O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

30 de agosto de 2014

Alguns embasamentos bíblicos da Teologia da Libertação

Coletânea - J. Ricardo A. de Oliveira 





Ex 3,7-8

“Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo...”


Mateus 25, 31-46  

31. Quando o Filho do Homem voltar na sua glória e todos os anjos com ele, sentar-se-á no seu trono glorioso.
32. Todas as nações se reunirão diante dele e ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos.
33. Colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda.
34. Então o Rei dirá aos que estão à direita: - Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo,
35. porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes;
36. nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim.
37. Perguntar-lhe-ão os justos: - Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber?
38. Quando foi que te vimos peregrino e te acolhemos, nu e te vestimos?
39. Quando foi que te vimos enfermo ou na prisão e te fomos visitar?
40. Responderá o Rei: - Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes.
41. Voltar-se-á em seguida para os da sua esquerda e lhes dirá: - Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos.
42. Porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber;
43. era peregrino e não me acolhestes; nu e não me vestistes; enfermo e na prisão e não me visitastes.
44. Também estes lhe perguntarão: - Senhor, quando foi que te vimos com fome, com sede, peregrino, nu, enfermo, ou na prisão e não te socorremos?
45. E ele responderá: - Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.
46. E estes irão para o castigo eterno, e os justos, para a vida eterna. Mt 25,31-46

Atos 2,41-47

Os que receberam a sua palavra foram batizados. E naquele dia elevou-se a mais ou menos três mil o número dos adeptos.
42. Perseveravam eles na doutrina dos apóstolos, na reunião em comum, na fração do pão e nas orações.
43. De todos eles se apoderou o temor, pois pelos apóstolos foram feitos também muitos prodígios e milagres em Jerusalém e o temor estava em todos os corações.

44. Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum.
45. Vendiam as suas propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de cada um.
46. Unidos de coração frequentavam todos os dias o templo. Partiam o pão nas casas e tomavam a comida com alegria e singeleza de coração,
47. louvando a Deus e cativando a simpatia de todo o povo. E o Senhor cada dia lhes ajuntava outros que estavam a caminho da salvação AT 2,41-47


Atos 4, 32-37

32 A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava propriedade particular as coisas que possuía, mas tudo era posto em comum entre eles.

33 Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus. E todos eles gozavam de grande aceitação.

34 Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro

35 e o colocavam aos pés dos apóstolos; depois, ele era distribuído a cada um conforme a sua necessidade.

36 Foi assim que procedeu José, levita nascido em Chipre, apelidado pelos apóstolos com o nome de Barnabé, que significa «filho da exortação».

37 Ele vendeu o campo que possuía, trouxe o dinheiro e o colocou aos pés dos apóstolos.

João 3,16  

Nisto temos conhecido o amor: Cristo deu a vida por nós, também devemos dar a nosta vida aos nossos irmãos. Quem possuir bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o coração, como pode estar nele o amor de Deus?


Mateus 19,16-22

O Reino é dom e partilha
16 Um jovem se aproximou, e disse a Jesus: «Mestre, que devo fazer de bom para possuir a vida eterna?»
17 Jesus respondeu: «Por que você me pergunta sobre o que é bom? Um só é o bom. Se você quer entrar para a vida, guarde os mandamentos.»
18 O homem perguntou: «Quais mandamentos?» Jesus respondeu: «Não mate; não cometa adultério; não roube; não levante falso testemunho;
19 honre seu pai e sua mãe; e ame seu próximo como a si mesmo.»
20 O jovem disse a Jesus: «Tenho observado todas essas coisas. O que é que ainda me falta fazer?»
21 Jesus respondeu: «Se você quer ser perfeito, vá, venda tudo o que tem, dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois venha, e siga-me.»
22 Quando ouviu isso, o jovem foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico.


Mateus 6,18-21e24

A escolha fundamental
19 «Não ajuntem riquezas aqui na terra, onde a traça e a ferrugem corroem, e onde os ladrões assaltam e roubam.
20 Ajuntem riquezas no céu, onde nem a traça nem a ferrugem corroem, e onde os ladrões não assaltam nem roubam.
21 De fato, onde está o seu tesouro, aí estará também o seu coração.

24 Ninguém pode servir a dois senhores. Porque, ou odiará a um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e às riquezas.»


As Origens da teologia da libertação

(Coletânea de diversos autores)

A Teologia da Libertação nasceu da influência de três frentes de pensamento: o Evangelho Social das igrejas norte-americanas, trazido ao Brasil pelo missionário e teólogo presbiteriano Richard Shaull; a Teologia da Esperança, do teólogo reformado Jürgen Moltmann; e a teologia política que tinha como seus grandes expoentes o teólogo católico Johann Baptist Metz, na Europa, e o teólogo batista Harvey Cox, nos EUA.
Há uma série de eventos que precederam o nascimento da Teologia da Libertação:
1952: O missionário presbiteriano Richard Shaull chega ao Brasil trazendo o Evangelho Social e cria uma estreita relação com os pastores presbiterianos Rubem Alves e Jaime Wright;
1964: O teólogo reformado Jürgen Moltmann publica sua obra Teologia da Esperança;
1965: O teólogo batista Harvey Cox publica A Cidade Secular;
1967: O teólogo católico Johann Baptist Metz pronuncia a conferência Sobre a Teologia do Mundo;
O marco do nascedouro da Teologia da Libertação está na publicação da obra Da Esperança, de Rubem Alves, que tinha o título de Teologia da Libertação, criticando a teologia metafísica de uma forma geral e propondo o nascimento de novas comunidades de cristãos animados por uma visão e por uma paixão pela libertação humana e cuja linguagem teológica se tornava histórica.
A primeira participação católica no lançamento da Teologia da Libertação foi a publicação da Teologia da Revolução, em 1970, pelo teólogo belga radicado no Brasil José Comblin. Em 1971, Gustavo Gutiérrez publicou Teologia da Libertação. Somente em 1972, Leonardo Boff surge no cenário teológico com a publicação de Jesus Cristo Libertador. Como Rubem Alves estava asilado nos EUA neste período, Boff passou a ser o mais conhecido representante desta corrente teológica que vivia no Brasil, devido à proteção recebida pela ordem dos franciscanos, à qual ele pertencia

O método destas teologias é indutivo[4] : não parte da Revelação e da Tradição eclesial para fazer interpretações teológicas e aplicá-las à realidade, mas partem da interpretação da realidade da pobreza e exclusão e do compromisso com a libertação para fazer a reflexão teológica e convidar à ação transformadora desta mesma realidade. Ocorre também uma crítica à teologia moderna e sua pretensão de universalidade. Consideram esta teologia eurocêntrica e desconectada da realidade dos países periféricos.
Na Igreja Católica, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou dois documentos sobre esta teologia: Libertatis Nuntius, em 1984 e Libertatis conscientia de 1986. Neles adverte sobre o uso do marxismo na teologia e alerta para o risco da instrumentalização política da fé. Em carta aos bispos brasileiros, o papa João Paulo II considera teologia da libertação é não só oportuna, mas útil e necessária e confia aos bispos brasileiros a tarefa de assegurar o seu desenvolvimento de modo homogêneo e não heterogêneo com relação à teologia de todos os tempos, em plena fidelidade à doutrina da Igreja, atenta a um amor preferencial e não excludente nem exclusivo para com os pobres[5].
Fonte Wikipédia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia_da_Liberta%C3%A7%C3%A3o#Nascimento




Teologia da Libertação se propaga, apesar do veto do Vaticano
Leonardo Boff

Roma incorre na profunda ilusão de acreditar que com seus documentos doutrinários emitidos por burocracias frias e distantes da vida concreta dos fiéis conseguirá frear a Teologia da Libertação. Ela nasceu ouvindo o grito dos pobres e hoje a comove o grito da Terra.

Desde seu início, ao final dos anos 60, a Teologia da Libertação adotou uma perspectiva global, focada na condição dos pobres e oprimidos no mundo inteiro, vítimas de um sistema que vive da exploração do trabalho e da depredação da natureza. Esse sistema explora as classes trabalhadoras e as nações mais fracas. Além disso, reprime aqueles que oprimem e, portanto, contrariam seus próprios sentimentos humanitários. Em uma palavra, todos devem ser libertados de um sistema que perdura há pelo menos três séculos e foi imposto a todo o planeta.

A Teologia da Libertação é a primeira teologia moderna que assumiu este objetivo global: pensar o destino da humanidade desde a condição das vítimas. Em consequência, sua primeira opção é comprometer-se com os pobres, a vida e a liberdade para todos. Surgiu na periferia das Igrejas centrais, não nos centros metropolitanos do pensamento consagrado. Por essa origem, sempre foi considera como suspeita pelos teólogos acadêmicos e principalmente pelas burocracias eclesiásticas e especialmente pela da Igreja mais importante, a católica-romana.


A partir de sua cunha na América latina, a Teologia da Libertação passou para a África e se estendeu para a Ásia e também a setores do primeiro mundo identificados com os direitos humanos e a solidariedade aos despossuídos. A pobreza entendida como opressão revela muitos rostos: o dos indígenas que desde sua sabedoria ancestral conceberam uma fecunda teologia da libertação indígena, o da teologia negra da libertação que ressente as marcas dolorosas deixadas nas nações que foram escravagistas, o das mulheres submetidas desde a era neolítica à dominação patriarcal, dos trabalhadores utilizados como combustível da maquinaria produtiva. A cada opressão concreta corresponde uma libertação concreta.

A questão teológica de base que até agora não terminamos de responder é: como anunciar um Deus que é um pai bondoso em um mundo repleto de miseráveis? Só tem sentido se implica a transformação deste mundo, de maneira que os miseráveis deixem de gritar. Para que uma mudança semelhante tenha lugar eles próprios têm que tomar consciência, organizar-se e começar uma prática política de transformação e libertação social. Como a grande maioria dos pobres em nossos países era formada por cristãos, tratava-se de fazer da fé um fator de libertação. As igrejas que sentem herdeiras de Jesus, que foi um pobre e que não morreu de velho, mas sim na cruz como consequência de seu compromisso com Deus e com sua justiça, seriam as aliadas naturais deste movimento de cristãos pobres.

Esse apoio ocorreu de fato em muitas igrejas nas quais houve bispos e cardeais proféticos como Helder Câmara e Paulo Evaristo Arns no Brasil, Arnulfo Romero em El Salvador e muitos outros, assim como numerosos sacerdotes, religiosas e religiosas e laicos comprometidos politicamente.


Em razão de sua causa universal, já no início dos anos 70 a Teologia da Libertação era um movimento internacional e convocava verdadeiros fóruns teológicos mundiais. Estabeleceu-se um conselho editorial integrado por mais de cem teólogos latinoamericanos para compilar uma sistematização teológica em 53 volumes, desde a perspectiva da libertação. Já tinham sido publicados 13 volumes quando o Vaticano interveio para abortar o projeto. O então cardeal Joseph Ratzinger foi rigoroso. Cortou pela raiz um trabalho promissor e benéfico para todas as igrejas periféricas e especialmente para os pobres. Passará à história como o cardeal – e depois Papa – inimigo da inteligência dos pobres.

A Teologia da Libertação criou uma cultura política, Ajudou a formar organizações sociais como o Movimento dos Sem Terra, a Pastoral Indígena, o Movimento Negro e foi fundamental na criação do Partido dos Trabalhadores no Brasil, cujo líder, o presidente Lula, sempre se reconheceu na Teologia da Libertação.


Hoje em dia, essa teologia transcendeu os limites confessionais das Igrejas e se converteu em uma força político-social. Além de Lula, identificam-se publicamente com a Teologia da Libertação o presidente Rafael Correa, do Equador, o presidente (e ex-bispo) Fernando Lugo, do Paraguai, o presidente Daniel Ortega, da Nicarágua, o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, e o atual presidente da Assembléia das Nações Unidas, o sacerdote nicaragüense Miguel de Escoto. Sua força maior não reside na cátedra dos teólogos, mas sim nas inumeráveis comunidades eclesiais de base (só no Brasil existem cerca de cem mil), nos milhares e milhares de círculos nos quais se lê a Bíblia no contexto da opressão social e nas chamadas pastorais sociais.

Roma incorre na profunda ilusão de acreditar que com seus documentos doutrinários emitidos por burocracias frias e distantes da vida concreta dos fiéis conseguirá frear a Teologia da Libertação. Ela nasceu ouvindo o grito dos pobres e hoje a comove o grito da Terra. Enquanto os pobres continuarem lamentando-se e a Terra gemendo sob a virulência produtivista e consumista, haverá mil razões para sentir o chamado de uma interpretação libertária e revolucionária dos evangelhos. A Teologia da Libertação é a resposta a uma realidade injusta e salva a Igreja central de sua alienação e de um certo cinismo.

O QUE É TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO?


Este texto foi produzido pelo nosso saudoso amigo  Claudemiro Godoy do Nascimento

Quando ainda era diácono da ICAR. E que nos deixou no ano de 2010 em um acidente automobilístico.
A Ele a nossa gratidão, nossas orações e a nossa saudade.



O QUE É TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO?  
 TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: EM DEFESA DOS EXCLUÍDOS A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: O CRISTIANISMO A FAVOR DOS EXCLUÍDOS

Claudemiro Godoy 


A palavra teologia vem da conjugação de TÉOS e LÓGOS, dois termos gregos. Poder-se-ia dizer que teologia é todo discurso acerca de Deus. Assim, por exemplo, foi denominado por Aristóteles em seu livro “Filosofia Primeira”, que hoje conhecemos com o nome de metafísica. Para Aristóteles o TÉOS seria objeto de pesquisa da maior de todas as ciências: a ciência do ser enquanto ser – esta que hoje denominamos de metafísica. Portanto, para ser estagirita – Aristóteles, a metafísica, ou seja, a filosofia primeira, é sinônimo de teologia.

Apesar de podermos falar de teologia em um sentido lato, tal como abordamos acima, atualmente o significado deste termo difere-se deste que expusemos. Teologia hoje é o discurso racional acerca de Deus a partir dos dados advindos de um livro revelado: Bíblia, Alcorão, etc. À teologia compete, portanto, a atualização dos dados revelados através do discurso (lógos), segundo as exigências históricas vigentes. Com isso, se mostra o caráter transitório do discurso teológico: a transitoriedade do discurso deve-se à transitoriedade própria da história humana, da cultura e de suas diversas problemáticas. Deus, por isso, deve sempre aparecer ao homem, através do discurso teológico, historicamente situado. Esta, última informação nos leva a perceber a imbricação necessária entre teólogo, revelação e história.

Não obstante à imbricação supracitada, não poucas vezes a teologia cristã se configurou de forma totalmente anacrônica em seus discursos e, conseqüentemente, em seus conceitos. A teologia cristã durante séculos, preocupou-se com o hyperurânio de Platão, com o motor imóvel de Aristóteles, com a cidade de Deus de Agostinho, menos com as problemáticas históricas que fatalmente orientavam a vida social do homem. É comum nos depararmos com textos clássicos da teologia e sermos levados às nuvens, aos céus, como, por exemplo, num texto de Irineu ou de S. Agostinho de Hipona. Mas, qual a razão disto? Isto ocorreu por mera vontade dos teólogos? Certamente, não.

A teologia cristã configurou-se de forma anacrônica por muito tempo, devido ao instrumental filosófico que ela utilizou para discursar acerca de Deus. Tal instrumental derivava-se da metafísica clássica que tem como característica formular conceitos anacrônicos, desconsiderando o caráter histórico do homem – ou seja, desconsiderando o homem enquanto ser histórico, que se faz (constrói) no tempo. A conseqüência disto, é que os dados da revelação cristã – Bíblia – foram entendidos como realidades atemporais e ahistóricas. Por isso, por muito tempo – certamente, também ainda hoje – entendeu-se Deus, Reino dos Céus, inferno, etc., como realidades totalmente transcendentais, totalmente destacadas dos processos e fases históricas da humanidade.

Esta forma de discurso acerca de Deus foi submetida à crítica com o advento da modernidade e do pensamento contemporâneo. A metafísica, que foi a “pedra angular” da teologia clássica, foi fortemente criticada a partir da modernidade. Descobriu-se, após séculos de especulação, a história como característica essencial do homem e a cultura como âmbito de toda construção histórica. Com isso, o pensamento ocidental, largou aquele transcendentalismo metafísico, tornando-se por isso mais imamentista. Isto influenciou fortemente a teologia. O encontro do homem com Deus – chamado pela teologia da GRAÇA – passou a ser pensado como realidade histórica: Deus se manifesta ao homem situando-se histórica e culturalmente, ou seja, o encontro de Deus com o homem difere-se na história em suas diversas épocas, e difere-se na pluralidade cultural que se dá no seio da humanidade. Obviamente, isto gerou uma certa relativização no discurso sobre Deus; porém, valorizou a historicidade como característica essencial do ser humano, além de valorizar a multiplicidade de formas de Deus se apresentar ao homem, superando, assim, o anacronismo clássico metafísico que norteava o pensamento teológico no entendimento da relação homem – DEUS.

A chamada Teologia da Libertação está inserida nesta última fase do pensamento ocidental que destacamos acima: a fase da valorização da história, da cultura e da diversidade de formas de manifestação do encontro do homem com Deus. Ela é uma teologia propriamente cristã; por isso, utiliza a Bíblia como pressuposto necessário de seus discursos.

A expressão “teologia da libertação”, já mostra o sentido norteador deste discurso teológico. O genitivo que aparece na expressão citada – DA LIBERTAÇÃO -, mostra-nos que a libertação é o horizonte regulador do discurso acerca de Deus, e, ao mesmo tempo, mostra-nos que o Deus do discurso é fonte de libertação. Esta se manifesta concretamente nos diversos momentos do processo histórico de um povo. Conseqüentemente, a teologia da libertação torna-se força geradora de ações que viabilizam uma práxis libertadora, segundo as necessidades advindas das diversas circunstâncias sob as quais um povo está submetido.

“A teologia da libertação é um movimento teológico que quer mostrar aos cristãos que a fé deve ser vivida numa práxis libertadora e que ela pode contribuir para tornar esta práxis mais autenticamente libertadora” (MONDIN, 1980, p. 25). Neste sentido, o cristão é impelido a viver a práxis libertadora nas diversas épocas da história.

O termo libertação foi cunhado a partir da realidade cultural, social, econômica e política sob a qual se encontrava a América Latina, a partir das décadas de 60/70 do último século. Os teólogos deste período, católicos e protestantes, assumiram a libertação como paradigma de todo fazer teológico. Vejamos o quadro social da América Latina no período originário da teologia da libertação:

“O ambiente político é geralmente caracterizado pela presença de governos que administram o poder arbitrariamente em vantagem dos ricos e dos poderosos, fazendo amplo uso da força e da violência. (...) O ambiente econômico e social está marcado pelamiséria e pela marginalização da maior parte da população. Os recursos econômicos são controlados por um pequeno grupo de privilegiados. (...) No ambiente cultural se verifica ainda uma notável dependência da Europa e dos Estados Unidos. Na ciência como na filosofia, na arte como na literatura, quase nada é concedido à originalidade das populações latino-americanas” (Ibidem, p. 25-26).

O quadro de degradação apresentado na América Latina é o fundamento gerador do conceito de libertação. A libertação, então, é toda “ação que visa criar espaço para a liberdade” (BOFF, 1980, p. 87). Ser livre, neste sentido, é não estar sob o jugo da lei alheia; é poder construir-se autonomamente. O processo histórico da América Latina foi e é dominado por diversas leis estranhas a ela. A América do Norte, em especial os EUA, e os países europeus, sempre impuseram aos latino–americanos seus valores, suas políticas, sua cultura, etc. Neste sentido, a libertação no seio da América Latina, é a luta pela liberdade da cultura, dos valores, da economia, da política latino-americanos, frente às diversas opressões advindas de um modelo imperialista que rege a práxis do hemisfério norte em suas relações com o hemisfério sul, especialmente como o povo latino–americano. Tal relação impõe ao hemisfério sul a cultura do hemisfério norte.

Devido à pobreza e à nefasta degradação do povo latino-americano, a libertação deve ser entendida como superação de um processo de exclusão; já que esta é a conseqüência direta da relação norte–sul, onde milhões de homens e mulheres empobrecem e se deterioram porque ficam à margem (excluídos) do processo econômico e político norteado pelo capitalismo imposto pelos EUA e Europa.
Desta forma compete à teologia da libertação a tarefa de discursar sobre Deus a partir da ótica de um processo excludente e a partir da realidade concreta dos excluídos. O teólogo da libertação, portanto, deve ter este duplo olhar: olhar para Deus e olhar para o excluído. Olhar para Deus é a fonte de toda libertação possível e o olhar para o excluído identifica onde há necessidade de libertação. Olhando para Deus – ou Cristo -, a teologia da libertação diferencia-se de todo movimento libertador laico, já que a libertação apresentada pela teologia enxerga nos processos históricos a possibilidade de presentificação da nova ordem escatológica anunciada por Cristo, ou seja, o Reino de Deus – ordem de justiça e da superação de toda opressão possível, na sociedade e no cosmos. Ao pretender olhar para o excluído e para o sistema gerador de opressão, como pressuposto de todo fazer teológico, a teologia da libertação difere-se radicalmente das teologias clássicas, pois supera o anacronismo destas, circunscrevendo a experiência de Deus no âmbito do engajamento do fiel na luta contra todo o sofrimento humano historicamente situado.
Para que haja elaboração da teologia da libertação é mister que se compreenda os fenômenos da opressão e da exclusão. Estes devem ser compreendidos através de uma mediação sócio-analítica, “Libertação é libertação do oprimido. Por isso, a teologia da libertação deve começar por se debruçar sobre as condições reais em que se encontra o oprimido de qualquer ordem que ele seja.” (BOFF, 1996, p. 40). O método utilizado para elucidar sócio–analiticamente o fenômeno da opressão e da exclusão pela teologia da libertação, é o método histórico-dialético.
O marxismo passa a ser a filosofia predominante na análise sócio–analítica feita pela teologia da libertação. Porém, o marxismo é utilizado como instrumento, não tendo fim em si mesmo. “Na teologia da libertação o marxismo nunca é tratado em si mesmo, mas sempre a partir, e em função dos pobres” (Ibidem, p. 45). O sentido último da teologia não é Marx, mas Deus.
Após a leitura sócio–analítica, o teólogo da libertação deve-se deparar com a Bíblia Sagrada. A Bíblia deve fornecer subsídios para que se possa identificar a face de Deus e sua ação libertadora, nos diversos momentos históricos, sob as quais vive o teólogo e seu povo. Há, então, no processo deelaboração da teologia da libertação, uma imbricação necessária entre a análise sócio–analítica da realidade e a Bíblia Sagrada. Esta última fornece o sentido teológico da práxis libertadora proposta pela teologia da libertação.
Com a gênese da teologia da libertação na América Latina, “a religião passa a ser um fator de mobilização e não do freio” (BOFF, 1980, p. 102). A religião não mais se apresenta como “ópio do povo”. Ela passa a ser fonte de libertação e de esperança para o homem. A religião, desta forma, não se reduz a uma ideologia que mantém o status quo social e político; também não é mais fonte de discursos etéreos. A teologia da libertação pretende mostrar que Deus não está em uma esfera trans–histórica; mas, ela quer mostrar que Deus encarna-se na história, gera libertação de um povo humilhado, gera vida e esperança a um povo crucificado e sem sonhos. Podemos dizer, metaforicamente, que a teologia da libertação anuncia a ‘’descida’’ de Deus de sua esfera transcendente e “celeste” e mostra-o como agente dignificador dos humilhados da terra. Deus não é mais um conjunto de doutrinas e especulações, mas é a fonte de toda a luta pela justiça e igualdade. Por isso, Deus se manifesta nas lutas históricas pela justiça, pela inclusão e pela superação de toda opressão vigente na humanidade. “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.”(Ex 20,2). Eis a face de Deus anunciada pela teologia da libertação: Deus que tira o povo da opressão, da servidão.
O céu almejado pela humanidade, não é pensado como realidade post mortem. Este céu que fora pensado pela teologia clássica como realidade distante que se manifestaria no porvir, encarna-se no “agora”, através da práxis do povo em prol da dignidade humana: cada conquista popular, no que tange a uma relação mais justa entre os homens, presentifica o céu no seio da humanidade.
A teologia da libertação surge para mostrar que Deus é “Pai – Nosso”; portanto os homens e as mulheres devem se relacionar como irmãos e irmãs, sem haver exclusão, sem haver opressão ou sem qualquer tipo de violação da dignidade humana. Lutar pela libertação é valorizar a paternidade universal de Deus, que se manifesta nas relações justas e fraternas entre todos os seres humanos.

Bibliografia:
1. BÍBLIA SAGRADA. São Paulo: CNBB, 1996.

2. BOFF, Leonardo, BOFF, Clodovis. Como fazer teologia da libertação. Petrópolis: Vozes, 1986.

3. BOFF, Leonardo. Teologia do cativeiro e da libertação. Petrópolis: Vozes, 1980.

4. _____________ O caminhar da Igreja com os oprimidos: do vale das lágrimas à terra prometida. Rio de Janeiro: Codecri, 1980.

5. MONDIN, B. Os teólogos da libertação. São Paulo: Paulinas, 1980.




29 de agosto de 2014

uma manhã aos 6.3



A vida passa...
Primeiro os anos verdes, sentimento muito,
Mas pouco se sabe bem para quê.

Passa a vida...
Chegam os anos quentes,
e de uma quentura tanta,
que perigam queimar o pensar.
Busca-se, mas geralmente não se sabe o quê...

E a vida,
essa incansável passageira,
continua o seu passar...

E eis que se chega ao meio dela,  a vida.
Os anos, nem quentes nem frios,
São mormaço úmido,
numa seqüência de outonos
de céus sem nuvens, expectantes,
de dúvida, se haverá noites frias de inverno.

E anos após ano se descobre que mais de uma década se passou
E é, neste ponto do caminho que parei para descansar...
O quê mais passará ainda, amiga vida?

Que a esperança, me seja sempre companheira.
Que as lembranças, não sufoquem a euforia da descoberta
da nova infância,que tenho certeza, já se pré-(a)nuncia no horizonte.

Ah, amiga vida, não quero perder essa oportunidade,
por nada deste mundo.
Quero  poder recuperar a simplicidade e a ingenuidade,
depois de ter experimentado a experiência
e de ser merecedor da sabedoria.

Quero então me preparar, amiga vida,
para daqui há muitos anos, eu imagino e espero,
poder saborear o momento de feliz te agradecer,
e me despedir dando: 

“Gracias a la Vida,  que me há dado tanto...”


21 de agosto de 2014

Entrevista coletiva do Papa a bordo do avião de volta da Coreia

Texto da entrevista  concedida pelo Papa Francisco a bordo do avião que o levava de volta a Roma, após sua visita pastoral à Coreia do Sul.



A entrevista está publicada no sítio espanhol Religión Digital, 19-08-2014. A tradução é de André Langer.
1. As vítimas do afundamento do ferry sul-coreano Sewol e o risco de ser utilizado
Quando você se encontra diante da dor humana, tem que fazer o que seu coração o leva a fazer. Então, dirão: fez porque tem alguma intenção política. Pode-se dizer tudo, mas quando se pensa nestes homens e mulheres, nestes pais e mães que perderam filhos, irmãos e irmãs... diante da dor tão grande de uma catástrofe, meu coração – sou sacerdote, já sabe – me diz que tenho que me fazer próximo.
Sinto-o dessa maneira. Sei que o consolo que posso dar com uma palavra minha não é um remédio, não devolve a vida aos que morreram. Mas a proximidade humana nestes momentos nos dá força, há solidariedade.
Recordo que, como arcebispo de Buenos Aires, experimentei dois desastres: um era um incêndio em uma boate [a boateCromañón], em que morreram 193 jovens. Outra vez foi um desastre com os trens. Nesse momento senti a mesma necessidade de estar próximo. A dor humana é forte e se nestes momentos tristes nos aproximamos, nos ajudamos mutuamente. Tomei isto (assinalando para o arco amarelo na capa). Tomei-o para me solidarizar com eles. Alguém me disse: “é melhor tirá-lo, você deve ser neutro”. Mas quando senti o sofrimento humano dei-me conta de que não se pode ser neutro.
2. Os ataques do Isis [Estado Islâmico do Iraque e do Levante] contra as minorias cristãs no Iraque e as bombas estadunidenses
Nestes casos, nos quais há uma agressão injusta, só posso dizer que é lícito “deter” o agressor injusto. Destaco o verbo “deter”, não digo bombardear, fazer a guerra, mas detê-lo. Os meios com os quais se pode deter deverão ser avaliados.Deter o agressor injusto é lícito. Mas devemos ter memória: quantas vezes, sob o pretexto de deter o agressor injusto, as potências se adonaram dos povos e fizeram a guerra de conquista. Uma só nação não pode julgar como se detém um agressor injusto.
Depois da Segunda Guerra Mundial nasceu a ideia das Nações Unidas; é ali onde se deve discutir e dizer: ‘Há um agressor injusto? Parece que sim. Então, como vamos detê-lo?’ Só isto, nada mais. Em segundo lugar, as minorias. Obrigado por ter usado esta palavra. Porque me falam de cristãos, os que sofrem, os mártires. Sim, há muitos mártires. Mas aqui há homens e mulheres, minorias religiosas, não são todos cristãos, e todos são iguais perante Deus. Deter o agressor injusto é um direito que a humanidade tem, mas também é um direito que o agressor tem de ser detido, para que não faça mal.

3. A possibilidade de uma visita ao Iraque, na zona de conflito
Estou disposto a ir ao Iraque e creio poder dizê-lo: quando com meus colaboradores soubemos da notícia desta situação, das minorias religiosas e também naquele momento que o Curdistão não podia receber tanta gente, pensamos muitas coisas. A primeira coisa foi escrever o comunicado feito pelo padre Federico Lombardi. Depois, esse comunicado foi enviado a todas as Nunciaturas para que fosse transmitido aos governos. Em seguida, escrevemos ao secretário-geral dasNações Unidas e decidimos mandar um enviado pessoal, o cardeal Filoni, ao Iraque. Ao final, dissemos que, se fosse necessário depois da viagem à Coreia, poderia ir para lá; era uma das possibilidades. Estou disposto! Neste momento, não é a melhor coisa a se fazer, mas estou disposto a isso.

4. As relações entre a Santa Sé e a China; a possibilidade de uma viagem papal




Quando, na ida, estávamos para sobrevoar o espaço aéreo chinês, fui à cabine e um dos pilotos me mostrou um registro e me explicou que faltavam apenas 10 minutos para entrar no espaço aéreo chinês e que tínhamos que pedir autorização (uma coisa normal que é preciso fazer sempre com cada país) e vi como pediam a autorização e como respondiam; fui testemunha desse momento. O piloto disse: agora parte o telegrama, não sei como fez, mas o fez. Depois me despedi dos pilotos e voltei a sentar-me e rezei tanto por esse belo povo chinês: um povo sábio. Penso em todos os grandes sábios chineses, penso na história de ciência, de sabedoria...
Também nós, os jesuítas, temos nossa história ali, como Matteo Ricci... Se quero ir à China? Mas, claro! Amanhã! Nós respeitamos o povo chinês. A Igreja pediu somente a liberdade para o seu ministério, para o seu trabalho. Nenhuma outra condição. E depois não devemos esquecer a carta fundamental para o problema chinês, aquela que o Papa Bento XVIenviou aos chineses. Essa carta ainda hoje segue sendo atual. Faz bem voltar a lê-la. A Santa Sé sempre esteve aberta aos contatos, sempre, porque tem um verdadeiro afeto pelo povo chinês.

5. As próximas viagens e a esperança de vê-lo na Espanha, em Ávila, em 2015
Este ano temos previsto a viagem para a Albânia. Vou por dois motivos importantes. Em primeiro lugar, porque conseguiram fazer um governo (pensemos nos Bálcãs), um governo de unidade nacional, entre muçulmanos, ortodoxos, católicos, com um conselho inter-religioso que ajuda muito e que é equilibrado. Senti como se minha presença fosse uma ajuda a esse nobre povo. O segundo motivo é este: pensemos na história da Albânia, o único dos países comunistas que em sua Constituição tinha o ateísmo prático. Se tu ias à missa, era inconstitucional!
Além disso, me dizia um dos ministros, foram destruídas (e quero ser preciso com o número) 1.820 igrejas, ortodoxas e católicas. Naquele tempo muitas igrejas foram transformadas em cinemas, teatros, salões de festa. Eu senti que tinha que ir, e um dia é preciso fazê-lo. Depois, no próximo ano, quisera ir à Filadélfia, ao encontro das famílias, e também fui convidado pelo presidente dos Estados Unidos para o parlamento estadunidense e também pelo secretário das Nações Unidas a Nova York (talvez as três cidades juntas: FiladélfiaWashington e Nova York). Os mexicanos querem que vá nessa ocasião também à Virgem de Guadalupe, e se poderia aproveitar, mas não está certo. E, finalmente, à Espanha. Os reis me convidaram, o episcopado me convidou, mas ainda não decidimos.

6. A relação com Bento XVI
Encontramo-nos. Antes de partir fui visitá-lo. Duas semanas antes, enviou-me um escrito interessante e pedia a minha opinião. Temos uma relação normal. Porque ao redor desta ideia, que talvez não seja do agrado de alguns teólogos (eu não sou teólogo), creio que o Papa emérito não é uma exceção. Eu creio que o Papa emérito segue sendo uma instituição, porque a nossa vida se alonga e a uma certa idade já não se tem a capacidade para governar bem, porque o corpo se cansa... A saúde talvez seja boa, mas já não se tem a capacidade de tratar e resolver todos os problemas de um governo como o da Igreja... E se eu sentisse que já não posso continuar? Faria o mesmo. Rezarei, mas creio que faria o mesmo. Somos irmãos, e já lhe disse que é como ter um avô em casa, por sua sabedoria. É um homem de sabedoria. Faz-me bem escutá-lo. E ele me anima bastante.





7. Como se sentiu quando saudou esta manhã as sete “confort women”? Ver-se-ão em Nagasaki no ano que vem?
Seria bonito, bonito! Fui convidado pelo governo, assim como pelo episcopado. O sofrimento... Remonta-se a uma das primeiras perguntas. O povo coreano é um povo que não perdeu a dignidade. Era um povo invadido, humilhado. Sofreu guerras e se divide. Com tanto sofrimento. Ontem, quando fui ao encontro com os jovens, visitei o museu dos mártires. É terrível o sofrimento destas pessoas. (Mártires), simplesmente por não quererem pisotear a cruz. É um sofrimento histórico. A capacidade de sofrer deste povo é parte da sua dignidade. Houve inclusive atualmente estas mulheres idosas na frente, na missa. Pensar que com a invasão foram levadas, quando crianças, aos quartéis, para serem exploradas. Elas não perderam sua dignidade. Hoje, estavam ali as mulheres idosas, mostrando seu rosto do passado vivido. É um povo forte em sua dignidade. Mas voltamos a estas coisas dos mártires, do sofrimento, e destas mulheres: estes são os frutos da guerra!
Hoje, nos vivemos em um mundo em guerra por todas as partes! Alguém me dizia: ‘Você sabe, padre, que estamos na terceira guerra mundial, mas em pedacinhos. Em capítulos’. É um mundo em guerra onde se cometem estas crueldades. Uma vez se falava sobre a guerra convencional, agora já não conta. Não digo que as guerras convencionais sejam algo bom, não. Mas hoje vai a bomba e mata o inocente junto com o culpado, a criança junto com a mulher, com a mãe, mata a todos. Mas, paremos para pensar um pouco no nível da crueldade: aonde chegamos? Isto deveria nos espantar. Não é para dar medo. O nível de crueldade da humanidade neste momento espanta um pouco.
Hoje, a tortura é um dos meios quase ordinários nos comportamentos dos serviços de inteligência e em alguns processos judiciais. E a tortura é um pecado contra a humanidade, um crime de lesa humanidade. Digo aos católicos: torturar uma pessoa é um pecado mortal, é pecado grave. Mas é muito mais: é um pecado contra a humanidade. A crueldade e a tortura. Gostaria muito que vocês, em seus meios, fizessem uma reflexão sobre qual é, hoje, o nível de crueldade da humanidade, e sobre o que pensam sobre a tortura. Creio que faria bem a todos nós refletir sobre isto.

8. Você tem uma vida cheia de compromissos. Pouco descanso, nada de férias. Viagens massacrantes. É preciso preocupar-se com o ritmo que leva?
Sim, há quem já me alertou. Eu passei as férias em casa, como faço normalmente. Uma vez li um livro, interessante, que se intitulava: “Alegra-te por ser um neurótico’. Eu também tenho alguma neurose e é preciso curá-la bem, eh? A minha é que sou um pouco apegado ao meu habitat. A última vez que saí para fazer férias, com a comunidade jesuíta, foi em 1975. Sempre faço férias, mas no meu habitat, mudança de ritmo: durmo mais, leio coisas que gosto, ouço música, rezo mais. E isto me descansa. Em julho, fiz muito tudo isto. É certo, no dia que tinha que ir ao Gemelli, até 10 minutos antes tinha que ir, mas não pude. Foram dias muito cheios. Agora sei que tenho que ser prudente. Tem razão...

9. Quando a multidão gritava Francisco!, no Rio, respondia: Cristo! Cristo! Como vive a imensa popularidade de que goza?
Eu a vivo agradecendo ao Senhor de que seu povo seja feliz, esperando o melhor para o povo. Vivo-a como generosidade do povo, do verdadeiro povo... Internamente, procuro pensar em meus pecados, em meus erros, para não me deixar levar por isso, porque sei que isto durará como eu, dois ou três anos, e depois... a casa do Pai! Vivo-a como presença do Senhor no meio do seu povo que usa o bispo, que é o pastor do povo, para manifestar muitas coisas. Vivo-a com mais naturalidade que antes, porque ficava um pouco assustado.

10. Como vive no Vaticano, além do trabalho?
Procuro ser mais livre. Há reuniões de trabalho, mas a vida para mim é o mais normal que pode ser. Gostaria de sair mais, mas não é possível. E depois, em Santa Marta, levo a vida normal de trabalho, de descanso, de conversas... Se me sinto prisioneiro? Não. No princípio, sim, mas depois caíram alguns muros... Por exemplo (sorri): o Papa não podia usar o elevador sozinho, imediatamente alguém vinha para acompanhá-lo! ‘Tu, vai para o teu lugar, que eu desço sozinho!’ E se acabou a história. É assim... a normalidade, a normalidade.

11. Seu time, o San Lorenzo, ficou campeão da Libertadores pela primeira vez. Como está vivendo esta sensação?
É uma boa notícia, depois do segundo lugar no Brasil! Fiquei sabendo em Seul, me disseram. E me disseram que na quarta-feira estarão na audiência pública. Para mim, o San Lorenzo é o time para quem toda a minha família torcia.

12. A próxima encíclica dedicada à defesa da criação
Conversei sobre esta encíclica com o cardeal Turkson e também com os outros. E pedi a Turkson que reunisse todas as contribuições que tivessem chegado. Antes da viagem, o cardeal me entregou o primeiro rascunho. É desse tamanho, um terço a mais que a Evangelii Gaudium. É o primeiro rascunho. Trata-se de um problema nada fácil, porque se trata dacustódia da criação também da ecologia (há ecologia humana); pode-se falar com certa segurança, mas até certo ponto. E depois vêm todas as hipóteses científicas, algumas bastante seguras e outras não. É uma encíclica que deve ser magistral e deve seguir em frente só com as seguranças, com as coisas sobre as quais estamos seguros. Se o Papa diz que o centro do universo é a Terra e não o Sol, se equivoca, porque está dizendo uma coisa que cientificamente não está correta. É o que acontece agora; devemos fazer um estudo parágrafo por parágrafo. Creio que será menor, porque é preciso ater-se ao essencial, que é o que se pode afirmar com segurança. Pode-se acrescentar nas notas de rodapé que sobre este ou aquele argumento há esta ou aquela hipótese. Mas dá-lo como informação, não no corpo de uma encíclica, que é doutrina e deve ser segura.

13. Uma nova pergunta sobre a divisão forçada, “confort women” e sobre a divisão da Coreia
Atualmente, estas mulheres estavam ali porque apesar de tudo o que sofreram têm dignidade e queriam mostrar o rosto. E pensei isto, pensei na guerra e na crueldade das guerras, em que estas mulheres foram exploradas, foram escravizadas com toda esta crueldade. Pensei na dignidade que têm e também o muito que sofreram, e o sofrimento é um legado. Os primeiros mártires da Igreja disseram que o sangue dos mártires é semente de cristãos. Vocês, os coreanos, semearam muito, muito, por coerência. Vê-se agora o fruto dessa semente dos mártires.
Sobre a Coreia do Norte, sei que é uma dor, sei disso com certeza, que há alguns parentes, muitos parentes não podem se encontrar, isto dói, isso é verdade. É uma dor que divide o país.
Hoje, na Catedral, no lugar em que coloquei as vestimentas para a missa, havia um presente que me deram, uma coroa de espinhos de Cristo feita com arame farpado que divide em dois lados a única Coreia. E o levamos no avião, mas é um presente que levo... o sofrimento da divisão de uma família dividida. Como disse ontem, em declarações aos bispos, e o recordo: ainda temos esperança, as duas Coreias são irmãs e falam o mesmo idioma. Quando falamos o mesmo idioma, é porque se tem a mesma mãe, e isso nos dá esperança. O sofrimento da divisão é grande. Entendo e rezo para que termine.




14. A beatificação do arcebispo salvadorenho Romero




A causa estava bloqueada, dizia-se que por prudência, na Congregação para a Doutrina da Fé. Agora já não. Passou à Congregação para os Santos e segue o caminho normal de um processo; depende de como se movam os postuladores. É muito importante fazê-lo rapidamente. Porque eu gostaria que se esclarecesse quando há um martírio ‘in odium fidei’, por confessar o Credo ou por fazer as obras que Jesus nos manda fazer com o próximo. Este é um trabalho de teólogos, que o estão estudando. Por trás deRomero está Rutilio Grande e há outros. Outros que foram assassinados e que não têm a mesma estatura de Romero; é preciso distinguir teologicamente tudo isto. Para mim,Romero é um homem de Deus. Deve-se continuar o processo, o Senhor deve dar um de seus sinais; se o quer fazer, o fará. Agora os postuladores devem se mexer, porque já não há impedimentos.

15. O fracasso da Oração pela Paz: imediatamente depois os mísseis e bombas sobre Gaza
oração pela paz não foi absolutamente nenhum fracasso. Estes dois homens são homens de paz, são homens que acreditam em Deus e que viveram muitas coisas feias, muitas coisas feias, e estão convencidos de que a única via para resolver os problemas é a da negociação, do diálogo, da paz. Foi um fracasso? Eu creio que a porta está aberta. A paz é um dom de Deus, que merece o nosso trabalho, mas é um dom. E preciso dizer a toda a humanidade que a mesa da negociação é importante, mas também o é a da oração. Mas isto é conjuntural. Esse encontro não era uma conjuntura; é um passo fundamental da atitude humana, uma oração. Agora, a fumaça das bombas e das guerras não deixa ver essa porta, mas a porta permanece ali, aberta, desde aquele momento. Creio que Deus, creio no Senhor, essa porta está aberta, e peçamos que nos ajude.

Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/534460-entrevista-coletiva-do-papa-a-bordo-do-aviao-de-volta-da-coreia


15 de agosto de 2014

O que é uma vida com êxito?


O famoso filósofo, teólogo ortodoxo e terapeuta Jean-Yves Leloup aponta
em palestra transcrita por Cláudio Azevedo o caminho da realização integral

Quem é que tem êxito? O que é a Vida? Jean-Yves diz que a Vida é algo que nos perpassa e que o êxito da vida se dá através de nós! Ele desenha um quadrado na tela, para representar essa vida em nós, baseado em Jung:

Razão Intuição
Sensação Emoção

1
Terra
Físico

Material

Sensação

Lucas

2
Água

Emocional

Afetivo

Emoção

Marcos

3
Fogo

Mental

Conhecimento

Razão

Mateus

4
Ar

Espiritual

Liberdade

Intuição

João



A palavra hebraica Shalom, traduzida como paz, na verdade tem o sentido de ‘ser-estar inteiro’. Só estaremos em paz se estivermos inteiros, e estar inteiro inclui todas essas quatro dimensões da existência: ter êxito nessas quatro dimensões. Mas o êxito inclui a aceitação de nossos fracassos. Aceitar nossos fracassos é reconhecer nossos limites!!

Mas estamos fragmentados! Para alguns o que interessa é o sentir, o tocar, o visualizar; para outros, o êxito afetivo-familiar ou sócio-profissional; para outros o êxito científico-intelectual; e para outros, o caminho da transcendência. Qual a nossa função dominante? Jean-Yves contrapõe ‘1’ e ‘4’ (sensação – intuição), o aterrado e o visionário, e ‘2’ e ‘3’ (emoção – razão), o compassivo e o inteligente, como caminhos complementares e não contrários.

Ele pergunta: como é o meu processo de tomada de decisões? Qual a minha função dominante? Quais as minhas funções esquecidas? Eu decido usando a razão ou num rompante de emoção? Eu decido esperando uma mensagem divina (ou angelical) ou usando meus instintos (a sabedoria que vem de minhas entranhas, de meu ventre)?

– Não existe outra realidade, a não ser a Realidade!

– Não existe outro infinito, a não ser o Infinito!

O que fez com que algumas de minhas funções adormecessem? O medo! Assim, ele pergunta: o que me dá medo?

• Recalcamos nossas sensações devido a experiências dolorosas vividas na infância, experiências registradas em meu corpo, traumas.

• Reprimimos nossos sentimentos, pois, no passado, nos deixamos levar por eles e acabamos sofrendo.

• Recalcamos e reprimimos nossa razão por traumas sofridos com as palavras e pensamentos dos outros. Passamos a desconfiar das palavras e pensamentos e não nos relacionamos bem com eles.

• Apesar disso, desconfiamos de tudo o que não pode ser explicado pela razão, dizendo simplesmente que não existe!

“Pouca ciência nos separa de Deus, mas muita ciência nos aproxima de Deus!”

Albert Einstein

Como viver essa síntese e integrar todos esses aspectos em nós; como viver essas inteligências: corporal, afetiva, racional e intuitiva? Como viver um momento de êxito, de inteireza, de Shalom? Para isso devemos estar atentos e perceber que funções nos dão medo e habitam em nós como sombras, esquecidas ou adormecidas. Jean-Yves pergunta: Como fazer minha sombra dançar com minha luz?

O lugar do êxito é no centro! Viver tudo a partir do Centro, nosso ‘Ponto C’. O que me falta para eu ser inteiro? Se há violência, é porque existe alguma necessidade não satisfeita! E temos quatro grandes delas: necessidades físicas, necessidade de reconhecimento, necessidade de conhecimento e necessidade de liberdade.

1. Necessidade de Segurança: como falar de êxito e de espiritualidade (ou de paz) a alguém que não tem o que comer, que não tem onde dormir ou que está doente?
2. Necessidade de Reconhecimento: como falar de êxito e de espiritualidade (ou de paz) para alguém que não é reconhecido como ser humano, na sua identidade humana? Temos necessidade de ser amados (da forma como somos) e de amar!
3. Necessidade de Conhecimento: como falar de êxito e de espiritualidade (ou de paz) se não sei qual o sentido de minha própria existência? Se não sei porque sofro?
4. Necessidade de Liberdade: como falar de êxito e de espiritualidade (ou de paz) se estou preso em meu próprio meio? Se não consigo sair de onde estou, se me sinto sufocado e sem ar? Com ter amigos e relacionamentos, mas me sentir livre?
– Sacramento é um gesto acompanhado de uma palavra...
Afinal, o que é uma refeição bem sucedida?? Preparar uma mesa pode ser como pintar um quadro: uma obra de arte! É necessário que tenha comida! É necessário que o alimento tenha qualidade! Mas também é necessário que tenha bons sentimentos à nossa volta, que boas palavras circulem no ambiente, nos fazendo aprender, e que nos sintamos livres para sair da mesa! Compartilhar o pão, o vinho, a amizade e as palavras, sem sermos obrigados a permanecer na mesa! Sem sermos sufocados!

– Como você gosta da sopa? – Quente e servida com amizade!

E o que é um casal bem sucedido? É necessário que a dimensão sexual exista! Em sua fecundidade, em seu prazer, em sua realização... é necessária muita paciência e muito respeito pelas memórias no corpo do outro: sua educação familiar, social e religiosa. É importante, também, a dimensão afetiva: a sexualidade com o coração presente! Com o coração presente nas mãos, o coração presente nos lábios. É importante que pelos lábios saiam palavras; saber o que o outro deseja, dizer-lhe: eu te amo. E também é importante a dimensão espiritual. Respeitar o caminho espiritual do outro:

– Eu respeito o que você pensa (e crê) e você respeita o que eu penso (e creio)!

Mas isso nem sempre é tão fácil! Não deixamos o outro livre em suas crenças! Temos que aprender a conhecer os nossos limites, e esses limites não incluem o outro! O que acontece é que amamos no outro uma imagem que temos de nós mesmos e quando o outro passa a ser ele mesmo nos decepcionamos. Queremos que o outro seja o que achamos que somos, quando deveríamos respeitar a dimensão corporal, afetiva, intelectual e espiritual do outro (e de nós mesmos). Orar juntos é tocar o Terceiro que existe entre nós dois...

Quando juntamos as mãos para orar, entre uma mão e a outra existe o espaço e sem o espaço não há uma mão separada da outra. O espaço entre as mãos é o que une e o que separa as mãos! O Terceiro é o Espaço entre os dois! O Terceiro é o Amor entre os dois! É Aquilo que nos une e nos diferencia, pois o outro não deve ser reduzido ao que eu sou nem eu ser reduzido ao que o outro é: “sem confusão (união) e sem separação!!

O vinho, em uma vida em comum, é despertar o deslumbramento e o embriagamento de estarmos juntos. E quando falta o vinho, quem deve ser chamado para nossas vidas? Cristo é quem transforma a água em vinho...

Pois tudo é solúvel no tempo! Do ponto de vista da pulsão (do instinto físico), fidelidade não existe! Do ponto de vista afetivo, fidelidade também não existe, pois podemos nos apaixonar por outro alguém. O mesmo ocorre do ponto de vista de uma escolha sensata e pensada. Quando as sensações e a paixão já não nos une, um projeto em comum, idéias e valores em comum, ou até pensamentos em comum, podem nos manter fiéis. Mas até isso é solúvel no tempo, pois nossos projetos, idéias, valores e pensamentos também mudam. E do ponto de vista religioso? Nossa religião muda, descobrimos outras práticas e religiões.

E o que é indissolúvel entre duas pessoas? Somente há união indissolúvel quando reconhecemos o Terceiro entre nós. Entre o amante e o amado existe o Amor. Somente o Amor, que está entre nós e nos perpassa, pode nos unir indissoluvelmente. Por isso devemos reconhecer essa Presença. Então, podemos não mais conviver juntos, mas uma ligação indelével persistirá! É o mesmo que acontece entre amigos que não mais convivem, mas que quando se encontram parece que nunca estiveram separados. É o que nos une quando as ligações sexual, afetiva, ideológica (profissional) ou religiosa se dissolvem no tempo.

E o que é uma empresa bem sucedida? Da mesma forma, as mesmas quatro dimensões têm que ser contempladas para o êxito. Uma empresa, no plano físico, tem que ganhar dinheiro, até por uma questão de justiça! Mas o que acontece é que a distribuição desse dinheiro se faz de uma forma não justa. Não há uma distribuição justa do lucro. Tem que haver respeito pelo trabalho de cada um, sem hierarquias de poder, mas hierarquias de competências. Reconhecer a nossa competência e a competência do outro.

Na tradição hebraica, numa cerimônia de casamento os noivos se coroam mutuamente. Isso é respeitar e reconhecer o outro e conduzir o outro à sua própria realização. Esse é o verdadeiro sentido do encontro com o outro, seja a dois, seja no campo das idéias, seja no campo profissional! Por isso a importância da dimensão afetiva, pois tenho que ir para a empresa em que trabalho por prazer. Além disso, temos que enriquecer culturalmente. Uma empresa tem que facilitar nosso aprendizado e nos manter crescendo intelectualmente.

Uma empresa com êxito é aquela que nos realiza internamente, que nos traz mais consciência e nos tira de nossos automatismos. Uma empresa que nos ajuda a, cada vez mais, sermos nós mesmos, a crescer em maturidade, a respeitar a liberdade dos outros funcionários é uma empresa que respeita a nossa própria liberdade.

Não podemos dar a nossa liberdade a ninguém, a nenhum patrão, a
nenhuma doutrina, pois Deus é a liberdade que existe em nós!

E o que é uma Igreja (um partido, ou uma Instituição) bem sucedida? Também temos que integrar os quatro níveis! Será que ela me torna mais vivo? Alimenta minhas fomes? Ou ela despreza o meu corpo? Será que ela me torna mais amoroso? Será que ela alimenta a minha confiança? Ou permanecemos desconfiando de todos os que não tem a nossa visão?

Será que ela me torna mais inteligente? Ou apenas me torna um repetidor de palavras e dogmas? Será que ela me ensina a pensar por mim mesmo? Ou minha própria reflexão não é respeitada?

E, por fim, será que ela me torna mais livre? Ou ela me torna mais culpado? Será que eu posso ir e vir? Será que ela me torna cada vez mais autônomo para viver em comunhão ou me distanciar quando sentir que devo, de acordo com os momentos de minha vida? Muitas vezes temos que usar um ‘barco’ (alguma doutrina) para nos ajudar a fazer alguma travessia em minha vida, mas depois que eu atravesso não há mais sentido em permanecer segurando o barco, pois isso vai retardar o meu prosseguir...

Liberdade é permitir que a vida se dê a cada momento, devemos permitir que a liberdade se expresse amorosamente... Existem coisas que não devem ser ditas, mas apenas cantadas, ou silenciadas... A beleza é o esplendor da Verdade (Platão), a beleza cura

E os nossos fracassos, o que fazemos com os nossos fracassos? Será que conseguimos ter êxito na doença, êxito na morte, êxito no divórcio, na falência ou no fracasso existencial? Será que nos deixamos expressar tanto a nossa grandeza quanto o nosso drama? Os nossos êxitos são apenas imagens que temos de nós mesmos. Quando o tempo passa, a fonte de nossos êxitos pode ser a fonte de nossa maior dor, quando não podemos mais sustentar o que fomos e conseguimos.

Uma vida bem sucedida é uma vida que responde ao nosso desejo. Mas não sabemos o que desejamos, no mais profundo de nosso ser. Qual o nosso desejo essencial? Para que estamos aqui? Qual o desejo da vida para conosco? O que podemos realizar que ninguém pode realizar? Os nossos fracassos são acontecimentos que nos trazem de volta ao essencial, pois num piscar de olhos podemos nos encontrar com a nossa fragilidade essencial.

Uma doença com êxito é quando fazemos dela uma ocasião de maturidade, um processo de Individuação acelerado. É quando somos o Sujeito, e não o objeto dos sintomas. É quando somos maiores que a doença. Sermos maiores que a doença é não nos identificarmos com ela. Tenho câncer, mas não sou o câncer.

O mais precioso no ser humano é sua maturidade, sua aceitação!

O fracasso nos traz à noção de Kairoz. Kairóz é uma ocasião de consciência, uma ocasião de crescimento, de despertar para algo mais elevado. Aliviar nossas dores sem perder a consciência... E o que é uma morte com êxito? Estamos preparados para morrer? A morte é sempre uma surpresa, algo inesperado, mas podemos fazer dela uma oferenda e um dom! O Livro Tibetano dos Mortos diz: que eu possa fazer desses derradeiros momentos, uma ocasião de despertar, para mim e para todos os seres!

Não é a morte que nos tira a vida, pois morrer é apenas perder nossos limites, perder o medo de morrer. A vida em mim prossegue sem o corpo. Não sou a vida que tenho, mas a vida que eu sou. Quando morro, eu vou para o local onde eu sou, onde estou desde sempre... Na realidade, a morte me aproxima da Vida que Sou. Aceitando minha vida mortal eu desperto para a minha dimensão eterna!!

Mas será que me lembrarei disso no momento de minha morte, quando passo para outro nível de realidade? A morte é a morte de uma realidade relativa!! Aceito que meu corpo e meu psiquismo nem sempre estão centrados no Ser que é, onde a morte sublime não aceita o medo. A doçura e a serenidade do intolerável demonstram que algo maior habita em nós mesmos e é maior que a nossa própria morte!! O desafio é nos abrir àquilo que não pode ser destruído...

Já estamos no Infinito, nosso inspirar vem do Infinito e retorna a Ele. Se soubéssemos o que existe no final de nosso expirar e antes de um inspirar, teríamos menos medo da morte. Amar é se dar; se perder... Não ter medo de morrer é não ter medo de viver nem de amar!! Um sofrimento, um fracasso ou uma doença com êxito é uma passagem para um novo nível de ser: uma Iniciação! A vida é um grande mestre, às vezes rude, às vezes doce! Um mestre zen usa um golpe de bastão para nos despertar. A vida não quer nos destruir, mas nos despertar para o melhor de nós mesmos.

Não devemos perdoar rápido demais, pois às vezes o que sofremos é real e devemos expressar isso, falar ao outro, reclamar justiça! Não é o ego que perdoa, mas o Self!! Às vezes é injusto demais, é nojento demais... e é por isso que chamamos Aquele que é maior que nós mesmos, que é capaz de amar o que o ‘eu’ não pode! Não somos obrigados a nos abrir a essa dimensão, mas nada pode nos impedir isso!!

O fracasso de um amor não é o fracasso do Amor!! Não devemos acrescentar culpa a um fracasso!

A cruz é o fracasso de um amor não aceito e a ressurreição nos mostra que o amor é maior que o fracasso! O sol brilha sobre o ouro e sobre o lixo, brilha até quando a janela está fechada! Aquele que compreende tudo pode perdoar tudo. Pode perdoar alguém e não fechar a pessoa nas conseqüências negativas de seus atos ou de meus atos. O perdão liberta o outro de seu karma: você me roubou, mas não é apenas um ladrão, me traiu, mas não é apenas um traidor...

A única falta que Deus não perdoa é aquela que não conseguimos perdoar

8 de agosto de 2014

Frei Clodovis e as críticas à Teologia da Libertação

Tenho a impressão que Frei Clodovis foi acometido de alguma  transformação que o fez esquecer do que está escrito em Mt 25,31 –ss.  Se é o próprio Cristo quem diz que : “ o que fizerdes a um desses meus pequeninos é a mim que o fareis” como ele pode pensar que a Teologia da Libertação está fazendo uma troca entre  Jesus e as questões sociais, ou os pobres como ele literalmente diz na entrevista? Ou que ela já tenha cumprido o seu papel?  Ora parece que o Frei Clodovis acha que já se resolveu a questão social, que não há mais famintos (“Eu tive fome e não me deste de comer”) ou sedentos (“eu tive sede e não me saciastes!”) ou doentes(“estive doente e não me visistastes!”) presos... desempregads... oprimidos... excluídos...
A tarefa da Teologia da Libertação penso eu, é levar a igreja de Cristo de volta ao seu eixo, o eixo que  era a razão de ser dos apóstolos e das primeiras comunidades, e que foi gradativamente sendo abandonado pela igreja a medida em que ela se imperializou, se rendeu ao Império romano, absorvendo os hábitos pagãos dos deuses romanos, suas praticas e seus sacríficos. Precisando inclusive produzir profundas modificações na doutrina para que ficasse mais palatável aos neo-convertidos, à força, por decreto de Constantino. Tudo isso piorou quando transformaram a “ceia”, o “ágape fraterno”, em sacrifício incruento, mesmo sabendo que os sacrifícios haviam terminado com a vitima perfeita, o Cristo, que se entregou para salvação de TODOS os pecados e pecadores.

Acho que o brilhante frei  encontrou alguma realidade paralela e passou a achar que a missão da TdL já está cumprida, ou talvez tenha passado para o lado, o dos teólogos acomodados que vivem repetindo a frase de Jesus , fora do contexto atual, de que “pobres sempre o tereis”.
É triste perceber essa atuação de frei Clodovis, em um momento tão importante para a igreja, quando depois de muito tempo pode-se perceber a ação clara do Espírito Santo atuando e se servindo do papa Francisco para recolocar a igreja nos objetivos propostos por Jesus.
Mas até Pedro negou Jesus, cabe a nós aguardar os acontecimentos e esperar. E ficar atentos ao que o Espírito Santo vai operar e nos cobrar quanto ao grande objetivo de Jesus, aquilo que ele nos incumbiu de realizar:  construir o Reino de seu Pai a começar aqui na terra. Para isso é fundamental que se compreenda que para que o Reino aconteça não poderá mais haver justificativas na hora que Jesus nos perguntar. Deus queira que nesta hora tenhamos uma resposta convincente para que ele não diga em alto e bom som:
“- Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos. 42.Porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber;43.era peregrino e não me acolhestes; nu e não me vestistes; enfermo e na prisão e não me visitastes. ...- Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.”(Mt 25,41-43, 45).
entretanto fico pensando se  esta atitude do Frei não é na realidade fruto da enorme pressão que a estrutura da igreja faz. Coim o irmão Leonardo o espremeram até que ele pediu para sair. Embora não lhe tenham dado a resposta ele seguiu de fotma mais loivre o seu caminho, e continua brilhante em seus artigos e livros. Fico me perguntando se é apropriado se chamar essa hierarquia de cristã. O estrago psicológico que todo esse rolo compressor produz nas pessoas, leigos e sacerdotes é assustador.

J. Ricardo A. de Oliveira



 *********************************************************************************
Entrevista de Frei Clodovis Boff  -  Adital
Frei Clodovis Boff: só é possível uma Teologia da Libertação sob a condição de começar e acabar no horizonte da fé





Já faz algum tempo que se fala sobre uma crise da Teologia da Libertação (TdL), corrente teológica fundada há 42 anos, que se caracteriza por uma opção preferencial pelos pobres e pela luta por justiça social. Nas palavras do Frei Clodovis Boff - religioso da ordem dos Servos de Maria, que juntamente com seu irmão mais famoso, Leonardo Boff, foi um dos principais teólogos da TdL -, esse modo de teologizar "deu o que tinha que dar”, ou seja, conscientizou a Igreja sobre a opção preferencial pelos pobres, contudo "não tem mais futuro dentro da igreja” e por isso está perdendo cada vez mais espaço dentro dela.
Mesmo tendo participado da fundação da TdL, Frei Clodovis assegura que já tinha suas reservas em virtude da falta de rigor teórico e da priorização "do político às expensas da fé”. Com o passar dos anos, vendo que essa prioridade não mudava, mas se firmava cada vez mais, decidiu abrir suas críticas. Hoje, o religioso defende que é desaparecendo no caudal maior da teologia cristã que a Teologia da Libertação cumpre sua missão histórica. A ADITAL conversou com Frei Clodovis sobre o assunto. Confira a primeira de uma série especial de entrevistas a ser publicada todas as sextas-feiras pela Adital. 

Quarenta e dois anos depois, a Teologia da Libertação ainda vive?
Ela ainda faz sentido nos dias atuais?
Frei Clodovis M. Boff- Sim, existem teólogos da libertação que se reúnem e escrevem. Mas seu declínio como tendência à parte é inegável. A meu ver, a Teologia da Libertação "prescreveu” historicamente. Deu o que tinha que dar: conscientizar a Igreja sobre a opção preferencial pelos pobres. Ora, isso foi fundamentalmente incorporado, sem mais discussão, pelo discurso normal da Igreja. Assim, a corrente liberacionista reentra, finalmente, na grande correnteza da teologia católica ou universal, reforçando e atualizando aquilo que foi sempre uma riqueza da Igreja: o amor preferencial pelos sofredores de toda a sorte. A Teologia da Libertação poderia até permanecer como um espécimen da chamada "teologia do genitivo”, teologia necessariamente parcial, como quando se fala na "teologia da graça”, na "teologia do casamento” ou ainda na "teologia de São Paulo”. Essas teologias particulares são apenas tematizações de um aspecto da fé. Foi nesse sentido, como teologia parcial, sintonizada com o todo da fé, que a Teologia da Libertação foi declarada por João Paulo II, em Carta aos Bispos do Brasil (09/04/1986) "oportuna, útil e necessária” (n. 5). Mas até que a Teologia da Libertação pretende ser uma teologia completa, ela não tem futuro dentro da Igreja. Ela, de fato, vai perdendo cada vez espaço dentro dela.
"Quer-se mostrar aqui que a Teologia da Libertação partiu bem, mas, devido à sua ambiguidade epistemológica, acabou se desencaminhando: colocou os pobres em lugar de Cristo. Dessa inversão de fundo resultou um segundo equívoco: instrumentalização da fé "para” a libertação. Erros fatais, por comprometerem os bons frutos desta oportuna teologia” (artigo de 16.8.2008). Em qual momento e por que você se tornou um dos grandes críticos da Teologia da Libertação?
Fr. Clodovis M. Boff- Desde sempre, tive reservas em relação à Teologia da Libertação, quer por causa de sua falta de rigor teórico, quer devido ao seu pendor ideológico: o de priorizar o político às expensas da fé. Embora, em minha tese doutoral "Teologia e prática”, publicada há mais de 40 anos (Vozes, 1978), eu já tivesse estabelecido claramente a prioridade da fé sobre a política (especialmente na II Seção, cap. I), imaginei que a prioridade conferida ao político fosse coisa transitória, seja pelo urgentismo social, que se vivia naqueles tempos difíceis (ditadura e capitalismo selvagem), seja por se mostrar uma doença infantil, normal para todo movimento histórico novo. Mas quando, com o passar do tempo, fui me dando conta de que, desgraçadamente, aquela prioridade, em vez de refluir, ia se afirmando cada vez mais, com grave dano para a identidade da fé, a missão própria da Igreja e o destino último do ser humano, decidi então explicitar, sem rebuços, minhas críticas.
Em quais pontos há divergências entre os teólogos da TdL?
Fr. Clodovis M. Boff- As divergências não são de pouca monta, mas fundamentais, tocando os princípios mesmos da fé. Quem é Senhor da Igreja? Quem ocupa seus pensamentos? Cristo ou os pobres? Se dizemos: Cristo, é garantido, em princípio, que os pobres terão na Igreja seu "lugar eminente”, para falar como Bossuet. Mas se dizemos: os pobres, então Cristo pode ser facilmente despedido da sociedade e da vida, como foi com o marxismo.
Em alguns textos você fala em desgaste e crise da TdL. Como esse "modo de teologizar” pode enfrentar a crise e seguir forte?
Fr. Clodovis M. Boff- Como disse acima, é paradoxalmente desaparecendo no caudal maior da teologia cristã que a Teologia da Libertação cumpre sua missão histórica. É como o torrão de açúcar, que só existe para se dissolver no café: continuará aí presente, adoçando todo o café, mas invisível. Ou, numa metáfora mais bíblica, é como João Batista, que disse: "Importa que Ele cresça e eu diminua”, ao contrário dos judeus que, chamados a acolher o Messias, se recusaram a ser o que deveriam se tornar. Deveriam ter feito como Saulo, que só cumpriu seu destino tornando-se Paulo. Tal também deveria ser o termo final da Teologia da Libertação: tornar-se teologia cristã sem mais, depois de ter contribuído para seu enriquecimento.
Os teólogos da libertação estão envelhecendo, o senhor acredita em uma renovação?
Fr. Clodovis M. Boff- Quando se leem as produções atuais dos chamados "teólogos da libertação”, nota-se aí que o discurso se repete ad nauseamSão "variações sobre o mesmo tema”: os pobres socioeconômicos e sua libertação social. Insisto: só é possível uma Teologia da Libertação, como, aliás, qualquer outra espécie de teologia, sob a condição de começar e também acabar no horizonte transcendente da fé. Fora disso, a Teologia da Libertação só produzirá "mais do mesmo”. E, assim como o Papa Francisco costuma dizer que uma Igreja sem a fé incondicional no Cristo é uma "ONG piedosa”, assim também uma Teologia da Libertação (ou qualquer outra), sem essa mesma fé primacial no Cristo, é uma ideologia religiosa, concorrendo ou então colaborando com outras ideologias. Torna-se, com isso, cada vez mais irrelevante, pois, de ideologias o mundo atual está cansado.
A abertura que o Papa Francisco vem dando a teólogos da TdL pode ajudar a revigorá-la?
Fr. Clodovis M. Boff- O discurso e, mais ainda, o exemplo do Papa atual poderia servir de exemplo para um cristianismo que não precisa de ideologia, mesmo sob um rótulo teológico, para se ocupar a sério com os pobres. A Teologia da Libertação só pode se revigorar dentro da Igreja, no seio de seu pluralismo teológico, a título, portanto, de uma teologia particular.
Como os teólogos da libertação têm trabalhado e como deveriam pensar questões polêmicas como aborto, diversidade (união homoafetiva) e participação da mulher na igreja?
Fr. Clodovis M. Boff -Como para a questão do pobre, central na Teologia da Libertação, todas essas outras questões devem ser tratadas por qualquer teólogo a partir dos princípios perenes da fé. Mas, é claro – e esta é a função próprio do teólogo na Igreja –, esses princípios devem ser bem compreendidos e postos em confrontos com a experiência da história, que tem muito a ensinar à Igreja, como reconhece o Vaticano II na Gaudium et Spes (cf. GS 44).
E no caso da Igreja Católica, quais são seus desafios atuais diante de tantas demandas sociais, políticas e econômicas?
Fr. Clodovis M. Boff- Certamente, a Igreja já está fazendo muito no campo social, e precisará fazer mais. Mas, é preciso que fique claro: não é essa a missão originária, "própria” da Igreja, como repete expressamente o Vaticano II (cf. GS 42,2; e ainda 40,2-3 e 45,1). A missão social é, antes, uma missão segunda, embora derivada, necessariamente, da primeira, que é de natureza "religiosa”. Essa lição nunca foi bem compreendida pelo pensamento laico. Foram os Iluministas que queriam reduzir a missão da Igreja à mera função social. Daí terem cometido o crime, inclusive cultural, de destruírem celebres mosteiros e proibido a existência de ordens religiosas, por acharem tudo isso coisa completamente inútil, mentalidade essa ainda forte na sociedade e até mesmo dentro da Igreja. Agora, se perguntamos: Qual é o maior desafio da Igreja?, Devemos responder: É o maior desafio do homem: o sentido de sua vida. Essa é uma questão que transcende tanto as sociedades como os tempos. É uma questão eterna, que, porém, hoje, nos pós-moderno, tornou-se, particularmente angustiante e generalizada. É, em primeiríssimo lugar, a essa questão, profundamente existencial e hoje caracterizadamente cultural, que a Igreja precisa responder, como, aliás, todas as religiões, pois são elas, a partir de sua essência, as "especialistas do sentido”. Quem não viu a gravidade desse desafio, ao mesmo tempo existencial e histórico, e insiste em ver na questão social "a grande questão”, está "desantenado” não só da teologia, mas também da história.


Tenho a ligeira impressão que Frei Clodovis foi acometido de alguma  transformação que o fez esquecer do que está escrito em Mt 35,31 –ss. Se é o próprio Cristo quem diz que : “ o que fizerdes a um desses meus pequeninos é a mim que o fareis” como ele pode pensar que a Teologia da Libertação está fazendo uma troca entre  Jesus e as questões sociais, ou os pobres como ele literalmente diz na entrevista? Ou que ela já tenha cumprido o seu papael?  Ora parece que o Frei Clodovis acha que já se resolveu a questão social, que não há mais famintos (“Eu tive fome e não me deste de comer”) ou sedentos( “eu tive sede e não me saciastes!”) ou doentes( “estive doente e não me visistastes!”) presos... desempregads... oprimidos... excluídos...
A tarefa da Teologia da Libertação penso eu, é levar a igreja de Cristo de volta ao seu eixo, o eixo que  era a razão de ser dos apóstolos e das primeiras comunidades, e que foi gradativamente sendo abandonado pela igreja a medida em que ela se imperializou, se rendeu ao Império romano, absorvendo os hábitos pagãos dos deuses romanos, suas praticas e seus sacríficos. Precisando inclusive produzir profundas modificações na doutrina para que ficase mais palatável aos neo-convertidos, à força, por decreto de Constantino. Tudo isso piorou quando transformaram a “ceia”, o “ágape fraterno”, em sacrifício incruento, mesmo sabendo que os sacrifícios haviam terminado com a vitima perfeita, o Cristo, que se entregou para salvação de TODOS os pecados e pecadores.
Acho que o brilhante frei  encontrou alguma realidade paralela e passou a achar que a missão da TdL já está cumprida, ou talvez tenha passado para o lado, o dos teólogos acomodados que vivem repetindo a frase de Jesus , fora do contexto atual, de que “pobres sempre o tereis”.
É triste perceber essa atuação de frei Clodovis, em um momento tão importante para a igreja, quando depois de muito tempo pode-se perceber a ação clara do Espírito Santo atuando e se servindo do papa Francisco para recolocar a igreja nos objetivos propostos por Jesus.
Mas até Pedro negou Jesus, cabe a nós aguardar os acontecimentos e esperar. E ficar atentos ao que o Espírito Santo vai operar e nos cobrar quanto ao grande objetivo de Jesus, aquilo que ele nos incumbiu de realizar:  construir o Reino de seu Pai a começar aqui na terra. Para isso é fundamental que se compreenda que para que o Reino aconteça não poderá mais haver justificativas na hora que Jesus nos perguntar. Deus queira que nesta hora tenhamos uma resposta convincente para que ele não diga em alto e bom som:
“- Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos. 42.Porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber;43.era peregrino e não me acolhestes; nu e não me vestistes; enfermo e na prisão e não me visitastes.
...- Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.”(Mt 25,41-43, 45)