitindo, aliás, o diálogo entre elas.
Essa articulação epistemológica em dois planos já se encontra em minha tese doutoral Teologia e prática (Apresentação e II, § 4). Procurei aí fundar a distinção entre Teologia 1 e Teologia 2 (que, depois, chamei de Momento 1 e Momento 2, o que não faz muita diferença). Tal distinção permite articular, respectivamente, o “princípio primeiro” e geral de toda teologia, inclusive da TdL (como “teologia”), que é o Deus de Jesus Cristo, e o “princípio segundo” e especial da TdL (como “da libertação”), que é o pobre. Já em meu livro Teoria do método teológico (1998), integro a TdL como um “dispositivo” parcial dentro do órganon maior da teologia. A distinção e a união entre ambos os planos epistemológicos foram compreendidas e expostas com honestidade por um de meus críticos, Francisco de Aquino Júnior (p. 601-4, passim).
Mas ainda hoje, os TdL repetem, em altas vozes, que Deus “se revela” no pobre e que o pobre é o “lugar privilegiado” para se conhecer e encontrar a Deus (p. 294-6). Com essa linguagem, que não tem valor doutrinal mas espiritual, a TdL corre o risco de passar por alto que é o “pobre” por antonomásia, isto é, o Verbo encarnado, o “lugar privilegiado” para se conhecer a Deus. Poder-se-ia dizer que só Ele, como Palavra encarnada é, em teologia, o princípio “científico”, no sentido do que “faz conhecer” (sciens facere). Quanto ao pobre mesmo, quer seja tomado como tema, quer como ótica, está sempre sob a regência de Cristo. Assim, a TdL é uma teologia subordinada e, por isso, também limitada. Mesmo como “ótica”, a sua é sempre uma “ótica” particular: a do pobre”, e não de tudo na teologia. Só a “ótica de Deus” ou “da fé” é absolutamente total.
Cristo Senhor: princípio vivo e pré-teológico
A base doutrinal da primazia epistemológica de Cristo em teologia se funda em sua posição única no Plano de Salvação: o Filho amado, o único Mediador, Aquele diante do qual “todo joelho se dobra”, o Senhor, a Cabeça da Igreja e do Cosmos, a arché absoluta, o Primeiro e o Último, o Alfa e o Ômega, e poderíamos continuar, citando todos os títulos de excelência, mais ainda, de supremacia que a fé da Igreja adjudica a Jesus Cristo, o supremo dos quais é “Deus”. Aqui não se trata de “cristomonismo”, crítica que me foi imputada por Leonardo Boff (p. 708). Trata-se, antes, do mais puro e decidido “cristocentrismo”, na medida em que Cristo, centro do mistério cristão, não é tudo, mas pode integrar tudo, desde a Trindade até o pobre.
O primado absoluto de Cristo nos situa, não já no campo da teologia, mas da pré-teologia. Estamos aí no nível mais elementar e primário da fé, pois dizer que Cristo é o Senhor é confissão de fé, não tese teológica. Isso é dogma, não theologoúmenon. Tal afirmação, antes de ser um axioma da metodologia teológica, é um axioma querigmático-catequético. Quer dizer: ainda antes de começar a refletir, o teólogo declara, em clima de fé, que só Cristo é o Senhor. Quando se fala aqui de Cristo-fundamento, não se trata de uma imagem qualquer de Cristo, elaborada por este exegeta ou aquele teólogo, mas da figura de Cristo transmitida pela fé da Igreja em sua Parádosis. Efetivamente, o caroço do “Evangelho” e da grande Tradição, como lembra Paulo é Cristo morto e ressuscitado (cf. 1Cor 15,1-11). Por isso, aqui há de se entender sempre Cristo como dogmaticamente qualificado, por via de expressões como: Cristo “Senhor”, Cristo “Salvador”, Cristo “Filho de Deus” e outras do gênero.
Tal posição não pode ser taxada de “opinião pessoal”. Não, isso é a fé secular e universal da grande Igreja. Dessa fé nem a Igreja pode dispor a seu arbítrio, e ainda menos o teólogo. Pois, para falar como Paulo, ainda que “nós ou um anjo baixado do céu, viesse anunciar um evangelho diferente, seja anátema” (Gl 1,8). Ora, a mensagem fundadora da fé e da teologia é o “Evangelho de Cristo” (Gl 1,17a), o “Evangelho de Jesus, filho de Deus” (Mc 1,1), e não o “evangelho dos pobres”, que só pode vir tarde, como conseqüência, nunca como fonte; como fundado, jamais como fundante. Nesse ponto capital, não se pode reivindicar o pluralismo teológico. Seria destruir as condições mesmas do pluralismo, que só é possível dentro de um quadro definido, e este só pode ser definido a partir e na base dos princípios da fé, sendo o primeiro deles Cristo Senhor.
Por isso, quem põe resolutamente o Cristo da fé como fundamento de toda teologia, inclusive da TdL, poderia dizer: “Minha doutrina não é minha” (Jo 7,16), mas da Igreja, mais ainda, de Deus mesmo. E não poderia ser diferente. Em verdade, a posição cristocêntrica, quer na fé, quer na teologia, é inopugnável. E o é pura e simplesmente porque Cristo é a “pedra” de fundação que sustenta todo o edifício da Igreja (Mt 16,18). Assim, a confissão cristológica é “a coluna de bronze e o muro de bronze” (Jr 1,18) contra o qual vêm bater e se quebrar todas as pseudo-teologias. Por conseguinte, pôr em questão que Deus, o Deus de Cristo, seja o princípio da teologia é como duvidar que a teologia seja teologia. É não saber de sua identidade. Mas não vão por aí certos TdL quando, rompendo com a grande tradição teológica, dizem que o pobre é o grande lugar teológico para se saber de Deus e de Cristo? Dizer isso não é dizer, de modo absurdo, que o fundamento radical da teologia é outra coisa que o theo- que está na própria palavra theo-logia? Não, a teologia nasce do Deus revelado e, se nasce também da não-teologia, é porque nasceu já, desde sempre, do Deus revelado.
Agora, se Cristo é ele mesmo o articulus stantis vel cadentis Ecclesiae, Ele o é também da teologia. Vale, pois, para a teologia, o que Paulo diz da Comunidade de fé: “Quanto ao fundamento, ninguém pode pôr outro diverso daquele que já foi posto: Cristo Jesus” (1Cor 3,11). Portanto, dizer que Cristo é o fundamento da teologia nos situa no nível do originário e do rigorosamente indemonstrável. Aqui, o teólogo está na posição de qualquer fiel: recebe a fé em Cristo Salvador de joelhos, como iluminação surpreendente e dom imerecido. Cristo Senhor é uma categoria da “teologia genuflexa”, que precede continuamente e para sempre toda “teologia reflexa”, inclusive a que toma os pobres como seu tema e sua perspectiva. Misturar esses dois planos, confundindo o que é “princípio probante” e o que é questão a se provar, é, na expressão de Aristóteles, sinal de apaideusia (Met. 1006 a 6), ou seja, é “falta de formação”. E é nisso que se cai quando se tenta provar o princípio da teologia como sendo a “realidade dos pobres”, e não o inefável mistério de Deus.
A fé como princípio operativo, também na vida do teólogo
Dissemos que Jesus, o Kyrios, é princípio da teologia porque é, antes, princípio da fé. A título de “iniciador” (archegón) da fé e da salvação (Hb 12,2.10), Cristo Senhor é um princípio existencialmente operante, enquanto transforma real e radicalmente as pessoas e suas vidas. Tal transformação não se dá originariamente no plano intelectual, nem no ético e nem mesmo no experiencial, mas, sim, no plano existencial-ontológico. Em virtude da fé e da graça, é o existir e o ser da pessoa que mudam e não apenas sua mente, sua experiência e seu comportamento. A fé, enquanto confere um “coração novo” e faz surgir uma “nova criatura”, tem a ver com recriação ou regeneração.
A propósito, Sto. Inácio de Loyola intitula o célebre § 23, dos Exercícios espirituais, com estas palavras: “Princípio e fundamento”. Aí o “princípio e fundamento” da existência humana é uma vida voltada a “louvar, reverenciar e servir a Deus, Nosso Senhor e, mediante isto, salvar a sua alma”. Ora, é dessa profundidade ontológico-sobrenatural que arranca a teologia. Toda sã teologia remete à fé, entendida como novo modo de existência, como específica “forma de vida” (L. Wittgenstein), e esta remete finalmente ao Mistério. Aí está o “fundo mais fundamental” da teologia. Esse “fundo sem fundo” não é, a rigor, teologizável, mas apenas vivível in mysterio. Não é teologizável porque está pressuposto em qualquer teologia. Não é “demonstrável” por razões, mas apenas “mostrável” por testemunho de vida.
Portanto, que Jesus seja realmente o Próton, a Arché, o Kyrios – isso tudo, antes de se encontrar no discurso dos teólogos, se encontra na vida dos fiéis. É desta verdade viva que se nutre toda teologia e é daí que provém toda a sua seiva. Por isso, o que faz, em primeiro lugar, o teólogo, é confessar, como todo fiel, a senhoria de Jesus, submetendo-se a ela; depois, vai discutir tudo o mais, inclusive a libertação dos pobres. Isso significa que, em sua raiz mais profunda, teologia tem a ver com santidade, como sempre testemunhou a grande teologia. De fato, foram os santos que levaram mais a sério o princípio-Cristo. E é na oração que se manifesta mais claramente tal princípio, de modo que, sem oração, uma teologia perde nível e vitalidade, degradando-se em saber infecundo, quando não em perigosa ideologia. Como se vê, o método remete à teologia e esta remete finalmente à vida de fé. E em cada um desses níveis, Cristo é o fundamento. Pois, se não é o fundamento da vida, não pode sê-lo nem da teologia e, se não é da teologia, sê-lo-á menos ainda do método. Conclusão: também aqui, a questão de fundo é a espiritualidade, que repercute necessariamente sobre a teologia e, daí, sobre a própria metodologia teológica.
É verdade que, na “conclusão” de sua crítica, Leonardo se refere, de modo pertinente, à necessidade de uma “espiritualidade” que anime toda obra de libertação para que esta tenha “qualidade evangélica” (p. 709-710). Fala-se, todavia, aí de modo abstrato e vaporoso. A espiritualidade aí proposta tem pouco a ver com o Espírito Santo, e a “Luz Santa” que aí se invoca, em termos hegelianos, não remete à clara luz de Cristo, mas, antes, à gnose. Por sua parte, Susin e Hammes reclamam da discussão sobre fundamento qualificando-a de “abstrata” e opondo-lhe os “pobres”, que seriam, essas sim, criaturas de “carne e osso” (p. 291); como se Cristo também não fosse um ser de carne e osso, o “Verbo feito carne”; como se Cristo fosse apenas um princípio de saber, e não antes um Príncipe (At 5,31) para se amar, adorar e servir.
Pobres como questão derivada da questão primeira: Cristo
Como se pode facilmente constatar no Novo Testamento, nos Credos e na grande Tradição em geral, para entrar na Comunidade de fé não se pede, de modo explícito, “opção pelos pobres” ou “empenho de libertação”, pois isso não é primário, mas derivado; não é essência, mas conseqüência. O que se pede, de modo explícito, para pertencer à Igreja é a fé em Jesus, o Senhor, e nos mistérios conexos substancialmente com a fé cristológica, especialmente o Pai e o Espírito, como se observa pela estrutura mesma dos Símbolos da fé.
Quanto aos pobres, esses vêm mais tarde, como desdobramento, de natureza sobretudo ética, do princípio originante da fé, que é naturalmente de tipo dogmático. A “mãe de todas as perspectivas”, em Cristianismo, só pode ser a perspectiva da fé, e da fé cristológica. Dela provêm todas as outras perspectivas: a feminista, a ecológica, a étnico-cultural, a ecumênica, sem excluir naturalmente a liberacionista. Por outro lado, se na confissão cristológica não se fala ainda em pobre, este, contudo, está aí contido de modo virtual, pois, se Cristo é o crucificado, então os crucificados... Nisso não há nada de estranho, pois se Cristo é princípio da teologia, é justamente por ser como que o germe de toda a teologia, inclusive da TdL. Daí se depreende que a centralidade da fé não é excludente de outras questões e perspectivas, ao contrário. Deste modo, uma vez que a fé cristológica é posta no centro, então, também todas as demais questões encontram o seu lugar. Quando o theo- da teologia está firmemente assentado, o pobre também, como assunto e ótica, pode se desenvolver com todo o vigor e amplitude.
Agora, quando uma teologia, na Igreja, não compreende o primado lógico e axiológico do Deus de Jesus Cristo, se autodeslegitima como teologia “cristã”. Construindo sobre o fundamento do pobre e de sua libertação, dará talvez num movimento político, numa Ong qualquer ou numa sorte de “religião do pobre”, e a tanto se reduzirá, mas nunca dará em Cristianismo. Ora, se o princípio-Cristo dá em Cristianismo, o princípio-pobre só pode dar em “Pobrismo”. Do mesmo modo, se do Cristianismo só pode nascer “teologia cristã”, do “Pobrismo” só pode provir “Pobrologia”.
O “retorno dialético” da ótica do pobre sobre a da fé
Que a perspectiva segunda (pobre) possa, em seguida, reagir, por efeito de “retorno dialético” (ou por feed-back), sobre a perspectiva primeira (Cristo), isso não muda em nada a natureza desta última, nem a desloca de sua posição primacial. Sem embargo, Aquino Júnior aventa a hipótese de que, se o “enfoque segundo” “interfere” na positividade da fé, como eu mesmo outrora sustentei, tal interferência deveria produzir, no “enfoque primeiro, “algo de “constitutivo” e não apenas de “consecutivo” (p. 606-7 e 609-11). Eis uma questão que necessita de algum esclarecimento.
Em verdade, se o enfoque segundo “interfere” na fé não é para lhe acrescentar algo de substancial, mas somente para explicitar (clarear, precisar) e confirmar (verificar) a mesma fé, pois tais são, precisamente, os dois efeitos cognitivos que o pobre exerce sobre a fé. Assim, o enfoque dos pobres só pode ajudar a desenvolver as virtualidades internas da fé, nunca criar algo de substancialmente novo. É o que ensina, aliás, a teoria do “progresso dos dogmas”. É verdade que os pobres “conformam” toda a teologia, como quer Aquino Júnior, mas apenas como uma cor que a tinge, não como uma textura que a ela se agrega. Os pobres não podem “fazer a verdade” da fé, mas apenas explicitá-la e confirmá-la, como se disse acima. Sua luz é derivada e, só enquanto derivada, pode se refletir sobre a luz originária e, assim, atiçá-la.
Com efeito, é principalmente o rosto de Cristo que ilumina e revela o rosto do pobre, justamente, como o “preferido de Deus”. Por sua parte, o rosto do pobre também “revela” o rosto de Cristo, mas apenas enquanto lança sobre Este certo matiz, uma “nova cor”, e não enquanto revela novas verdades cristológicas. E não é por causa dessa “nova cor” – a de uma cristologia “de baixo”, feita “à luz dos pobres” – que o princípio-pobre se substitui ao princípio-Cristo ou a ele se equivale. A dialética entre esses dois princípios cabe nesta fórmula sintética: no rosto de Cristo “conhecemos” o pobre e no rosto do pobre “reconhecemos” a Cristo. Assim, quando se trata do “efeito de retorno” dos pobres sobre Deus e Cristo, precisa sempre conter os teólogos apressados, dizendo-lhes: “Calma, gente: a dialética aqui tem Dono!” Como se constata, contra a crítica de que uso apenas uma “lógica linear”, estou aqui admitindo e empregando a dialeticidade lógica, assim como a circularidade hermenêutica, escandidas, porém, sempre por um termo dominante: o que está do lado da fé, e não poderia ser diferente.
O mesmo Aquino Júnior levanta um questionamento afim ao anterior. Ele acha “problemático” afirmar que a fides quae ou a fé-palavra seja o “princípio determinante” da teologia, à exclusão da prática libertadora, argumentando que a prática faz parte “constitutiva” daquela, havendo, entre as duas, certa circularidade, como mostrariam inclusive respeitáveis teorias da linguagem e do conhecimento (p. 611-612). Ele percebeu, com pertinência, que, nesse ponto, meus escritos não são de todo claros, necessitando aqui de alguma explicação.
Continuo, de fato, a sustentar que a determinação última é, sim, a fé-palavra, entendida, porém agora, precisamente como Palavra “de Deus”. Esta é realmente soberana, estando a montante de tudo. Já a fé-palavra “eclesial”, tal o Credo e outras declarações doutrinárias, está à jusante da Palavra de Deus, embora possa estar à montante da experiência da fé e da práxis cristã. Quanto à práxis, sustento também que, se existe uma práxis que seja constitutiva da fé, tal práxis não pode ser a nossa, quer pessoal, quer eclesial, por estar sempre submetida à Palavra, mas só pode ser a “práxis de Deus”, entendida como o agir divino na História da Salvação, o qual, “em íntima conexão” com as palavras divinas, constitui a própria Revelação, como diz e insiste a Dei Verbum (n° 2; cf. 4, 8, 14, 17 e 18). Portanto, mantenho, como sempre, a determinação suprema da Palavra da fé sobre qualquer outra instância, por mais privilegiada que seja, como a dos pobres e da prática libertadora.
De resto, é somente num momento ulterior que os pobres podem ser tidos como locus theologicus. Segundo a metodologia teologia clássica, já formulada por Sto. Tomás (ST I, q. 1, a. 8, ad 2) e desdobrada formalmente por M. Cano, o pobre não pertenceria aos loci proprii (Bíblia com a Tradição), nem mesmos aos loci ex propriis (Padres, Magistério etc.), mas, antes, aos loci extranei (filosofias, ciências, sinais dos tempos, incluindo a realidade dos pobres e de sua libertação). De entrada, em seu estatuto natural, o pobre é realmente “estranho” à teologia. Só se torna “familiar” quando inserido nela pela fé em Cristo. Daí que o pobre é o theologizandum e não o theologizans; e só é o theologizans enquanto o theologizatum, exatamente por efeito do “retorno dialético”. A teoria dos “lugares teológicos” serviu à TdL para encontrar o ponto de inserção do pobre na metodologia teológica, como me advertem Susin e Hammes (p. 292). Contudo, a TdL não atentou para a hierarquia dos “lugares” e para a sua articulação interna, caindo na confusão metodológica em que está metida.
O pobre inclui Cristo, mas Este, antes ainda, inclui o pobre
“A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica”, como se exprimiu Bento XVI na sessão inaugural da CELAM de Aparecida (n. 3). Assim, os pobres estão como que “embutidos” na fé cristológica, embora nem sempre “explicitados” teórica e praticamente. Como estão “embutidos”? Estão-no justamente porque o “pobre originário” é Cristo mesmo, que “de rico se fez pobre” (2Cor 8,9). E é à luz desse “Pobre divino” que todo pobre ganha seu valor mais alto. Cristo é o Pobre que dignifica maximamente o pobre. Portanto, o verdadeiro pobre, o pobre por antonomásia é Cristo. Ele é realmente o Homem da quenose, o grande Rejeitado, enfim, o Crucificado. Isso significa que a questão da pobreza torna-se uma questão teológica precisamente por estar ligada ao mistério da aniquilação de Deus em Cristo. É Ele o validador supremo da dignidade do pobre. Sem tal “dispositivo de validação”, a dignidade do pobre não fica devidamente salvaguardada, nem teórica, nem praticamente.
Como dissemos, Cristo sempre carrega consigo o pobre. Mas o inverso não é verdadeiro: do pobre nem sempre se chega a Cristo. Meus críticos não estão de acordo com isso, afirmando, ao contrário, que o pobre inclui “infalivelmente” Cristo (p. 286: Susin e Hammes; e 706: Leonardo). Aqui é preciso se deter um pouco para clarear os termos da questão. Certo, que Cristo esteja no pobre vale do ponto de vista objetivo, ou seja, na ordem da ontologia da graça (perseguindo os cristãos, Paulo, sem saber, perseguia a Cristo); mas já não vale do ponto de visto subjetivo, isto é, em relação à vivência da fé (perseguindo os cristãos, Paulo nunca descobriu que estava perseguindo Cristo, senão depois que Este mesmo lho revelou). Se o primeiro ponto de vista interessa a Deus e não a nós, já o segundo é o que realmente nos interessa.
Como se vê, na pericórese Cristo-pobre operam duas lógicas: a lógica objetiva (de Deus), e a lógica subjetiva (dos cristãos). Ora, aqui os TdL parecem confundir as duas, alegando que, uma vez que Cristo está “infalivelmente” nos pobres, importa pouco ir a eles tendo consciência disso; basta estar a seu lado para estar ipso facto ao lado de Cristo. Mas é o contrário que é certo: já que Cristo está (objetivamente) no pobre, então devo tomar (subjetivamente) consciência disso e me comportar em conseqüência. Aqui a lógica objetiva funda e justifica a lógica subjetiva. Como se vê, nesse ponto, os TdL laboram em grave equívoco, cuja justificação teológica se encontra na teoria do “cristianismo anônimo” de K. Rahner, assumida pela TdL. Esse equívoco leva a conseqüências pastorais desastrosas: torna irrelevantes a fé explícita, a escuta da Palavra e seu anúncio, a convocação da Comunidade, a confissão pública da fé, a prática dos sacramentos, a oração, em suma, todo regime eclesial, sem ainda falar no regime da Revelação e da Encarnação. A ilustração mais clara dos efeitos negativos dessa teologia equivocada é o “descolamento dos militantes das bases eclesiais”, seguido da perda da identidade cristã, problemática essa de que me ocupei há mais de vinte anos. Acresce que, o agente social, privado de uma fé explícita, funcionando como instância crítica e estimuladora de sua ação, acaba se desfazendo do próprio pobre ou, então, manipulando-o em função da própria ideologia e dos interesses pessoais.
Se tomarmos, contudo, o ponto de vista da lógica subjetiva, a da vivência da fé – que é isso que interessa na prática –, o que vemos quanto à relação Cristo-pobre? Vemos que o pobre só inclui Cristo porque Este foi aí previamente colocado. De fato, por que diabos os cristãos descobrem Cristo nos pobres e não os marxistas e outros filantropos? Os pobres não trazem escrito na fronte: “Cristo”, como os TdL imaginam. Assim, do ponto de vista subjetivo, o da experiência da fé (que é o que importa), é a mais pura verdade que de Cristo se chega necessariamente ao pobre, mas do pobre nem sempre se chega a Cristo. De resto, o próprio Nietzsche tinha reconhecido, com perspicácia, que o mandamento de “amar ao próximo por amor de Deus” constitui uma das invenções morais mais sublimes da humanidade, embora, fosse, para ele, também a mais enganosa. E explica: “amar ao próximo sem o acompanhamento de algum pressuposto que o santifique, não passa de estupidez e de uma brutalidade a mais” (Para além do bem e do mal, § 60). Ora, se isso vale para o amor do próximo em geral, vale, com maior razão, para o amor do pobre. Todo agente de pastoral social sabe por experiência que o trabalho com os pobres é tão desafiador que quebra ou perde qualidade se não é sustentado por uma espiritualidade bem nutrida nas fontes da Palavra e da oração, pois só isso faz com que o pobre se torne diáfano a Cristo, que, entretanto, já está presente nele, ainda que de forma incógnita.
O princípio-Cristo admitido na TdL, mas sem “operar” efetivamente
A questão concreta, no plano do método, não é de saber e admitir que Cristo Senhor é o princípio da teologia, para, em seguida, dar de ombros e continuar fazendo a teologia de sempre. A questão é ver se esse princípio “opera” realmente na prática e no discurso teológicos. Precisa ver se a teologia está impregnada e ao mesmo tempo transformada por este princípio vivo. Não basta dar o princípio da fé por descontado ou, no máximo, proclamá-lo perfunctoriamente. É preciso que ele “trabalhe” realmente, isto é, que informe toda a teologia e que seja como o coração que lateja em todo discurso da fé. Justamente por ser um “princípio operativo permanente”, que anima de dentro tudo na teologia, a fé tem o caráter de habitus teológico, segundo Tomás de Aquino (In Boet. q. 5, a. 4, ad 8).
Mas nos TdL esse princípio parece antes o deus otiosus: recebe as homenagens de praxe, mas não “trabalha”. Se “trabalha”, é mais como recurso apologético (para se defenderem diante de críticas) e ideológico (para justificar a prática de libertação) do que como princípio animador de todo o discurso. Na TdL em geral, confessa-se Cristo Senhor “com os lábios”, mas não se leva muito a sério sua soberania metodológica, enquanto informadora da própria textura do discurso libertador. É, por exemplo, a impressão geral que se colhe de obras coletivas recentes da TdL como Teologia para outro mundo possível e Caminhos da Igreja na América Latina e no Caribe (ambas das Paulinas, 2006). Aí “quem manda” no discurso é a “realidade”, não a fé. Esta aparece aí como recurso argumentativo e não como alma da teologia. O resultado é um discurso sócio-religioso, apenas enfarinhado de teologia.
Em particular, no discurso da pastoral social que se inspira na TdL o princípio-fé é tão pouco marcante que se torna, com o tempo, um tema perdido entre outros. É o que se viu, por exemplo, nos últimos dois Encontros nacionais do “Movimento Fé e Política”. No de Londrina (4-5/12/04) entre as questões a discutir nas plenárias temáticas, só 4 eram diretamente religiosas e éticas, as outras 17 eram sociais, sendo que foi dedicada pouco mais de uma hora de plenarião ao tema “mística e espiritualidade”. No encontro de Nova Iguaçu (1-11/11/07), apenas 7 questões se referiam à fé e ética, sendo que as 20 restantes trataram da problemática social. Em encontros desse gênero, um militante qualquer, mesmo não cristão, sente-se em casa. Não por acaso aí se ofereceu o púlpito a conhecidas figuras da luta social que tinham pouco a ver com a fé da Igreja. Igualmente quanto às CEBs, como adverti em escritos e palestras de uns dez anos para cá, vai-se dando, analogamente à TdL em que se inspiram, o mesmo deslocamento de centro: da vida de fé para o empenho social, de modo que, aqui também, haveria necessidade de um retorno ao centro, por outras, de uma “volta ao fundamento”.
Bastam essas ilustrações para sugerir as conseqüências doutrinarias (ideológicas) e pastorais (sociopolíticas) de uma teologia cujo princípio operante é o pobre e sua libertação, e não, decidida e claramente, o Cristo da fé.
2. A Teologia da Libertação atual continua ambígua
Confirmação da ambigüidade metodológica
O que mostram meus interlocutores em suas críticas? Precisamente aquilo de que neles critiquei: a indefinição e ambigüidade frente à questão do fundamento, ou seja, a indeterminação e confusão em relação ao princípio-Cristo. Assim, longe de refutar, confirmam a denúncia da “ambigüidade nefasta” que atribuí à atual TdL, de modo que dá vontade de escrever no fim de suas contribuições: “como queríamos demonstrar”. A impressão que passam, em suas repetidas críticas, é de aves caídas na rede, que, quanto mais lutam para se libertar, mais se enredam. Daí por que volto aqui à carga.
Não quero aqui afirmar que meus críticos estão equivocados em tudo. Reconheço, antes, que há neles coisas positivas. São, porém, coisas relativas a detalhes, pois, quanto à questão em foco – o fundamento –, sustento que estão enganados. Ou o fundamento é Cristo e o Deus triúno que ele revelou, e então estamos no Cristianismo; ou é outro, e então estamos fora do Cristianismo. Nesse ponto centralíssimo, a autodefesa de meus interlocutores não convence; antes, reforça a crítica de insegurança metodológica e dos graves riscos que aí se refletem ou que daí se seguem.
Como fundamento, meus interlocutores teimam em pôr sempre os pobres, vinculados, é verdade, a Cristo, mas não parecem dispostos a declarar, sem mais, a Cristo como o princípio regente de todo discurso teológico. Também não o descartam, naturalmente, mas temem que, com o primado de Cristo, os pobres sofram prejuízo. Pois, se há uma coisa que os TdL não aceitam é isto: os pobres em segundo lugar. Não, isso nunca! Eles os vêm sempre junto com Deus e Deus junto com eles, sem distinção. O fato é que os TdL não conseguem ou não querem, não digo separar, mas distinguir Cristo e pobres. E, no entanto, no episódio da Unção de Betânia, Jesus mesmo se distingue dos pobres, em favor dos quais, de resto, Judas parecia se preocupar (cf. Jo 12,8). Igualmente, no episódio de Marta e Maria, Cristo distingue a parte de Maria e a parte de Marta, declarando a primeira a “parte melhor”, que “não lhe será tirada”, porque referente ao “Único necessário”, enquanto que a parte de Marta, a da acolhida ao divino Viandante, embora não seja de modo algum desaprovada, vem claramente distinta da outra e posposta a ela (cf. Lc 10,38-42).
Para justificar sua posição metodológica, realmente hesitante, os TdL retomam os argumentos que já se tornaram clichês: que Deus se revelou pelo reverso, que Deus é o Deus dos pobres, que Cristo se encarnou num pobre, que se faz presente nos pobres, que gloria Dei homo vivens, que o bom Samaritano... e então, a grande cartada: o julgamento escatológico de Mateus 25 (lido, em verdade, unilateralmente, como já Sto. Agostinho tinha denunciado e refutado na De Civ. Dei, XXI, 22). Aqui também, o uso da Bíblia e da fé é sempre ad causam, ou seja, é instrumental e seletivo. Para eles não interessam os textos vinculados ao absoluto de Deus, como o primeiro mandamento, o imperativo da adoração, a exigência da confissão pública da fé, a necessidade dos sacramentos, o mandato do anúncio missionário e outros. Não percebem que são precisamente tais textos que têm a virtude, não só de contrapontear os textos tidos por mais comprometidos, mas também de integrá-los e de regular seu uso.
Argumentação dogmatizadora e perpetuadora dos pobres
Se retomamos o arrazoado dos TdL sobre o fundamento, percebe-se que tendem a atribuir ao pobre o papel central ou fundamental da teologia, alegando que isso se dá porque o pobre foi assumido por Cristo. Mas pôr os pobres como fundamento ou princípio significa, de fato, conferir à sua situação social uma legitimação de tipo metafísico, de modo que adquirem o paradoxal estatuto de “pobres para sempre”. É a contradição de pretender libertar os pobres da pobreza (histórica), declarando-os, ao mesmo tempo, princípio (permanente) da fé e da teologia. Mas, então, quando os pobres acabarem como tais, como ficam a fé, a graça, Deus? Perderiam certamente sentido e relevância, como a escada que serviu para subir no muro. É o que parecem dizer os TdL quando declaram que, sem a centralidade dos pobres, “a Igreja e a teologia” correm o risco de se condenarem “à irrelevância histórica e à esterilidade pastoral” (p. 704). Mas aqui se invertem os pólos e se acaba confundindo o papel de Cristo na Igreja com o dos pobres. Pois é certo que, sem Cristo a Igreja perderia sentido, mas não sem os pobres, os quais, efetivamente, esperamos não mais encontrar num futuro próximo, quando nada, no futuro escatológico.
De novo, aqui é o discurso ideológico que está operando, ainda que sob capa de teologia. Pois não é justamente típico do procedimento ideológico “consagrar o existente”? Mas quem quer provar demais, acaba provando de menos. Querendo a todo o custo tomar a defesa dos pobres, os TdL terminam por absolutizá-los, desservindo, assim, sua causa. Deste modo, o equívoco sobre o princípio, em vez de se desfazer, se cristalizou. No lugar de ser pensado criticamente, foi ulteriormente dogmatizado por via da “apologética pobrista”.
A contradição metodológica e outros equívocos
Para provar que os pobres estão no fundamento da teologia, os TdL recorrem ao lugar-comum de sua identificação com Cristo, como faz de modo ilustrativo L. Boff (p. 704-7). Sua argumentação segue o esquema: “pobres, porque Cristo”. O pobre seria princípio ou fundamento porque Cristo ter-se-ia identificado com ele, graças à encarnação. Mas o teólogo cai em flagrante contradição. Não vê que, se o pobre vale “porque Cristo...”, então é Cristo o fundante, e o pobre, o fundado. Retomando: para provar que o pobre é o primeiro, os TdL apelam para Cristo; mas fazendo assim, mostram precisamente que Cristo é primeiro e não o pobre. Eles, contudo, desafiando toda lógica, voltam a repetir: não, o primeiro é o pobre.
O fato é que aí se infringe uma regra elementar da lógica, que diz: o efeito não pode ser maior do que sua causa. Pois, se os pobres são fundamento, como querem os TdL, mais fundamento ainda é Cristo que os fundamenta, sendo este, então, o “fundamento do fundamento”, segundo o adágio: propter quod unumquodque tale, et illud magis (ST I, q. 16, a. 1, obj. 3, passim). Mas eles reagem, dizendo: Isso é lógica aristotélica. Bobagem! Aristóteles nada mais fez que tentar formalizar a lógica mesma das coisas. Sem essa lógica, não se distinguem mais a causa e o efeito, a fonte e o rio, o valor valorante e o valor valorado. Não se vê que o pobre é efetivamente escorado por Cristo, enquanto Este, por princípio, não precisa de escora alguma. Se precisou, é porque livremente quis. Isso em nada altera sua posição de absoluto, nem a ordem ou hierarquia entre Cristo e o pobre, antes, a sublinha. Portanto, é Cristo a “cláusula de validação” do pobre, e não o contrário.
Para justificar a união indissolúvel entre Cristo e os pobres, Leonardo adentra numa reflexão erudita sobre o dogma da encarnação em Calcedônia, sublinhando o aspecto “inseparável” (adiairétos) das duas naturezas. Deixa, porém, sintomaticamente, de falar do aspecto “inconfuso” (asynchytos) (DH 302), quebrando, assim, o célebre equilíbrio daquele Concílio, com sua bela fórmula “união sem confusão”. Mas quando se enfatiza unilateralmente a união inseparável da divindade e da humanidade, cai-se facilmente no confusionismo, identificando divindade com humanidade. Dir-se-á, então, que na encarnação o Verbo “virou” carne (e não que a assumiu) – erro que o mesmo Concílio taxou de “tolo” (anóetos: DH 300a). Mas é exatamente nesse erro, cheirando à heresia, que caiu Leonardo, ao afirmar que “o Filho de Deus deixou sua transcendência...” (p. 704).
Mas a confusão teológica não acaba aí, entrando no campo do método. De fato, Leonardo sustenta literalmente: “Na Suma Teológica Sto. Tomás é cristalino: ‘teologia é o pensar sobre Deus e sobre todas as coisas à luz de Deus’. Tratar-se-ia de um processo único, onde Deus e tudo o que é de Deus gozam de centralidade” (p. 708). Mas Sto. Tomás diz exatamente o contrário: “A Sagrada Doutrina não trata de Deus e das criaturas por igual (non... ex aequo), mas de Deus principalmente e das criaturas enquanto se referem a Deus” (ST I, q. 1, a. 3, ad 1; cf. a. 4, sed c.). Alhures, o Doutor Angélico é ainda mais enfático: “O conhecimento teológico se refere em primeiro lugar e principalmente (primo et principaliter) à própria Realidade incriada; e às criaturas como que por conseqüência (quodammodo consequenter)” (De Ver. q. 14, a. 8, ad 2). Ademais, que o pobre seja um objeto “segundo”, como escrevo, não quer dizer objeto “secundário”, como Leonardo treslê (p. 704 e 709).
Como se vê, querendo salvar a todo custo a unidade Cristo-pobre cai-se em equívocos graves. É que se fez uma crítica pouco meditada. Seu autor não teve a “paciência do conceito”. Ora, em questões tão importantes como a do fundamento, a pressa é fatal. A pretexto de se pronunciar “pelos pobres, contra a estreiteza do método”, atropela autores e conceitos, confundindo rigor com “estreiteza”. Manifestamente, está entre aqueles de que falou Aristóteles, aos quais “o rigor incomoda seja por incapacidade de compreender os nexos do raciocínio, seja pela aversão às sutilezas (mikrologia)” (Met. 995 a 6-12). Mas, como se viu, a questão do fundamento não pertence certamente ao mundo das mikrologias.
A dialética meramente circular
Susin e Hammes igualmente põem, de entrada, como princípio da teologia, a unidade Cristo-pobre. Mas, em vez de articular clara e harmonicamente essa dualidade, contentam-se em justapô-la, afirmando que ambos são princípio teológico. Há que dizer que, de fato, a TdL, desde suas origens, sempre falou assim: os dois juntos. E se compreende: tal posição metodológica é boa como primeiro acesso ao tema. Contudo, não se pode ficar nessa lógica primária e, mesmo, simplória. Entendendo, contudo, dar a tal lógica foros teóricos, a dupla de teólogos gaúchos apela para termos refinados como “dialética”, “círculo hermenêutico” e “pericórese”, dizendo que não importa se o princípio compete a Cristo ou ao pobre, podendo ser ora esse, ora aquele (p. 284-290). Mas, mesmo aí, não se pensa o modo dessa “dialética”: se tem um pólo dominante e qual. Também não se diz como “entrar” no “círculo hermenêutico”, como receita Heidegger. Daí que “dialética”, “pericórese” e “círculo” passam a gerar discursos que giram como rodas no ar. Nesses discursos não se vê uma hierarquia entre os termos a se articular. Os TdL mostram-se avessos a toda “hierarquia”, mesmo no pensamento. Mas, assim, acaba-se com qualquer ciência, ficando impossível distinguir entre princípio e aplicação, entre originário e derivado, entre essência e existência.
É sabido que os TdL não simpatizam com a articulação lógica da relação Cristo-pobres em termos de dois momentos, como um “primeiro” e um “depois”. Para eles, tudo tem que vir junto, indissociavelmente. Nesses mais de trinta anos de teoria e prática da libertação, quantas vezes escutei, pela América Latina afora, esse verdadeiro grito de guerra: “Os dois, os dois junto!”. O grande vilão era o dualismo, a dicotomia, o divórcio, sem perceber que, querendo fugir de um perigo se caia tolamente no outro: o monismo e o fusionalismo. Passe que agentes e militantes caiam nisso, mas não intelectuais que têm a tarefa da reflexão crítica, analítica e articulada da fé.
Efetivamente, como é possível homogeneizar Cristo e os pobres, pondo os dois no mesmo nível, como se fossem grandezas da mesma ordem? Não: Deus é Deus e o homem é homem, também se é pobre. Não há comum medida entre os dois. Antes, entre eles há a “infinita diferença qualitativa” de que falava Kierkegaard e que Barth tomou como fio vermelho de sua teologia. Se relação há, é por pura graça do alto, mas isso não muda em nada a natureza reciprocamente heterogênea dos pólos em questão: Deus continua Deus (mesmo humanado) e o homem, homem (mesmo divinizado). O que muda é apenas a condição de um e de outro. Portanto, dizer que o princípio pode ser, ora Deus, ora o pobre, e que isso não faz diferença, é dialética negligente ou não é dialética nenhuma.
Enfim, é de se suspeitar que, ao dizer que não importa se o princípio é Cristo ou o pobre, mas sim, que não se separe nunca os dois, os TdL confundam “princípio” de conhecimento com “começo” ou ponto de partida meramente prático ou temporal. De fato, o “começo” de um discurso realmente importa pouco, mas não o “princípio” que sustenta e traveja todo o discurso. Por exemplo, no método “ver, julgar e agir”, o “ver” é apenas o “começo”, enquanto o “princípio” está manifestamente no “julgar”: julgar, justamente, tomando a Palavra como princípio de discernimento e de vida.
A estranha lógica da centralidade do pobre
Susin e Hammes, em seu arrazoado em favor da primazia do pobre, argumentam, misturando sempre metodologia e teologia, que, uma vez que Deus se fez pobre, o pobre ocupa o centro: ele é o princípio. Mas não vêem que, assim, o nexo Deus-pobre deixa de ser da ordem da graça (o indevido), para se tornar da ordem da natureza (o devido), transformando, sem perceber, a livre iniciativa de Deus em algo de metafísico e de pseudo-dogmático.
É estranha, em verdade, a lógica que usam: só porque o rei, por pura bondade, pôs o escravo em sua montaria, passam a aclamar o escravo e não, antes, o rei, reduzido a palafreneiro do pobre. Mas a verdade é outra: o pobre na Igreja só é grande porque está sobre os ombros de Cristo. É como Maria, a “humilde serva”, que “magnifica ao Senhor”, e não a si mesma, pelas “grandes coisas” que operou n’Ela. A pericórese Jesus-pobre não se dá por necessidade metafísica, mas por livre e amorosa decisão de Deus, enquanto condescende com o último. Mas, por isso mesmo, Cristo se torna mais ainda digno de exaltação. Esquecer que toda a grandeza do pobre lhe vem de sua relação graciosa com Cristo é “naturalizar a graça”. Então, o mistério da humildade libérrima e graciosa de Deus se torna a ideologia da fetichização do pobre. Ora, só diante de Deus o cristão dobra os joelhos, não diante do pobre, a menos que seja para lavar-lhe os pés, segundo o exemplo do Senhor e Mestre (cf. Jo 13,1-13).
Essa lógica estranha tem ainda outra aplicação, igualmente estranha. De fato, Susin e Hammes afirmam que, já que Deus não é “narcisista” e só quer a glória do pobre, Ele não precisa ser honrado; precisa antes honrar a quem Ele honra: o pobre (p. 287-8). Em resposta, há que dizer, primeiro, que falar de “narcisismo” em Deus não tem cabimento, pois isso é contra sua essência, que é ser amor. Depois, se Deus honra o pobre, não é por não-narcismo, mas pela superabundância de seu amor. Disso não se conclui, como fazem erroneamente os referidos teólogos, que não seja mais necessário interessar-se por Deus; antes, o contrário é que é verdade: Ele deve ser tanto mais amado quanto mais generoso se mostrou em seu amor. Assim o pensou e ensinou sempre a Igreja e assim o viveram os santos. Mas ouve-se agora anunciar esta “boa-nova”: que não precisamos nos ocupar de Deus, mas apenas dos pobres, porque Ele mesmo nos deu exemplo disso. Realmente, um evangelho peregrino!
Nesse tranque, a TdL chega, inadvertidamente, a esta perversão: Deus virou pobre, logo, o pobre é Deus. Operação aberrante, pela qual se ontologiza a relação Deus-pobre, que, de livre e amorosa, acaba se petrificando numa metafísica miserável. Perpetuando-se assim a própria pobreza, consuma-se a ideologização extrema do pobre.
Teologia a que falta a firmeza de seu pressuposto: o ato de fé
De toda essa discussão se depreende, no fundo, esta coisa simples: o que está faltando à TdL é reassentar-se decididamente no fundamento inconteste de toda a teologia, que é Cristo Senhor. Pois, como se viu, o fundamento da teologia não pode ser outro que o fundamento da fé. Mas os TdL relutam em admitir a premissa existencial de toda prática teológica: o ato de fé, enquanto “adesão absoluta ao Absoluto”. É difícil arrancar-lhes isto, que é pré-condição de toda teologia: uma sonora e rotunda confissão de fé em Kyrios. Sempre que são confrontados com tal opção, respondem: “sim, mas...” Para eles, Cristo é fundamento, “sim, mas” só enquanto compreendido na “pluralidade” e confrontado com “alteridades” (p. 284-5). Deus nunca aparece neles em sua unicidade e absolutidade. Para ser crível a seus olhos, Ele tem que vir sempre mediado pelos pobres (p. 297).
Seria preciso aqui ler a diatribe contundente que levantou Kierkegaard no Post-scriptum (cap. “o patético”) contra a idéia de “mediação”, entendida (atenção!) como o “fazer média” com o absoluto, o que seria um modo covarde de atraiçoá-lo. À “mediação”, o filósofo contrapõe a “paixão absoluta”, como requer um “telos absoluto”. Mas os TdL, enquanto consideram os pobres uma mediação incontornável para Deus, cometem dois erros simétricos, igualmente fatais: de um lado, absolutizam o pobre, como se a relação Deus-pobres não fosse livre; e, do outro, desabsolutizam o Absoluto, como se Ele estivesse sempre condicionado ao pobre. Ademais, para os TdL, o Deus bíblico, à diferença do aristotélico, não seria absoluto sem os pobres, não havendo, portanto, entre ambos a dialética “primeiro e segundo” (p. 610-611). Mas como dizer que, entre Deus e os pobres, não há “primeiro e segundo”? Seria preciso lembrar aqui as palavras expressas de Jesus, dizendo que o “primeiro mandamento” é amar a Deus e o “segundo” é amar o próximo (Mt 22,37-39)? Parece, em verdade, que a dupla de críticos entende “primeiro e segundo” como ocorrendo na ordem do discurso ou mesmo do agir; até aí, tudo bem; ou então confundem aquela sucessão com o que acontece na ordem ontológica ou do real, o que já não se pode admitir.
Portanto, a primeira coisa que um teólogo deve dar por assentado, de modo claro e firme, é a profissão de fé no Cristo Senhor. Infelizmente, no discurso da TdL, não ressoa a voz límpida e plenária da confissão cristológica, tal como se manifesta na grande Tradição da Igreja pela voz dos Apóstolos, dos Padres, dos Doutores, dos Místicos, dos Papas, dos Santos e do Povo de Deus em geral, especialmente dos pequenos. Todos eles confessam a senhoria de Cristo firme e jubilosamente e, no entanto, amam profunda e efetivamente os pobres, mas sempre com realismo, sem cair em ingênuas fetichizações.
A inequívoca confissão de fé em Cristo como Senhor se impõe, sobretudo, em nossos tempos de “ditadura do relativismo” (Papa Ratzinger). De fato, nos dias de hoje, Jesus tende a aparecer a título de um nome entre outros, ainda que no topo deles, mas não como o “nome que está acima de todo nome” (Fl 2,9), de que deram testemunho os mártires, os grandes apologetas e os santos em geral. Não que não se deva dialogar com o pós-moderno para apreender dele, sobretudo a se precaver contra o perigo do fundamentalismo. Mesmo assim, o fundamentum da fé, o Theos de Jesus Cristo, precisa sempre ser salvo, pois é ele que tudo salva. Ora, uma teologia que não faz jus ao theo- de seu nome decai ao nível de mera “ideologia cristã”.
Uma problemática semelhante à anterior se refere à TdL entendida como uma “teologia contextual”. Nessa linha, Susin e Hammes insistem em que o “texto” da fé sempre vem dentro de um determinado “contexto” social e histórico, valendo isso inclusive para a Teologia 1 ou Teologia das verdades da fé, cuja pretensão de universalidade questionam (p. 287-8). Que toda teologia seja contextual é verdade, mas só em parte. Ela é, sim, contextual na linguagem, mas, de modo nenhum, na mensagem. Pois a mensagem nuclear do texto sagrado independente do contexto, antes, o transcende por todos os lados. O aspecto contextual de uma teologia só atinge o “corpo” do texto, não, sua “alma”, ou seja, seu sentido ou sua visada intencional.
Essa articulação, que foi bem posta pela Fides et ratio (nº 95), escapou aos meus interlocutores, enquanto colocam praticamente texto e contexto da fé no mesmo plano, tendendo a privilegiar perigosamente o segundo. Os TdL não vêem que a fé, mesmo estando na história, não é da história. Insistindo que a fé se dá sempre num contexto (o que não passa de um quarto de verdade), sem percebê-la em sua essência transcontextual (o que já são os três quartos de verdade), não conseguem justificar sua transcendência e, por isso, também quer a unidade, quer a universalidade da Igreja.
Por que a TdL reluta em admitir sem equívocos a Cristo como fundamento
Insistir que Cristo, com o Pai e o Espírito, é o fundamento da fé e da teologia cristã não é como arrombar portas abertas? Para que toda essa discussão sobre uma coisa tão óbvia e incontestável? Paradoxalmente, há muitas razões para o “eclipse de Deus”, inclusive na própria teologia. Primeiro, porque Deus não é evidente por si mesmo, e é sempre uma luta para o homem sustentar a fé n’Ele, e mais ainda quando se trata da fé revelada, que, de resto, é graça. Depois, o ofuscamento de Deus e de Cristo tem a ver com nosso Zeitgeist: a modernidade, essencialmente imanentista, mostra-se avessa à transcendência. Temos, em seguida, a pós-modernidade, que, em seu relativismo, mostra-se indiferente, se não hostil, a idéias como princípio absoluto e fim último. Por fim, há também o Diabo, que nunca dorme, e tanto menos quanto menos os teólogos nele acreditam. Como se vê, a “obviedade” das verdades fundamentais da fé é uma questão menos intelectual do que existencial.
Mas existe uma razão particular que explica porque os TdL têm dificuldade em colocar, com toda singeleza e clareza, Deus e Cristo como “o” fundamento da teologia. É seu pathos fundamental: a paixão pelos pobres. Temem que, pondo Deus como o fundamento, e não os pobres, estes venham a sofrer uma capitis diminutio (o que não deixa de ser estranho, de vez que o fantasma da “religião como alienação” parece ter sido para sempre exorcizado). O que os move é a indignação ética frente ao drama da pobreza. Por uma espécie de ciúme do pobre, sua teologia reveste muitas vezes a linguagem e até a lógica da paixão. Daí também sua sofreguidão ideológica e seu urgentismo histórico, atropelando as mediações analíticas e mesmo práticas.
Esse atropelo não poupa a lógica mais comezinha. Dane-se o método e viva os pobres! Adianta pouco explicar que Deus é Deus e que o pobre vem depois; que a teologia de Deus é a primeira e que a teologia da libertação dos pobres só pode vir em seguida. Eles não se conformam: os pobres têm que vir antes, ponto e basta. É esse pathos ético e profético que explica, em parte, porque o princípio regente “Cristo” ceda e não opere efetivamente, ou opere muito fracamente nos TdL. O sintoma disso é o fato de que eles falam do pobre num “tom mais alto” do que quando falam de Cristo. Enquanto a paixão pela justiça é neles evidente e vem vazada numa retórica altissonante, a “paixão pelo divino” não apresenta a mesma vibração. Se nos TdL o senso da solidariedade como os oprimidos é agudíssimo, já o senso da comunhão com o Transcendente não tem a mesma intensidade. Foi provavelmente também por “piedade pelos pobres” e por solidariedade com os TdL, tidos como aliados dos pobres, que muitos teólogos pouparam a estes últimos a necessária crítica, sem dar-se conta de que a causa dos pobres não dispensa, antes, exige a luz da verdade.
Caridade, sim, mas também verdade
Na medida em que se consideram os equívocos da TdL como motivados pelo pathos do pobre, os TdL merecem nossa compreensão, mas não a nossa aprovação. Seu amor passional pelos últimos explica, mas não justifica seus equívocos, especialmente em relação à questão decisiva: o fundamento. Parafraseando Paulo, poderíamos dizer deles: “Eu lhes dou testemunho de que têm zelo pelos pobres, mas é um zelo sem discernimento” (cf. Rm 10,2). Querendo exaltar ao extremo a causa dos oprimidos, acabam prejudicando-a. Assim, por excessiva preocupação de aproximar Cristo dos pobres, insistem numa cristologia “de baixo”. Mas, sem o contraponto de uma “de cima”, a TdL acaba empobrecendo a figura de Jesus, enquanto esta, ofuscada em sua divindade, já não corresponde mais à grandeza soteriológica e cósmica que a fé da Igreja lhe adjudica. Aqui, não é só a visão de Cristo que sofre prejuízo, mas, paradoxalmente, também os pobres, enquanto estes precisam de uma cristologia teologicamente mais rica e não mais pobre. Para exaltar os pobres não precisa rebaixar Cristo, como na “teoria de soma zero”. Seria esse um recurso vulgar.
Os TdL acham que fazem favor ao pobre concedendo-lhes a “centralidade régia” do discurso teológico, mas é contraproducente defender a causa dos pobres com razões falsas ou exageradas. Pascal tinha razão: “Nada prejudica mais uma causa do que defendê-la com maus argumentos”. A história cansou de mostrar que uma causa boa, quando absolutizada, só produz desgraça. Foi o caso de todas as ideologias, especialmente do comunismo, que, fetichizando o proletariado, acabou no Gulak. O mesmo Pascal se referia à necessária união, na vida cristã, entre verdade e caridade, seguindo nisso São Paulo, que falava do “fazer a verdade na caridade” (Ef 4,15). Mas os TdL parecem mais dispostos a sacrificar a primeira à segunda, sem perceber, contudo, que sem a verdade não há caridade e nem libertação “verdadeiras”, como Jesus mesmo declarou: “A verdade vos libertará” (Jo 8,32).
Assim também, a causa histórica dos pobres é tida pela TdL em tão alta estima que acaba abalroando a causa de Cristo, provocando a chamada “inversão dos pólos”. Já não é Cristo que confere relevância ao pobre, mas é este Àquele. Assim, a fé ganharia valor enquanto útil para a causa maior: a causa dos pobres. Igualmente, é a libertação do pobre que conferiria grandeza à missão da Igreja e justificaria sua missão no mundo. Contudo, pensar assim, além de significar a admissão tácita da idéia de religio instrumentum regni, redunda em pôr a política acima da religião. Certo, há que ter “paixão pelos pobres”, mas integrada e salvaguardada pela “paixão por Cristo”. Já se sabe: se alguém não ama os pobres será condenado (cf. Mt 25,41-46); mas há que saber também isto: “se alguém não amar o Senhor, seja maldito!” (1Cor 16,23).
Resistências à TdL por conta de sua ambigüidade de fundo
É um fato que a TdL não goza ainda na Igreja de pleno e sereno “direito de cidadania”. Por que sempre de novo ela enfrenta as dúvidas sobre sua legitimidade? E por que as respostas que ela dá, há quase quarenta anos, ainda não se mostram satisfatórias, a não ser para os que se alinham de antemão com ela? Em relação a essa teologia, sempre de novo surgem dúvidas, desconfianças e críticas, que não provêm só dos poderosos, dos reacionários e dos ingênuos, como pensam os TdL, mas das mais diversas categorias: leigos, pastores e teólogos. Por que, pois, as resistências, ainda atuais, a essa corrente?
Justamente, essas resistências têm muito a ver com a falta de base segura e clara da TdL. Há, em especial, a reação sadia do sensus fidei (cf. LG 12), que cheira nesta teologia a presença de “algo de estranho”, como diz a carta aos Hebreus (13,9). Os fiéis sentem aí, por instinto espiritual, que a fé está sendo usada e consumida em função de uma causa mundana, ainda que grande, como percebeu João Paulo II, na abertura de Puebla: “Não nos enganemos: os fiéis humildes e simples, como por instinto evangélico, compreendem espontaneamente quando se serve na Igreja ao Evangelho e quando este é esvaziado e asfixiado com outros interesses” (ap. Puebla 489). Os fiéis não estão dispostos a entregar a figura de Cristo, que é seu bem mais precioso, em troca de qualquer outro valor, seja este a justiça ou a solidariedade com os pobres.
Quanto à problemática do princípio primeiro, quando se consultam os simples do Povo de Deus, para eles é claro: “Deus em primeiro lugar”. Os pobres mesmos jamais acham que estão em primeiro lugar: esse é de Deus, sem contestação possível. Tal é a expressão do sensus fidei, de que é ícone a pia vetula christiana, cuja sensatez espiritual, acerta mais, em relação ao essencial da fé, do que muito homo academicus. Os TdL se comprazem em lembrar que Deus costuma revelar seus segredos aos “pequenos” e escondê-los aos “sábios e entendidos” (Mt 11,25; cf. 1Co 1-2), sem atentar que nessa última categoria podem se achar muitos teólogos. Mas por que, então, os simples, na Igreja, sentem-se perplexos em relação à discussão acerca da TdL, tal a que se leva aqui? Tal perplexidade não provém do núcleo da questão em si, acerca da qual o sensus fidei não os engana, mas do modo complicado com que tal questão é apresentada e conduzida pelos teólogos. Pois é de se temer que, nesse debate, em vez de exercerem a ratio fide illustrata do Vaticano I, os teólogos pratiquem, ao contrário, a fides ratione illustrata dos iluministas setecentistas e, no lugar de fazer “obra de esclarecimento”, terminem produzindo fumaceira.
Agora, em relação à Igreja hierárquica, em particular ao Magistério, sabe-se que a desconfiança contra a TdL é forte. E se compreende, não, contudo, pelas razões institucionais e sociopolíticas que os TdL, de modo estreito e repetitivo, costumam aduzir (cf. p. 290-2 e 702). Não, as razões da resistência da Igreja magisterial em relação à atual TdL são mais sérias e profundas e têm a ver com sua fidelidade a Cristo e ao sagrado depósito que Ele lhe confiou. A Igreja, com efeito, nunca abandonaria o Esposo por outro amante. Se ela ama os pobres, e com amor de preferência, é por causa de Cristo, por reconhecer neles a “figura de seu Fundador pobre e sofredor”, como explica precisa e limpidamente LG 8c, o texto conciliar mais rico sobre a Igreja e os pobres.
Por uma renovada paidéia filosófico-teológica
Para fechar esse exame crítico da confusa epistemologia da atual TdL e antes de entrar na parte propositiva, seja-me permitido acenar, não mais que isso, para uma problemática de fundo que condicionou todo este debate e que se situa, não mais no plano espiritual (o mais decisivo do ponto de vista existencial), mas no plano intelectual (determinante do ponto de vista teórico-teológico). É a questão do lugar da filosofia na e para a teologia. Essa questão fundamental foi posta e inclusive balizada pela Fides et Ratio (1998), mas não teve ainda a devida receptio no campo da teologia e em especial no da TdL.
Esta é uma problemática imensa e grave, que não tem a ver apenas com esta ou aquela questão específica, mas com todo um clima filosófico-cultural, chamado “moderno” e “pós-moderno”. Como se sabe, este privilegia a temática da imanência (centrada nas idéias de sujeito, história, mundo, contexto, concreto, interesse etc.) e se mostra avesso ao pensamento da transcendência (centrado nos temas da verdade, ser, sentido último, felicidade, Deus), tal como se expressou na philosophia perennis. Esse clima filosófico-cultural penetrou largamente na intelligentsia eclesial, inclusive na TdL, independentemente da diferença de posições sociopolíticas, fazendo com que idéias como universal, essência, substância, natureza, fundamento, princípio, finalidade etc. sejam sumariamente liquidadas como abstração, alienação, idealismo, eurocentrismo e outros “ismos”, dispensadores de um pensar mais sério.
Um teólogo “educado” nessa forma mentis e contentando-se apenas com um pensar hermenêutico, já não dispõe de “capacidade metafísica” para articular a contento as grandes questões da fé, sobretudo quando confrontadas dialogicamente com a realidade histórica. Mostra-se igualmente destituído de autêntica “capacidade lógica” para afrontar com sucesso a problemática epistemológica dos fundamentos da teologia, sobretudo quando se apela para certas “lógicas” atuais, como a “lógica do caos”, a do “descontrucionismo” e outras. Afinal, não é qualquer filosofia que serve à teologia cristã. Esta não exige uma filosofia determinada, mas tem certamente “exigências filosóficas”, para lembrar uma obra com esse título de M. Blondel. É sabido: a teologia supõe a filosofia, como a graça, a natureza.
Estamos, pois, aqui diante de toda uma situação de apaideusia, que só será superada com o tempo. Ora, isso só é possível graças à instauração de uma paidéia que, reconectando-se com a grande tradição filosófica, possa entrar em diálogo crítico com as correntes contemporâneas, integrando suas contribuições positivas. Graças a Deus e à visão prudente e longa da Igreja, essa paidéia já está em curso. A própria encíclica Fides et Ratio e os efeitos que está provocando são disso um bom testemunho.
3. Por uma “volta ao fundamento” da Teologia da Libertação
Renovar a TdL, partindo de Cristo, para melhor servir os pobres
Criticar aqui a TdL não significa, de forma alguma, dissociar-se da causa dos pobres. Significa, antes, discutir como tal causa pode ser levada adiante de modo sempre mais consentâneo com a fé. Portanto, se aqui se mantém decididamente a “opção pelos pobres” não é para fazer concessão à TdL, mas é simplesmente para responder aos imperativos da ética e, mais ainda, da fé. A dimensão libertadora é e continua a ser parte integrante ou constitutiva da fé cristã, embora não seja, como repetimos, a parte principal. Por isso, o que está unicamente em discussão aqui não é, de forma algum, a “opção pelos pobres”, mas o “modo” de se viver tal opção: se tem Cristo por fundamento e inspiração, ou se outra coisa.
Ora, nossa posição é uma só: apenas enquanto fundados em Deus, os pobres têm sua dignidade garantida. Ao contrário, destituídos desse fundamento transcendente, eles permanecem expostos às formas mais sutis de manipulação. Portanto, a qualidade e a profundidade da libertação dependem da fundamental referência ou não ao Transcendente. Um amor aos pobres que não parte de Deus, como inspiração, e que não termina n’Ele, como anúncio, deixa a libertação a meio caminho. Deixar de “evangelizar os pobres” (Lc 4,18; 7,22), e isso sem analogia, constituiria mais uma, e suprema, espoliação dos pobres. Na ótica da fé, Cristo não é só a maior garantia da dignidade dos pobres, mas é também “o melhor serviço” que a Igreja pode lhes oferecer, como diz Puebla (nº 1145).
A crítica à TdL, na medida em que repõe Cristo em seu lugar fundamental, fornece as melhores condições de servir aos pobres. A Igreja sempre esteve convencida de que, com uma doutrina não fundada em Deus e no seu Cristo, os pobres não são bem servidos. Se isso vale de qualquer doutrina, vale muito mais para a teologia. Assim, sem um fundamento sólido e claro em Cristo, a atual TdL não serve e não pode servir adequadamente à causa dos pobres. Ora, a TdL, na medida em que é ambígua e confere a centralidade, por igual, a Cristo e ao pobre não contenta nem a um nem a outro: Cristo aí acaba rebaixado a instrumento e o pobre aparece como ideologicamente inflado. Portanto, sem “Cristo na cabeça”, os pobres não ficam bastante a salvo de toda instrumentalização, inclusive de seus autonomeados libertadores. E é também a lição principal que ficou da experiência histórica do “Socialismo real”, que, pretendendo “redimir o proletariado” fazendo a menos de Deus, “provocou um vazio espiritual... que deixou as jovens gerações privadas de orientação”, como diz a Centesimus Annus (24,2) e, além disso, abalou as esperanças dos pobres em sua libertação histórica.
Enriquecer qualitativamente a idéia de pobre
Uma autêntica TdL supõe, não só um novo, e sempre antigo, fundamento – Cristo –, mas também e a partir dele, uma nova visão de pobre e de sua libertação. Leonardo me acusa de ter uma idéia do pobre reduzida ao econômico (p. 707). Penso, ao contrário, que é a atual TdL que tem uma idéia pobre do pobre. De fato, sua idéia de pobre, por mais que se alargue, não supera o horizonte do imanentismo moderno. Mesmo quando dizem que o pobre “revela” Cristo, trata-se sempre do pobre reduzido ao social, destituído de toda subjetividade espiritual. Esta estaria só do lado de cá, isto é, do lado do agente libertador. No fundo, os TdL tratam os pobre como se não tivessem alma e coração e, por conseqüência, privados de toda inquietação religiosa, quando, a realidade mostra o contrário, isto é, que são ainda os pobres materiais os que mais compreendem e desejam a libertação espiritual, como reconhece a Libertatis Conscientiae (nº 22).
Entretanto, os TdL alardeiam uma visão crítica e rica do pobre. Deve-se reconhecer que cresceram efetivamente em sua visão de pobre, mas foi apenas em termos quantitativos e horizontais. Falam, por exemplo, nos “novos rostos” dos pobres, mas situando-os sempre no plano da imanência social, sem chegar a transcendê-los. Não percebem, por exemplo, que os pobres também são afetados por uma horrorosa pobreza antropológica e relacional; mais, que os pobres são pobres também de fé e de graça, e que têm fome não só de pão, mas também de Deus e de sua Palavra. É certo que uma libertação que não chega ao social está “mutilada”, como sempre enfatizou a TdL, mas uma libertação que não chega ao espiritual é pior: está “mutilada de modo irreparável”, como ensina Puebla (nº 485).
Para ilustrar esse encurtamento da idéia de pobre na TdL e na pastoral que nela se inspira, permito-me relatar duas experiências. A primeira se refere a uma ocupação dos sem-terra na região Centro-oeste do Brasil. A igreja local interveio aí, dando aos lavradores cobertura moral e social, e oferecendo os serviços jurídicos da “pastoral da terra”. Três meses depois da legalização do assentamento, vem-se a saber que todo o mundo, ou quase, se tornara “evangélico”. Por que? Simplesmente porque a Igreja católica garantira o social, mas não o religioso. Este, deixado vazio, fora ocupado pelos pentecostais. Menos mal, dir-se-ia com São Paulo, “contanto que de todas as maneiras... Cristo seja anunciado” (Fl 2,18), mas não o foi pela “Igreja da libertação”, o que depõe em seu desfavor.
E agora uma experiência pessoal. Depois de ter trabalhado mais de vinte anos nas favelas do Rio numa linha “liberacionista” e tendo que me transferir para outra cidade, fiz um balanço daquela atividade toda e constatei, decepcionado, que deixava instalados trabalhos sociais de toda a sorte, mas não uma Comunidade cristã realmente consistente. Agora, em meu novo lugar de trabalho, os voluntários da pastoral social não descuidam do trabalho religioso e evangelizador. Depois do atendimento direto aos pobres, realizam com eles uma hora de adoração e louvor, entremeada de catequese. Fazem, assim, jus ao nome do centro social em que trabalham: “Marta e Maria” e mostram que o verdadeiro agente social há de ser uma “Marta com alma de Maria”.
Necessidade de tematizar o “humano” para articular Cristo e pobre
Os TdL acham que basta fazer a ligação pobre-Cristo para se ter uma idéia bastante rica do pobre. Insistem na relação indissolúvel entre ambos. Mas quando se vai tematizar esta relação, percebe-se que nela subentra a mediação “ser humano”. Com efeito, o pobre não se relaciona com Cristo, de imediato, por ser pobre, como parece dizer a TdL, mas por ser um “homem” pobre, ou seja, por ser uma das figuras do “humano”, figura particularmente expressiva e dolorosa. De fato, o pobre só pode ser oprimido por ser um “homem”. “Não se oprime um parafuso” – tinha feito notar Sartre. É, pois, como “pessoa humana”, ou seja, como subjetividade racional e livre, aberta ao outro e ao totalmente outro, que o pobre aparece, e não meramente como um ser econômico e político.
Tomando, agora, a mediação conceitual “ser humano” do lado de Cristo, deveríamos igualmente dizer que Cristo só se relaciona bem com o pobre, não, logo, por Ele ser pobre, como dão a entender os TdL, mas, antes, por ser homem. Efetivamente, a fé na encarnação não diz propriamente que Cristo se fez pobre, mas que se fez homem: et homo factus est. Para aquele que “era de condição divina” (Fil 2,6), a quenose máxima é o fazer-se “carne humana”, mesmo que, por hipótese, fosse sob a forma de um César. Pois, entre Deus e César a diferença é maior (porque qualitativa) do que entre César e um pobre (aí a diferença é apenas de grau). Agora, o “fazer-se pobre” (2Cor 8,9), assim como o “assumir a condição de escravo” e o “tornar-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fil 2,7-8), são apenas aprofundamentos sucessivos da quenose fundamental, a da encarnação. Essa perspectiva, articulada da forma que vimos, caberia na fórmula: “o Verbo se fez homem, e homem pobre”.
É, de fato, pela mediação da encarnação (humanização) que se entende a quenose (empobrecimento) do Filho de Deus. A relação Cristo-pobre não representa, em si, o fundo do mistério encarnatório, como parecem dizer os TdL, mas uma forma específica, sem dúvida significativa, deste mistério. Isso significa que a relação Cristo-pobre situa-se dentro de uma relação mais ampla: a de Cristo-homem, gozando aí o pobre de um status privilegiado, não, porém, exclusivo. Assim, porque mediada pela relação Cristo-homem, a relação Cristo-pobre supera o horizonte estreito em que a põe a TdL, ficando assim imunizada tanto do risco de enrijecimento pseudo-metafísico, ontologizando a pobreza, como de uma compreensão ideológica da “luta de classes”, contrapondo grosseiramente pobre a não-pobre.
Como se vê, não basta a mediação sócio-analítica para articular bem a relação Cristo-pobre, axial na TdL, mas é necessário servir-se também da mediação filosófica, especificamente antropológica; do contrário, a TdL permanecerá caudatária da positividade moderna, enquanto adversa ao pensar “metafísico”, o qual, entretanto, é precondição teórica para um pensar do “sobrenatural”, como mostrou a Fides et Ratio (nº 5, 83, passim).
A atual TdL corre o risco de ficar superada
A questão do fundamento é tão vital que admitir hesitações e ambigüidades em relação a ela já é o início da degenerescência. Como pode uma teologia ir adiante dentro desse nevoeiro? E como pode uma Igreja caminhar solidamente rumo ao futuro com uma teologia tão hesitante em suas bases? De fato, quanto ao fundamento da fé, a Igreja nunca permitiu dúvidas, ambigüidades e sequer sentenças suspeitas e mal-soantes, como se nota pelas “qualificações teológicas” presentes no Denzinger. Na prática, pode-se até admitir certa ambigüidade no plano das interpretações e das estratégias, mas nunca no plano dos princípios primeiros. Se o alicerce de um edifício é inseguro, todo o edifício está comprometido e é declarado “condenado”. Seria prova de imprudência seguir habitando-o.
A continuar como está, destituída de um fundamento garantido, a chamada TdL estará superada, e isso não só do ponto de vista teórico-teológico, mas também do ponto de vista prático-pastoral. De fato, teórico-teologicamente, parece certo que, se o defeito da atual TdL é realmente de raiz, sua continuidade está comprometida. Surge então a pergunta se essa teologia poderá se recuperar, recuperando, sem equívoco algum, o fundamento de toda teologia. Até que a TdL continuar protestando que não precisava se alinhar com os princípios fundamentais da fé, alegando que deles nunca se afastou, ela continuará a perder substância e identidade, até se exaurir por si mesma.
Agora, prático-pastoralmente, a grande pergunta é se essa corrente corresponde ainda ao momento histórico e ao serviço que o pobre hoje exige da teologia. Com efeito, o mundo atual, incluindo aí os pobres, não busca apenas o social, mas também e sobretudo o religioso. O fato é que a TdL realmente existente se mostra descontectada, não só com o princípio primeiro da fé, mas também com as demandas mais agudas do nosso tempo, que são as existenciais, especialmente a busca de sentido. Assim, a libertação que o homem de hoje (e de sempre) mais espera é a libertação do absurdo. Em termos teológicos e retomando as categorias da Libertatis Conscientiae, poder-se-ia dizer que o mundo não busca só “libertação ético-social”, mas também “libertação soteriológica” (n. 23, 71 e 99). Isso vale também para os pobres, de modo que, se a TdL não lhes oferecer esta libertação, eles irão buscá-la em qualquer outro lugar, especialmente no pentecostalismo. Em suma: os pobres querem muito mais do que uma simples humanização sociopolítica e do que uma evangelização meramente analógica: os pobres querem é Deus.
O jovem pós-moderno, em particular, já não tem interesse pelo social, a não ser que o social seja visto à luz do espiritual. De fato, o religioso é atualmente a grande porta de entrada para o compromisso social. Falar, hoje, de “pobre” e de “libertação” não atrai mais ninguém ou quase. O que enche os auditórios é falar de temas relativos à espiritualidade em geral. Agora, caso se consiga mostrar a um jovem “espiritualizado” que a “opção pelos pobres” é coisa da fé, aí, sim, ele será capaz de “entrar na luta”. Mas empurrá-lo para o pobre por injunções morais e slogans políticos redunda em pura perda de tempo.
Refundar a TdL sobre o Cristo da fé, fundamento perene de toda teologia
Seja lá o que for da TdL, o fato é que o drama da pobreza infelizmente continua fazer sofrer milhões, se não bilhões, de pessoas, exigindo um pensar teológico responsável. Por isso, como projeto e processo teórico, “a teologia da libertação é não só oportuna, mas útil e necessária”, como se exprimiu João Paulo II em sua Mensagem ao Episcopado do Brasil em 1986 (nº 5). Ora, a discussão que estamos levando evidenciam a necessidade de “refundar” a TdL. Contudo, “refundação” aqui tem o sentido de “refontização”: volta às fontes da fé, fontes sempre antigas e sempre novas. Daí que a “refundação” aqui proposta não significa trocar de fundamento, mas, ao contrário, repor a teologia sobre seu fundamento de sempre: Cristo Senhor.
Precisamos hoje de mais TdL e não de menos. Mas uma legítima TdL deve ter consciência clara de ser uma teologia parcial, afastando decididamente a pretensão de ser uma teologia “absolutamente total”, coextensiva a todo o mistério cristão. E mesmo como ótica, a TdL é uma ótica particular dentro da ótica maior da fé. Nesse sentido, K. Rahner, em sua carta em defesa da TdL, quinze dias antes de sua morte, em março de 1984, escrevia: “A TdL está consciente de seu significado limitado dentro da globalidade da teologia católica”. Essa teologia precisa estar igualmente consciente de que não é uma teologia “absolutamente nova”, em ruptura com a substância da grande tradição teológica, mas entender-se, sem equívocos, como uma “nova etapa” dessa mesma tradição, como explica João Paulo II no documento apenas citado (ibid.). Desta forma, a TdL será uma teologia que dialoga com outras teologias, quer atuais, quer passadas, respectivamente.
A uma autêntica TdL importa ser deliberadamente “católica”, evitando toda tendência sectária. Seu método, em particular, constitui o “dispositivo social” do “órganon teológico”, sem pretender, de modo nenhum, ser o próprio “órganon teológico” por inteiro. Tal é a nova colocação epistemológica da TdL, que há alguns anos venho postulando, como documentou bem Aquino Júnior (p. 604-5). Se essa TdL pode-se chamar de “nova” não é em referência ao seu fundamento, que é sempre antigo, mas apenas em relação à forma dominante de TdL.
Dois modelos de TdL: açúcar em torrão e açúcar diluído
Uma legítima TdL, que parta de Cristo e se mantenha sempre a Ele vinculada, em vez de tentar pôr o todo da fé no horizonte limitado da libertação social, deve, antes, colocar a esta no horizonte maior da fé. E isso pode se dar segundo dois modelos:
1) Modelo do “torrão de açúcar”. Chamaria este modelo de “TdL temática”. É a forma concreta da atual TdL, cuja articulação teórica foi aqui criticada em base à ambigüidade de seu fundamento. Trata-se de uma teologia especial, que desenvolve a libertação, seja como “tema” específico, seja como “ótica” particular. Se quiser, porém, se legitimar a partir de seu fundamento, precisará manter sempre seu tema e sua ótica firmemente enquadrados no contexto transcendente da fé. É isso que eu mesmo tentei fazer, ao elaborar uma espécie de tratado de “mariologia da libertação” em minha obra Mariologia social. Busquei, inclusive aí, justificar, do ponto de vista epistemológico, aquele novo tratado, inserindo-o na mariologia geral e esta, no horizonte mais amplo da teologia (parte I, cap. 2).
2) Modelo do “açúcar no café”. Esse modelo pode-se chamar de “TdL dimensional”. Consiste em desenvolver qualquer tema teológico, desenvolvendo ao mesmo tempo a “dimensão libertadora” daquele tema, com todas as suas implicações teóricas e práticas. Nesse modelo, a libertação constitui – e basta – uma dimensão transversal de toda e qualquer teologia, de modo que esta acabe tendo, por inteiro, sabor de libertação. Aqui não teríamos mais propriamente uma “teologia da libertação”, mas justamente uma “teologia com dimensão libertadora”.
Preferência pelo modelo de “TdL dimensional”
A última forma, isto é, a da TdL dissolvida como torrão de açúcar no todo da teologia, parece ser hoje a forma mais necessária, por assentar-se de modo mais firme e mais claro no fundamento da fé e por inserir-se decididamente no horizonte maior da mesma fé. Já a primeira forma, a “tradicional”, apresenta-se hoje tão marcada de ambigüidades em termos de fundamento que, se não está irremediavelmente comprometida, só com grande esforço poderá se reaprumar. Em contrapartida, o segundo modelo, o da “teologia dimensional” ou “com dimensão libertadora”, parece o mais promissor, pois aí a TdL emerge mais claramente
como uma teologia conscientemente limitada, e não como uma teologia pretensamente completa;
como uma teologia que prolonga a reflexão social da Igreja na história, e não como uma teologia rupturista frente aos princípios e ganhos daquela larga reflexão;
como uma TdL “integrada” no todo da teologia total, e não como uma TdL “integral” e à parte;
como uma teologia perspectivista, e não como uma teologia completa em si mesma;
como um pensar a “libertação na teologia”, com todo o seu amplo respiro, e não como “teologia da libertação” restrita ao seu tema e à sua ótica.
Objeta-se que, assim, se opõe artificialmente a única TdL realmente existente, que seria a TdL atual, a uma TdL ideal e inexistente, que seria a que estou desenhando. Não é verdade. Reconheço que, mesmo sob a forma “torrão de açúcar”, como é mais conhecida a TdL, existem elaborações autênticas porque claramente fundadas no princípio central da fé, como estou aqui pleiteando, embora não constituam a produção dominante, donde minha crítica presente. É, contudo, sob uma forma menos vistosa, a do “açúcar diluído”, que a TdL hoje mais avança. Essa TdL, que se pode chamar de “dimensional”, está presente em muitos lugares, como:
em boa parte da atual reflexão teológica, em nível mundial, na medida em que está cada vez mais atenta à questão social, sem excluir a “ótica do pobre”;
no ensino social da Igreja, especialmente no mais recente, enquanto incorporou e prolongou o melhor das intuições da própria TdL;
no discurso pastoral da Igreja universal, especialmente na América Latina e no Caribe, sempre preocupado com o social, como se pode ver nos documentos das sucessivas assembléias da CELAM, inclusive da última, a de Aparecida;
no discurso sociopolítico, em fase de crescimento, dos recentes e diferentes movimentos espirituais e apostólicos;
enfim, na linguagem em geral dos cristãos que se conscientizam sempre mais de sua responsabilidade social.
Para se legitimar, esta nova forma de TdL não precisa necessariamente ostentar a etiqueta “TdL”, como se a substância do vinho estivesse no rótulo e não no conteúdo. Basta-lhe praticar efetivamente um discurso libertador de acordo com os postulados da fé e da Igreja.
Antes de terminar, desejo agradecer a meus críticos a oportunidade que me deram de rediscutir e tentar clarear a questão decisiva do fundamento em teologia. Quero, enfim, dizer que minha réplica não tem, finalmente, outra pretensão senão a de contribuir para o proveito dos pobres, a confusão do Diabo e ad maiorem Dei gloriam!


Curitiba, outubro de 2008