O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

19 de janeiro de 2017

Mudança de paradigmas - espiritualidade em transição – Cristianismo em crise

J. Ricardo A. de Oliveira
Fritjof Cappra, autor do livro “O Ponto de Mutação”, alerta para o fato de que as civilizações após um logo período de amadurecimento tendem à estagnação e acabam por entrar em colapso. A História mostra claramente isso e, é neste momento que surge uma outra civilização, com novos valores, novos paradigmas, que gradativamente vai como que substituindo a velha civilização. Isto se dá quando as principais questões já não conseguem ser respondidas pelos meios usuais. A civilização se vê paralisada e sem condições de avançar. São necessárias novas formas de pensar, novas respostas, procedimentos realmente novos que possam atender as novas demandas. A isso se dá, segundo o autor, o nome de mudança de paradigmas. Estas mudanças se dão geralmente em meio a crises. È como um jogo de disputa de forças entre os defensores dos antigos métodos e os que buscam novas alternativas para a solução   dos problemas.


Ao longo da história da humanidade estas lutas são intensas e duram muitas vezes um tempo prolongado, até que o novo paradigma consiga se instalar e mudar o curso da história. Mas enquanto isso não acontece tem-se um período de estagnação, de caos, de sofrimento, de dor e desespero.
O mundo está justamente atravessando esse período e esta situação crítica. Infelizmente ainda não conseguimos superar as polaridades. Ainda estamos vivendo a disputa entre os opostos: Capitalismo X Socialismo, um enfrentamento em que certamente nenhuma das duas formas será a solução definitiva. Por onde quer que se olhe pode-se observar a polaridade, os opostos se enfrentando e produzindo crises e caos. Em todos os campos da vida humana encontramos essas disputas: Direita x Esquerda, tradicionalistas x Progressistas, fundamentalistas x renovados, Bem x Mal,  Luz x Sombra. Polaridades, dualidade em oposição à unidade.  A questão é bem ampla.

Todo este introito é uma tentativa de entender a questão da espiritualidade que também aparentemente está em crise, seja internamente nas religiões ou entre religiões diferentes, neste caso se manifestando como intolerância. Há em nossos dias, um interesse muito grande pela espiritualidade, pelas manifestações religiosas em suas várias denominações. Percebo um sentimento de orfandade de Deus e uma busca espiritual muito grande. Mas as pessoas parece não encontrar o que procuram ou não se satisfazem com o que encontram.
No que se refere ao catolicismo, percebe-se uma crise sem precedentes dentro da própria cúria romana, cardeais desafiando o papa e não se submetendo as decisões do colegiado.
De um lado um papa que pretende restaurar o cristianismo fazendo com que ele retorne a seu eixo principal praticado e pregado pelo Jovem galileu, do outro lado bispos tradicionalistas agarrados aos conceitos pouco familiares a tradição dos apóstolos, mas sacramentados no concilio de Trento.


Na verdade, percebe-se que houve uma grande deturpação ao longo dos séculos da mensagem do mestre. Isso começa quando o movimento “o caminho”, transforma-se na religião oficial do império. De perseguidos passam a perseguidores. São introduzidas inúmeras mudanças e adaptação para que a nova religião oficial e obrigatória do império não fosse tão estranha ao povo acostumado a práticas ditas pagãs.
A  ascensão do cristianismo também  acontece no periodo da invasões bárbatas ao império Romano. Com isso muitas crenças e habitos bárbaros como que vazaram e foram absrvidos pelo cristianismo nascente. Começa então um processo de "paganização". As antigas comunidades começam a ter que se organizar.  De comunidades auto-céfalas que se reuniam em concílios para dirimir dúvidas, as “igrejas” passam a ter uma "sede" e a se submeter à autoridade da Sé Romana.


Há uma crescente exigência por doutrinas e liturgias, o que vai acabar por exigir a presença de coordenadores, “sacerdotes” para oficiar e controlar que as doutrinas seja, respeitadas. Numa mistura de judaísmo e paganismo romano, faz-se então uma gradativa mudança. O pão que anteriormente era partido nas casas, como se lê no livro de Atos dos Apóstolos, passa a precisar de um sacerdote que oficie e faça a transubstanciação, coisa bem pouco pr´xima dos habitos das primeiras comunidades cristãs.
O povo reunido, antes tido como corpo e presença real do Cristo, dá lugar ao pão e vinho transubstanciados em corpo e sangue. A presença mística transforma-se em presença real e o povo passa então a ser presença mística. Os batizados, antes tidos como sacerdotes passam a ser “leigos”, agora perdem lugar para os ordenados, e só eles podem fazer o milagre da transubstanciação, criando assim um grupo de elite.

 
Mudam-se as práticas e as orações, estabelecem-se regras. O Ágape fraterno e a ação de graças (Eucaristia) transforma-se em sacrifício do cordeiro imolado, a despeito de Jesus ter afirmado que já bastava de sacrifícios.
A construção do Reino, “o Caminho” dá lugar a uma religião e a uma instituição, que gradativamente passa a ser mais importante até do que seu fundamento: O Cristo Jesus.
Aquilo que Jesus veio trazer, a introdução de um novo paradigma, que fizesse frente à violência, à sede de poder, e ao desamor de Judeus e Romanos, aos poucos vai se deteriorando. É curioso como uma nova maneira de se relacionar com o criador, com o Abah, com aquele que Jesus nos ensinou a ver como um pai, que não habita em tendas nem em templos feitos por mãos vai assumindo e se tornando uma regra. Jesus não precisava e não precisa de templos, sacerdotes, de doutrinas, de doutores da Lei e muito menos de imperadores, mas aos poucos é essa a nova realidade de um cristianismo que aos poucos vais se distanciando de suas origens. Uma hierarquia é criada com padres, bispos, arcebispos, papa, templos, catedrais...
 Mas o que é mais triste, “o caminho”, aquilo que Jesus veio nos trazer e comunicar da parte do Pai, ensinando que os últimos serão os primeiros, que não deveria faltar a uns o que sobra a outros, que a regra máxima e única é o amor, se desfez, dando lugar a outras “crenças”.
 Se o filho do Homem não tinha nem onde recostar a sua cabeça, com que justificativas foram construídos templos e as catedrais, para manter Jesus trancafiado em um cofre de ouro? Como se justifica tanta adoração e tanta pompa para alguém que disse com todas as letra que NÃO VEIO PARA SER SERVIDO E SIM PARA SERVIR?


Aquele grupo de homens e mulheres que pretendia a transformação do mundo através do amor, do perdão e do serviço, acabou se transformando em um império, com corte, palácio e até um imperador. Olhar para isso hoje, ver as pressões que o atual papa está tendo que enfrentar, por defender um retorno às origens do cristianismo verdadeiro é desanimador.
Tenho a impressão de que a humanidade foi enganada por muitos séculos. As estratégias de dominação engendradas por aqueles que adulteraram a mensagem do Mestre vem sobrevivendo durante esses quase dois milênios, . Não seria demais afirmar que me sinto profundamente enganado e ludibriado, revoltado por ceder às estratégias que implantaram na vida de tantos o medo e a culpa.
 Olhar para isso em perspectiva faz com que a instituição que se fez maior e mais forte  que seu fundamento desaba no meu conceito e me traz uma estranha sensação de orfandade. Talvez seja este o maior dos pecados cometidos contra o Espírito Santo.
Práticas religiosas, dogmas, conceitos de pecado, mal, inúmeros deveres e um incentivo à baixa autoestima parece estar mais presentes no discurso e na pratica da instituição, do que as importantes mensagens de despego e libertação que o Mestre não cansava de ensinar. Uma instituição que diz se basear na escritura e na tradição. Mas cuja escritura parece sofrer uma censura e, enquanto alguns trechos são super valorizados outros são simplesmente como que omitidos. Como entender que algumas abominações do Levitico sequer sejam levadas em consideração, como “raspar a barba”, “usar roupas com mais de um tipo de tecido’, “comer frutos do mar”, enquanto outras são super valorizadas, como a condenação das relações homoafetivas. Qual foi o critério para estabelecer as relevâncias? Como respeitar e defender tanta incoerência como palavra inspirada?
 E a tradição? Qual tradição? Aquela das primeiras comunidades apostólicas, ou a tradição inventada que adulterou as práticas dos primeiros cristãos? Onde encontrar semelhança da igreja de hoje com a descrita nos Atos dos apóstolos?
 É como se o antigo paradigma, anterior a Jesus, tivesse ganho a batalha e novamente assumido o controle.  Os acontecimentos recentes nos permitem ver a prática da “Lei de Talião” em franca utilização. É o velho paradigma se fazendo presente. Por outro lado pode-se  perceber claramente como que um país poderoso age como a velha Roma, querendo dominar todo mundo.
A igreja católica ao longo dos séculos supervalorizou o sacrifício, o sofrimento, o medo, a culpa, a desvalorização do homem, muitas vezes sugerindo sua pequenez, quando está dito que ele foi feito à imagem e semelhança de Deus.  Onde foi parar a afirmativa de Jesus de que não veio para os sãos e sim para os que estavam necessitando de salvação. De onde vem a ideia de que para receber Jesus é preciso estar em estado de graça?
 Será que a mulher adultera estava em estado de graça quando Jesus se deu em comunhão e a livrou do apedrejamento? E a Samaritana e seus cinco maridos? Será que Ele não se deu a ela em comunhão, tanto como a qualquer um de nós quando o recebemos na hóstia consagrada? E o efebo do centurião Romano que ele curou em uma só palavra? Será que um efebo para os atuais “doutores da lei” estaria em “estado de graça” para receber a cura?
 Porque manter e supervalorizar a pratica da confissão auricular? Não me conste que Jesus pedisse a alguém que confessasse seus pecados antes de curar. O movimento de arrepender-se é interno e não algo que alguém de fora possa comandar. Ainda mais que esta prática controladora foi implantada 600 anos após a ressurreição. É desesperador pensar que um papa é visto como ameaçador por defender aquilo que Jesus viveu em seus dias na terra. É perfeita a informação de Francisco de que a igreja não pode ser a “alfandega de Deus”. Quantos perderam a fé, quantos abandonaram o caminho, depois de serem condenados peo nesta “alfandega”.
O mundo hoje vive uma ausência de Deus, a saudade de um Deus que se fez presença e anunciava a misericórdia e o amor.
Nossa nação Brasileira, prometida como “Coração do mundo” e “Pátria do evangelho”, parece que foi sequestrada de sua sublime missão. É uma verdadeira abominação que governantes que se dizem cristãos, ajam na contramão daquele que em sua passagem pela Terra optou por libertar os pobres e excluídos das garras dos poderosos que os oprimiam e os mantinham presos à penúria e à miséria, que agem na contramão de um Jesus que se colocava contra os poderosos do império de Roma, os doutores da Lei e a hierarquia Judaica. Um Jesus que escolheu viver entre os excluídos, os pobres, prostituas e os banidos pela sociedade. Tem-se a impressão de que esses senhores seguem um outro Jesus completamente diferente daquele descrito nos evangelhos.
Acho que até consigo entender porque a instituição mantém Jesus trancafiado em um cofre, acho que tem medo que ele saia e volte a fazer o que fazia há dois mil anos atrás.
Tenho a impressão de que quando se faz o silêncio necessário, quando nos colocamos meditativamente na escuta, podemos ouví-Lo criticar os sepulcros caiados, as víboras e os fariseus hipócritas... porque eles continuam em sua ânsia louca de dominar e controlar tudo.
Quem tiver a percepção aguçada há de perceber os lamentos de um mundo em dores de parto. Há um nascimento cujo parto parece bastante difícil. Os novos paradigmas precisam vir à luz e mudar o rumo da história, mas até que se consiga vencer a dualidade, a fantasia da separatividade e o medo da fusão com a consciência cística, ainda estaremos sofrendo com as contradições.
Que consigamos seguir como a mãe parturiente que embora sofrendo, se alegra com  a perspectiva da chegada do “novo”. Que aqueles que já entenderam a importância de orar, no sopro e na atenção, consigam manter a sintonia com o sublime criador e se tornem canais da grande mudança e não cansem de repetir o mantra: “ Maranatah” (vem senhor Jesus!)  
Certamente que Ele virá. Não como anunciam os usurpadores da fé. Ele sabe que se vier como na primeira vez, será outra vez preso e assassinado. A nova vinda será certamente será da forma que Ele ensinou à Samaritana a orar e adorar: em espírito e em verdade, em pneuma e alethéia, no sopro e na atenção. Ele vira e fortificará a sua presença nos nossos corações. 



Não esperem uma vinda espalhafatosa, com efeitos especiais nos céus. Não ! Isso não é do feitio dEle, mas do feitio dos usurpadores da fé. Ele vira preservando aquilo que pregoum a humildade, a simplicidade. Ele não vira como o mundo acha que seria a vinda de um rei, de um Deus. Ele sempre se fez pequeno para caber em nossoscoraçoes e porque se reconhece um com o Pai. A sua vinda será o despertar das qualidades adormecidas que ele nos ensinou há dois mil anos. No silêncio, reservadamente, como Ele ensinou que deveríamos orar ao Pai.
Aqueles que ao longo de suas existências o tem procurado imitar, aqueles que tem se esforçado e silenciado para ouvir o que Ele tem a nos falar, a estes está reservada a dádiva d e sua segunda vinda. Ele virá e então compreenderemos o que é ser UM com o Pai.
Enquanto isso, no silencio, na atenção na sintonia do sopro:

 Maranatah !

5 de janeiro de 2017

Entrevista com Jean Yves Leloup

http://www.oracaodejesus.com/textos-entrevista-com-jean-yves-leloup.html




Padre ortodoxo e pessoa de intensa vida espiritual, Jean-Yves Leloup diz em entrevista exclusiva que o ser humano pode ser um pacificador num mundo em guerra, mas precisa, primeiro, investir na busca da paz interior e na entrega e confiança em Deus.

Todas as vezes que vem a Brasília, o padre ortodoxo francês Jean-Yves Leloup hospeda-se na casa de seu velho amigo, o psicólogo e reitor da Universidade da Paz (Unipaz), Pierre Weil. Anualmente, Leloup vem à capital para proferir seminários organizados pela Unipaz.
Trajando vestes claras, este homem de 57 anos de idade e 35 anos de sacerdócio, com formação em Psicologia Transpessoal, Filosofia e Teologia, tem, como sua referência de vida, o Ser, que encontra-se presente no interior de cada homem que busca a paz e o sentido da vida. Ora, o Ser é, nada mais nada menos, que uma das várias alcunhas pelas quais ele denomina Deus. Leloup refere-se à Suprema Divindade de diversas formas, com reverência surpreendente: Clara Luz, Pura Consciência, Consciência Absoluta, Ser Essencial, Absoluto.
Autor de 43 livros, entre eles Terapeutas do Deserto, A Arte de Cuidar e a autobiografia O Absurdo e a Graça, Leloup também traduziu e comentou os evangelhos de Felipe, de Tomé e de Maria Madalena, considerados apócrifos na tradição cristã. Sua fé em Jesus Cristo não o impede de ter um profundo respeito por outras crenças, numa postura claramente ecumênica. Ele é pertencente a uma corrente espiritual da ortodoxia cristã, chamada hesicasmo, que, em grego, significa: calma, paz, tranqüilidade e ausência de preocupação. O sacerdote hesicasta procura devotar sua vida ao recolhimento interior e à oração.
Nesta entrevista ao Comunidade VIP, Jean-Yves Leloup revela como descobriu a espiritualidade em sua vida e mostra que a busca pelo aperfeiçoamento interior é a chave para pacificar as “guerras” que cada um trava em seu cotidiano.
Como descobriu a espiritualidade?
Nasci numa família de ateus. Tive formação muito racionalista. Saí da casa de meus pais para conhecer o mundo. Com apenas 19 anos, fiquei muito doente em Istambul (Turquia), em decorrência de uma comida estragada. E ali, naquela cidade, vivi uma experiência impressionante. Fui declarado clinicamente morto e até quiseram me enterrar. Quando voltei ao meu corpo, comecei a me interrogar: “O que não morre, quando todo o resto morre?”. Há o momento em que o pássaro sai da gaiola, e também há o momento em que o vôo sai do pássaro. Nesse momento em que o vôo sai do pássaro, tem um instante de luz e de presença que permanece. Em Istambul, encontrei o patriarca Atenágoras, da Igreja Ortodoxa, que me levou até um ícone do Cristo. Ao lado desse ícone estava uma inscrição em grego, que dizia “Eu Sou”. Naquele momento, o “Eu Sou” não eram meras palavras, mas o que eu tinha acabado de viver, durante a morte clínica. E foi a partir desse momento que me interessei pelo Cristianismo.
Nas chamadas “experiências de quase morte”, há relatos de pessoas que vêem um túnel de luz ou imagens referentes a sua crença. O que o senhor viu, naquela hora?
Vi apenas a vastidão, pois meu inconsciente não guardava nenhuma imagem religiosa. Foi até normal não ter visto nada. Senti apenas o espaço que contém todas as coisas. É como se estivesse vendo o dia, ao invés das coisas que aparecem no dia. E o dia permanece. Em latim, a palavra “dia” quer dizer dies, que, por sua vez, significa Deus. Essas palavras têm a mesma raiz, no latim. Então, ver o dia é ver Deus.
Após o encontro com Atenágoras, o que ocorreu?
Fui para o Monte Athos, na Grécia. Lá, encontrei a tradição cristã-ortodoxa, as raízes do Cristianismo. Para mim, ele é a síntese entre o interior e o exterior, entre os lados material e espiritual. São duas coisas que não podem ser separadas. É a síntese da encarnação. O visível e o invisível devem ser mantidos unidos; a eternidade e o tempo; o finito e o infinito. Precisamos sair da dualidade.
Como surgiu a vocação para ser padre?
Quando descobri Cristo, ao invés de ser apenas um professor de Psicologia e Filosofia preferi ser também padre, onde pude transmitir também essa dimensão espiritual. Não apenas de ensinamentos intelectuais, mas também através da prática, de forma a levar a transformação interior ao ser humano.
Como descobriu a Unipaz e conheceu Pierre Weil?
Na França eu era diretor de um centro internacional chamado Sainte Baume. Convidei Pierre a visitar o local e a participar de colóquios sobre Psicologia Transpessoal. Foi em Sainte Baume que concretizamos a visão da Universidade Holística Internacional, cujo princípio é o de uma educação que leve em conta todos os componentes do ser humano: físico, afetivo, emocional, religioso e intelectual.
O que recomenda para desenvolvermos a paz interior e sermos também pacificadores?
A primeira coisa é descobrir a paz interior. É importante, nesse aspecto, cultivar práticas que acalmem a nossa mente, pois é aí que residem todas as espécies de medos e resistências. Na prática hesicasta do cristianismo ortodoxo damos muita atenção à respiração, pois, quando ela está calma, a mente encontra-se calma também. Nessas condições, podemos encontrar esse lugar de paz dentro de nós mesmos. Mas tudo isso ainda são práticas externas. Talvez o mais importante seja o abandono, não tentar controlar nada. Devemos confiar no Ser Essencial que nos ajuda. E é nessa confiança, nessa fé, que descobrimos um centro que nos ajuda a atravessar as dificuldades da existência. Uma vida que não tem sentido é uma vida sem centro. Podemos fazer as mesmas coisas estando centrados ou não. E aí a gente consegue observar as diferenças.
A prática hesicasta é semelhante à meditação oriental?
Sim. É o mesmo princípio, porque o ser humano é igual, não importa onde esteja. A respiração não pertence a nenhuma religião em particular. E a luz também. A abertura do coração também pertence a todos. O ser humano está em busca da verdade, não importa se ele está no Oriente ou Ocidente. Ele está orientado em direção a esta mesma realidade. No evangelho de São João está escrito que o Verbo, o Logos, é aquele que esclarece e ilumina todo homem que vem a esse mundo, não apenas os cristãos.
Ultimamente, surgiu uma onda de livros em defesa do ateísmo, vindos de autores como o biólogo inglês Richard Dawkins e o jornalista inglês Christopher Hitchens. O que acha desse movimento?
Depende de qual imagem de Deus estamos rejeitando. Em nível psicológico, muitos ateus estão rejeitando aquilo que eles viveram no passado. Mas o Deus que eles estão rejeitando muitas vezes não tem nada a ver com o Deus verdadeiro. É, simplesmente, uma certa imagem ou representação divina que eles estão rejeitando. A questão é o que fazer com a religião, Deus e a razão. Com a mesma flor a abelha pode fazer o seu mel e a vespa pode fazer o seu veneno. E a culpa não é da flor.
O livro O Segredo, de Rhonda Byrne é um sucesso de vendas, ao relatar como funciona a chamada Lei da Atração. Como o senhor conceitua esse fenômeno?
O poder mental é algo conhecido há muito tempo e depende basicamente do que pensamos. Um antigo provérbio diz que, quando Deus quer punir alguém, Ele cumpre todos os seus desejos. Na realidade, não sabemos o que é verdadeiramente bom para a nossa vida. No filme O Segredo, um menino consegue a bicicleta vermelha que ele tanto desejava. Mas depois não é dito que ele pode ter tido um acidente com aquela mesma bicicleta. Da mesma forma, alguém que obtém uma casa imensa, enorme, pode ser, à primeira vista, maravilhoso. Mas depois, o que ocorre naquela casa pode ser algo muito destrutivo. Essa prática é muito superficial, porque, na verdade, a questão é saber o que é realmente bom para o ser humano.
Então, como devemos pedir o que queremos?
Temos nossos próprios pensamentos e desejos, mas devemos colocá-los nas mãos de uma Vontade maior. O Pai-Nosso diz: “Que seja feita a Vossa Vontade”. Eu quero isso, mas será que realmente será bom para mim? Que seja feita a vontade da Vida. Que seja feita a vontade do Amor. Que muitas vezes nossos desejos são egoístas e esta é uma maneira de colocarmos nosso ser dentro de um Ser Maior. Eu tenho o poder do pensamento, mas devemos também confiar numa força maior, mais elevada.
Ou seja, é uma entrega a Deus?
É um abandono, uma entrega, uma confiança em Deus.
Os anjos são referências constantes nos textos bíblicos, inclusive no episódio da vinda de Jesus. Qual o papel desses seres na nossa vida?
Da mesma forma que entre o ser humano e a matéria existem mundos intermediários, o vegetal e o animal, entre o ser humano e a Clara Luz, a Pura Consciência, também existem níveis de consciência intermediários. Os anjos são esses planos de consciência, esses níveis de ser que podem fazer esse elo entre a consciência ordinária e a Consciência Absoluta. Muitas vezes somos mais inteligentes do que a inteligência que temos, como se nossa consciência entrasse em contato com uma de âmbito mais elevado. E é isso que chamamos de anjos. Num nível mais humano, o anjo também pode ser um mestre interior, uma voz que nos guia. Ou seja, é nossa inteligência que está aberta a uma dimensão mais ampla.
Existem anjos da guarda, na sua concepção?
Cada ser humano tem uma maneira particular de entrar em relação com o Absoluto. E é essa maneira particular que chamamos de nosso anjo. Isso tem relação com o Absoluto, o Infinito Real. Quando a gente está nessa abertura, inteligência e fé, certas manifestações nos mostram que estamos acompanhados, guiados. A gente pode chamar a isso de anjo da guarda. Em outras tradições, recebem outros nomes. O importante não é o nome que damos, mas a realidade que está por trás das experiências que vivemos. A tradição cristã diz para não idolatrarmos esses mundos intermediários. E hoje em dia muitas pessoas tomam experiências do tipo psicológicas por experiências espirituais, e experiências do mundo intermediário como experiências do mundo absoluto. A gente deve colocar cada coisa em seu lugar.
É difícil diferenciar uma coisa da outra – o intermediário e o absoluto?
Não, não é difícil. Aquilo que faz parte do mundo intermediário faz parte do mundo terreno. São coisas que passam. São coisas emotivas, intelectuais, mas fazem parte do mundo mortal. O mundo do Absoluto está além do tempo. É aquilo que não conseguimos agarrar ou compreender, que a gente não consegue reduzir a nossas pequenas experiências.
As religiões cristãs em geral são caracterizadas como dogmáticas. Como funciona essa questão para você?
Na origem, o dogma era um paradoxo. Era algo feito para despertar a consciência para além do funcionamento binário do cérebro. Por exemplo, o dogma que diz que Cristo é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus tem o sentido de ultrapassar, ir além da consciência ordinária. O dogma então é um pouco como o Koan, do japonês. Ou seja, um paradoxo que nos ajuda a ir além da razão, mas sem perder a razão. Mas hoje em dia o dogma é confundido com dogmatismo, que significa obrigar alguém a acreditar em algo. Isso é destrutivo. O dogma, na realidade, foi criado para que saíssemos do dogmatismo. É um convite para que verifiquemos se isto é verdade.
Poderia deixar uma mensagem de Natal?
Pouco importa se Cristo nasceu há 2 mil anos, se Ele não nascer hoje, no interior de mim mesmo. O Natal é o momento onde podemos aceitar o nascimento do Ser no interior de nós mesmos, para o nosso bem-estar e o bem-estar de todos.
Devemos lembrar que somos poeira e ao pó retornaremos. A meditação diária sobre essas realidades tem sido sustentada pelos Padres do Deserto como essencial para a vida espiritual e como um meio de evitar o pecado; mas sobretudo como forma de atender às palavras de nosso Senhor, que nos adverte que não conhecemos nem o dia nem a hora. Aqui está a reflexão de um homem bem formado na sabedoria e tradição dos Santos Padres:

"Nunca devemos nos privar da contemplação da morte ou destas meditações... Todas estas contemplações criam vigilância na alma e purificam a mente... Essa contemplação é uma barreira para os maus pensamentos... Quando essa contemplação espiritual está dentro de nós, fechamos as portas aos maus pensamentos... Não deveriamos nunca parar de nos Lembrar da Morte. Os Santos Padres disseram que eles não foram dominados pela negligência em suas celas, porque traziam a Lembrança da Morte diante de Si, noite e dia. Os Padres continuamente pensavam: "Se hoje ou amanhã for o meu último dia, o que devo fazer?". Desta forma, essa Lembrança mantinha a mente no temor de Deus, e o temor de Deus iluminava sua consciência. O que virá com mais certeza do que a morte? É a coisa mais certa que cada pessoa encontrará... Devemos manter a Lembrança da Morte viva dentro de nós constantemente, para que, por meio desta lembrança salvífica, possamos evitar a morte da alma... Comprometa-se violentamente, diz o Senhor no evangelho, pois você não sabe quando o Noivo da vossa alma vos visitará, e ai daquele que Ele achar indolente e negligente da sua salvação: A verdade de Deus soa como uma trombeta de poder e diz: "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade!" Pois, que aproveita o homem se ganha o mundo inteiro e perde a sua própria alma, ou o que dará o homem em troca da sua alma? Lembre-se do seu fim e não pecará pelos séculos. "As riquezas não permanecem, a glória não acompanha ninguém ao outro mundo, porque quando a morte vem, todas estas coisas são obliteradas." Eis a verdade, que esmaga a mentira... Quando visitarmos nossa morada final, nossa sepultura, veremos com nossos próprios olhos toda a vaidade do homem, como fez Abba Sisoes quando viu o túmulo de Alexandre, o Grande, e clamou: "Ai, ai, ó morte! O mundo inteiro não era grande o suficiente para ti, Alexandre." Como então te encaixaste em dois metros de terra agora? "Minha criança, tenha cuidado com este mundo que é como um teatro. Pessoas ignóbeis no palco do teatro usam roupas de reis, magnatas, etc. e parecem ser diferentes do que realmente são e enganam o público. Mas quando o show acaba e eles tiram suas máscaras, então suas verdadeiras faces são reveladas".  (Élder Efraim - Conselhos da Montanha Sagrada)