O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

30 de maio de 2012

''O verdadeiro problema é a clericalização. Voltemos ao Concílio e à colegialidade''

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/509992-o-verdadeiro-problema-e-a-clericalizacao-voltemos-ao-concilio-e-a-colegialidade

Não parece tão surpreso o vaticanista e escritor Gian Franco Svidercoschi com osescândalos vaticanos. Mas certamente decepcionado. O ex-vice-diretor doL'Osservatore Romano é o autor de um livro – Mal di Chiesa. Dubbi e speranze di un cristiano in crisi – que tem provocado muita discussão.

A reportagem é de Roberto Monteforte, publicada no jornal L'Unità, 28-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.




Eis a entrevista.

A dor e a degradação que o senhor denunciou têm a ver com os fatos de hoje?


Diante do que está acontecendo, o meu livro parece ter sido escrito por uma noviça. A crise que a Igreja atravessa é muito mais grave até mesmo do que aquela imaginada pelo próprio pontífice, que convocou para setembro próximo o Ano da Fé. É verdade que estamos diante de uma crise da fé. Mas esse é o resultado final de muitas coisas. Não só de crises individuais. Na Igreja, certamente há também uma crise de estruturas, uma crise de projetos e principalmente de liderança. Muitas coisas têm acontecido nos últimos anos para não pensar que aqueles que tinham que suprir um papa idoso, que preferia se dedicar à pregação e à escrita, tivessem que fazer funcionar a máquina da Cúria. Não foi assim. Nos últimos tempos, a Secretaria de Estado parece ter assumido uma autonomia e uma predominância excessiva...

Explique mais...

Olhemos para os dois últimos consistórios, ambos realizados com o cardeal Bertone, secretário de Estado. O seu parecer indubitavelmente pesou na escolha dos cardeais. Mais de 40% dos nomeados são italianos, e 50% são daCúria Romana. Foi a subversão do rosto do colégio cardinalício que elegeu a papa o cardeal Joseph Ratzinger, em que os europeus não tinham a maioria. Agora, ao invés, voltaram a tê-la. Na última rodada de nomeações, não houve nenhum novo cardeal africano. E depois as lutas pelos grupos...

A que se refere?

Eu não acredito que o mordomo do papa assumiu sozinho a responsabilidade de trazer à tona os documentos. Até porque não podia chegar sozinho a todos os documentos vazados. Depois, porque me parece excessivo pensar quePaolo tivesse um amor infinito pelo papa e, com esses vazamentos de documentos, pensasse em atacar os supostos inimigos do papa. Deve haver alguém por trás disso. Essa é a demonstração da queda da liderança da Igreja, antigamente conhecida como o centro de uma grande diplomacia e de governo. Agora, são esses os homens que chegaram ao poder. E não é à toa que os dois últimos pontífices condenaram explicitamente, mais de uma vez, o carreirismo. É o sinal de que, entre a hierarquia, o carreirismo exagerado está presente, com um subgoverno que, talvez para agraciar um "chefe" ou outro, chega à guerra de grupos da qual estamos vendo os resultados.

Com quais objetivos estariam agindo? Os efeitos são devastadores para a credibilidade da Igreja.

Há a pobreza de visão dessas pessoas. As gafes em que, para sua infelicidade, Bento XVI incorreu põem em causa a Secretaria de Estado. Na Cúria, há quem pensa em criar "territórios privados" reservados aos italianos. Foi assim com as últimas nomeações. É evidente a influência do secretário de Estado sobre as escolhas específicas. Isso pode ter causado uma reação por parte daqueles que tendem a resistir àquela que podem considerar como uma prepotência, uma arrogância da Secretaria de Estado. Há cardeais que já pediram ao Papa Ratzinger a renúncia deBertone. Na cabeça da Cúria, seria necessário um político de nível internacional: dessa forma, no entanto, o próprio papa, no fim, ficou achatado em uma dimensão italiana.

Isso justifica os corvos?

Na nota vaticana de condenação da publicação das cartas roubadas no Vaticano publicadas no livro de Nuzzi – e eu digo isto como fiel –, faltava um mínimo de explicações sobre os conteúdos críticos presentes nessas cartas. São cartas verdadeiras. Há acusações específicas. Alguém as desmentiu? Não. Penso em Viganò ou no que está escrito na carta de Boffo. É incrível o que está acontecendo. É preciso mais transparência. E depois se ataca aqueles que trazem às notícias à tona sem explicá-las?

A responsabilidade é só da gestão da Cúria Romana?

Nos últimos anos, houve um empobrecimento da cúpula vaticana, com uma infusão de pessoas muito próximas ao secretário de Estado. São amigos do cardeal Bertone os três cardeais colocados nos postos-chave da organização do Vaticano. Do outro lado do Tibre, entrou a fragilidade humana. Tanto Wojtyla quanto Ratzinger, com suas sensibilidades, perceberam a impossibilidade de mudar a Cúria Romana.

O que o senhor propõe?

Uma premissa. O verdadeiro problema é a clericalização da Igreja. É o retorno de um mal antigo: o domínio dos clérigos. Há um retorno de individualismo e de clericalismo também entre os jovens padres. É a Igreja hierárquica que se sente dona da verdade e não ao serviço dos outros. O que na Igreja devia ser serviço se fez poder. O uso do poder sagrado por parte dos clérigos: esse é o caruncho. Determinando assim uma reação igual e contrária por parte de quem detinha o poder e agora se sente marginalizado. A Secretaria de Estado não está ao serviço do papa; tornou-se um poder. A resposta é voltar verdadeiramente ao Concílio Vaticano II e à colegialidade.

A Igreja Católica está se reduzindo a uma seita?

Jamie L. Manson, teóloga católica e mestre em teologia pela Yale Divinity School




Se a hierarquia continuar nesse caminho de privação de direitos em massa, o resultado não será uma Igreja menor e mais fiel, mas sim uma seita isolada e contracultural.

A análise é de Jamie L. Manson, teóloga católica e mestre em teologia pela Yale Divinity School. Suas colunas no jornal National Catholic Reporter - NCR - renderam-lhe um prêmio da Catholic Press Association por melhor coluna/comentário regular em 2010. O artigo foi publicado no sítio do jornal NCR, 24-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.


Muito tem se falado nos últimos meses sobre um anúncio publicado no The New York Times (imagem abaixo)encorajando católicos liberais e nominais a "sair da Igreja", porque ela nunca poderá ser mudada a partir de dentro e porque participar dela é colaborar com o seu sistema opressivo.
O anúncio foi pago por uma organização chamada Freedom from Religion Foundation. Mas, quanto mais eu reflito sobre o anúncio e sobre o comportamento da nossa hierarquia ultimamente, há uma parte de mim que não ficaria surpresa se ficássemos sabendo que o próprio Vaticano secretamente pagou pelo anúncio.
Com os seus ataques contra o casamento homossexual, a batalha contra a prestação de cuidados de saúde adequados às mulheres, o golpe hostil contra a LCWR [Leadership Conference of Women Religious] e a inquisição contra as meninas escoteiras, a hierarquia continua se apresentando como um embaraçoso espetáculo midiático em uma sociedade que há muito tempo se recusa a aceitar o ensino sobre o controle de natalidade, que acredita na igualdade das mulheres e que, cada vez mais, apoia o casamento homossexual.

Mesmo aqueles que não são afetados diretamente por essas batalhas ideológicas acham odioso o fato de que a hierarquia prefere gastar uma quantidade preciosa de dinheiro e de recursos em ações judiciais contra o governoObama e em bizarras novas campanhas como a Fortnight for Freedom [período de oração e reflexão sobre a liberdade religiosa proposto pela Conferência dos Bispos dos EUA para os dias 21 de junho a 4 de julho].

Os líderes da Igreja parecem obcecados por privar de seus direitos o maior número de leigos possível.

A pergunta é: por quê? Por que a hierarquia está agindo como a nova chefe que, para se livrar da equipe que herdou, torna tudo o mais desconfortável possível para que não permaneçam na organização? As lideranças da Igreja tomaram uma decisão por reduzir seu tamanho? Será que ele perceberam que os 2,2 bilhões de dólares em acordos em torno dos abusos sexuais e o número rapidamente decrescente de padres nos Estados Unidos tornou a Igreja incapaz de prover as necessidades dos 72 milhões de católicos?

Talvez, todas essas batalhas ideológicas – que, dizem, estão fundamentadas no desejo do Papa Bento XVI de umaIgreja menor e mais fiel – tenham realmente tudo a ver com dinheiro, ou com a falta dele. Mais de um comentarista sugeriu que o fim da repressão contra a LCWR poderia estar na recaptura de propriedades, bens e reservas de pensão das comunidades religiosas.

Infelizmente, se a hierarquia continuar nesse caminho de privação de direitos em massa, o resultado não será uma Igreja menor e mais fiel, mas sim uma seita isolada e contracultural.

Em seu livro The Sacred Quest, os estudiosos Lawrence Cunningham John Kelsay descrevem as características de uma Igreja e de uma seita. Eles contam com o trabalho pioneiro do estudioso alemão Ernst Troeltsch - o primeiro a fazer essa distinção com base em suas observações na Europa -, do início do século XX, quando comunidades religiosas como a Igreja da Inglaterra estavam em contraste com grupos dissidentes, como os quakers, cujas crenças religiosas os excluíram da cultura dominante de seu país.

Cunningham Kelsay definem uma igreja como "uma comunidade religiosa de alguma posição social que convida todos os membros de uma sociedade a participar de suas atividades, tem uma participação no bem-estar da comunidade social, e afirma ser o guardião da verdade religiosa".

Uma seita, por outro lado, "tende a exigir mais da conformidade em seus membros, é exclusiva, distancia-se das preocupações da sociedade em geral e também afirma ser a portadora da verdade religiosa." Seitas são "exclusivistas, introspectivas e têm algumas tensões com a cultura dominante". Exemplos atuais de seitas seriam os Amish ou os judeus hassídicos.

Enquanto a hierarquia e seus devotos gastam todo o seu tempo e energia exilando os "dissidentes" na Igreja, são eles que estão se tornando dissidentes na sociedade. O chamado de Bento XVI para a obediência radical e a recusa de questionamentos soa mais como a demanda absoluta de uma seita para o conformismo do que o chamado para uma igreja universal.

A recusa da hierarquia em reconhecer a necessidade crucial de contracepção global, bem como um sacerdócio que inclua mulheres e pessoas casadas, é um sinal claro de seu isolamento contínuo com relação às preocupações da sociedade.

Alguns na hierarquia e muitos dos que estão no movimento neoconservador até já se voltaram para a noção pré-Vaticano II de que a salvação só pode vir através da Igreja Católica Romana.

Até mesmo os trajes a Igreja Católica estão se tornando sectaristas. Jovens seminaristas e recém-ordenados tornaram-se notórios por arrastar para fora dos armários da Igreja túnicas amarradas como saias, pluviais e manípulos repletos de traças. E qual leitor do NCR pode se esquecer do galero do cardeal Raymond Burke (foto à esquerda), ou da exibição da capa magna de 20 metros de comprimento do bispo Edward Slattery James na Basílica do Santuário Nacional da Imaculada Conceição (foto à direita)?

Quem pode ficar feliz e em paz na Igreja institucional, exceto aqueles que possuem pontos de vista extremistas e contraculturais? Claro, alguém pode argumentar que o próprio Jesus foi considerado extremista e contracultural em seu tempo. Mas aqui está a diferença: Jesus não tinha medo do mundo.

Jesus nunca permitiu obediência absoluta à lei para trunfar as necessidades pastorais da das pessoas diante dele. Ele desafiou o ritual religioso em prol da cura do sofrimento. Ele chamou todos - coletores de impostos, homens ricos, mulheres, bêbados, prostitutas - para a sua mesa, sem exigir nenhum teste de fidelidade ou confissões.

Igreja Católica Romana está se tornando rapidamente um refúgio para aqueles que têm medo do mundo. A Igreja que, há 50 anos, chamou a si mesma para imergir no mundo moderno está, em vez de encolhendo, recusando-se a se envolver de uma forma significativa e pastoral com as lutas e necessidades humanas de hoje.

A hierarquia está tão arraigada em ideologias que esqueceu que existem complexas histórias humanas por trás de questões como a contracepção, a ordenação de mulheres e o casamento homossexual. Não é à toa que eles têm tanto medo de mulheres religiosas - que construíram uma Igreja de integridade e credibilidade moral por imersão na realidade da vida humana e pela coragem de se comprometer com um mundo cheio de sofrimento, fissura, imprevisibilidade e paradoxo.

Ao invés de permitir que o ministério da Igreja cresça e evolua com a comunidade humana, a hierarquia parece estar escolhendo o caminho de um grupo religioso dissidente. Ao fazer isso, eles estão abandonando, de bom grado, aqueles que esforçaram-se por décadas para permanecer fiéis à Igreja, mesmo através da desgraça dos abusos sexuais e da rescisão gradual das promessas do Concílio Vaticano II.

E quando essa geração de fiéis morrer, quem entre as novas gerações irá achar vida e sentido nesta Igreja-seita? Aqueles que querem fugir de um mundo em fluxo, com sofrimento, incerteza e luta pela igualdade? Aqueles que querem se recolher em um enclave fundamentalista onde homens europeus e patriarcais afirmam ter a verdade absoluta e inquestionável sobre Deus e sobre o nosso mundo?

Talvez seja uma Igreja mais fraca do que a hierarquia e seus devotos acham que querem. Talvez isso é tudo o que as lideranças sê veem realisticamente capazes de pagar. Quaisquer que sejam as motivações, se eles continuarem nesse caminho, terão que aceitar que deixarão de ser uma Igreja no mundo moderno e, ao contrário, se transformarão em uma seita exclusivista e isolada.