O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

28 de maio de 2011

Loucura Sagrada


"Sonhei que o Papa enlouquecia
E ele mesmo ateava fogo ao Vaticano
E à Basílica de São Pedro.

Loucura sagrada!

Porque Deus atiçava o fogo que os
Bombeiros, em vão, tentavam extinguir.
O Papa, louco, saia pelas ruas de Roma
Dizendo adeus aos embaixadores
Credenciados junto a ele
Jogando a Tiara ao tibre.
Espalhando pelos pobres, todos,
O dinheiro do banco do Vaticano.


Que vergonha para os cristãos!
Para que um Papa viva o Evangelho
Temos que imaginá-lo em plena loucura
.

6 de maio de 2011

No Caminho de Emaús Abrir os olhos. Ele está no meio de nós! Lucas 25, 13-35


Texto extraído do livro “O avesso é lado certo – Círculos Bíblicos sobre o Evangelho de Lucas” – dos autores Carlos Mesters e Mercedes Lopes.

1.      De que estavam falando pelo caminho?
Duas pessoas andando pela estrada. Desanimadas. Tristes! Estavam indo na direção contrária. Fugindo. Buscando. Imagem de ontem e de hoje. Imagem de todos nós. No ano de 85, muitos discípulos e discípulas andavam pelo caminho, tristes, desanimados, sem saber se estavam no caminho certo. No ano de 1998, parece que a cruz ficou maior e mais pesada. O desemprego, a violência, a droga, a falta de atenção séria à saúde e à educação, a falta de dinheiro, as dívidas... o desespero. Sentimo-nos impotentes frente à corrupção que desvia fundos dos cofres públicos, ou frente à má administração que deixa o povo no desamparo. O sistema neoliberal vai gerando cada dia mais exclusões de indivíduos, grupos e países. Parece que vivemos em um caos, em uma situação sem saída. Temos a impressão de estarmos caminhando ladeira abaixo, para o pior.

2. Tinham os olhos vendados
A experiência da morte de Jesus tinha sido tão dolorosa que eles perderam o sentido de viver em comunidade, abandonaram o grupo de discípulos e discípulas. Sentiram-se impotentes diante do poder que matou Jesus e procuraram salvar pelo menos a própria pele. Sua frustração era tão grande, que nem reconheceram Jesus, quando este se aproximou e passou a caminhar com eles (24,15). Tinham um esquema rígido de interpretação sobre o Messias, e não puderam ver a salvação de Deus entrando em suas vidas. Algumas discípulas tentaram ajudar os companheiros a perceber que Jesus estava vivo (24,22-23). Mas eles se recusaram a acreditar (24,24). Esta notícia era por demais surpreendente. Era o mesmo que dizer que Jesus era o vencedor do caos e da morte. Só podia ser fantasia, sonho, delírio de mulheres (24,11). Impossível acreditar! Quando a dor e a indignação pegam forte, há pessoas que ficam depressivas, desesperadas. Outras se tornam coléricas e amargas. Algumas invocam o fim do mundo com catástrofes que vão tirar os maus da face da terra. Outras buscam evadir-se numa oração sem compromisso social e político. Mas nenhuma dessas posturas ajuda a abrir os olhos e analisar a situação com fé lúcida e responsável, capaz de inventar saídas para esta situação aparentemente sem saída.

3. A Bíblia esquentou o coração, mas não abriu os olhos
Caminhando com eles, sem eles se darem conta, Jesus fazia perguntas. Escutava as respostas com interesse. Dessa maneira, obrigava-os a irem fundo no motivo da sua tristeza e fuga. Procurava fazê-los expressar a frustração que sentiam. Depois, ia iluminando a situação com palavras da Escritura. Procurava situas os discípulos na história do povo, para que pudessem entender o momento que estavam vivendo. Foi uma experiência apaixonante. Mais tarde, eles iriam fazer uma reflexão e perceber que o coração deles ardia, quando Jesus lhes explicava as Escrituras pelo caminho (24,32). Mas a explicação que Jesus dava a partir das Escrituras não conseguiu abrir os olhos dos discípulos.

4. Eles o reconheceram na partilha do pão
Caminhando com Jesus, os discípulos sentiram o coração arder. Cresceu dentro deles uma atitude de acolhida: “Fica conosco! Cai a tarde e o dia já declina!” (24,29). Foi só então que a partilha aconteceu. Partilha de vida, de oração e de pão. Partilha que abriu os olhos e provocou a mais importante descoberta da fé: ele está vivo, no meio de nós! (24,30-31). Esta descoberta lhes deu forças para voltar a Jerusalém, mesmo de noite. Tinham pressa de partilhar com os outros a descoberta que os fez renascer e ter coragem para enfrentar o poder da morte. Sim, Jesus era de fato o vencedor do caos e da morte! Não era fantasia das mulheres. Era uma realidade escondida, misteriosa, que só pode ser descoberta por quem aprende a partilhar, a se entregar, a sair do círculo vicioso dos interesses egoístas, para lutar junto com os outros pela vida de todos. Quando seus olhos se abriram, livres das trevas e travas por poder dominante, puderam descobrir a morte de Jesus como expressão máxima de um amor sem limites. Amor que tem sua origem no Pai cheio de ternura, gerador incansável da vida. Amor que tomou carne em Jesus de Nazaré para visitar e redimir a humanidade. Amor que se mantém fiel até ao extremo de dar a própria vida, para que todos tenham vida (Jo 10,10). Amor que foi confirmado pelo Pai, quando ressuscitou Jesus da morte.

5. Renascer para uma nova esperança
Esta experiência fez os discípulos renascerem para uma nova esperança. Ao redor de Jesus vivo, eles se uniram de novo e assumiram o projeto de vida para todos. A esperança é como um motor que leva a acreditar nos outros e a inventar práticas de fé. Com a esperança renovada, aquilo que parecia uma total impossibilidade passou a ter um novo significado para eles. Perderam o medo, superaram a experiência de incapacidade e de impotência. Deixaram de lado o negativismo derrotista e voltaram, em plena noite, como se fosse de dia. Voltaram para recomeçar, para reconstruir a comunidade, expressão, sinal e sacramento da presença de Jesus Ressuscitado.

6. Refazer hoje a experiência do caminho de Emaús
Desafiados pela atual conjuntura, somos chamados a viver hoje a experiência de Emaús e descobrir, na partilha solidária, a presença de Deus no meio de nós. Como comunidade de fé, somos chamados a reconstruir, no diálogo, na abertura e na acolhida, o projeto de Jesus, pelo qual ele entregou sua própria vida. A solidariedade leva à descoberta da força libertadora de Deus na história. Com olhar lúcido e criativo procuraremos expressar esta fé numa solidariedade bem concreta e articulada, seja a nível de grupo, de bairro ou de cidade. Dizer articulada quer dizer que esta ação solidária deve ser comunitária. Só assim será de fato sinal do Reino e poderá intervir em favor da vida, da vida indefesa dos pobres, os preferidos de Jesus.




Equipe CEBI
CEBI - Centro de Estudos Bíblicos

1 de maio de 2011

É hora de apressar a canonização do Papa João XXIII



É difícil imaginar Santo Agostinho sem São PauloJoão Paulo II sem João XXIII.

A opinião é do colunista E.J. Dionne Jr., do jornal The Washington Post, 27-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A decisão do Vaticano de acelerar o Papa João Paulo II no caminho à santidade despertou grande júbilo entre muitos católicos – e uma reação violenta entre outros na Igreja que veem a pressa como indecorosa.
Há uma solução óbvia que poderia unir os católicos em oposição e enviar exatamente a mensagem certa sobre a atitude da Igreja para o mundo moderno: é hora de declarar oPapa João XXIII um santo.
Aqui está uma oração para que o Papa Bento XVI use as cerimônias de beatificação neste domingo de João Paulo II em Roma para anunciar que o Vaticano está ansioso para completar o processo de santificação do bom Papa João, o grande modernizador da Igreja que abraçou a democracia e a liberdade religiosa.
E há uma ligação natural entre os dois pontificados. Quando os historiadores olham para trás, as maiores realizações de João Paulo II serão vistas, inevitavelmente, como liberais, no sentido mais amplo: seu compromisso com os direitos humanos e a liberdade religiosa, seus apelos por uma maior justiça social, seu abraço aos direitos dos trabalhadores ("a prioridade do trabalho sobre o capital") e sua estrênua oposição ao preconceito religioso. Lembremo-nos que João Paulo II foi o primeiro Papa – sem contar São Pedro – que visitar uma sinagoga, onde ele fez uma condenação retumbante ao antissemitismo.
Nenhuma dessas conquistas teria sido possível se o Papa João XXIII não tivesse terminado a guerra do catolicismo contra a modernidade, convocando o Concílio Vaticano II na década de 1960. João XXIII convidou os católicos a discernir os "sinais dos tempos" e censurou as "almas desconfiadas" que viam na era moderna "somente escuridão oprimindo a face da terra".
"Quero abrir as janelas da Igreja para que possamos olhar para fora, e para que as pessoas possam olhar para dentro" é uma citação amplamente atribuída a João XXIII. Ainda é uma bela encantadora. O padre Joseph Komonchak, um dos principais historiadores do Concílio Vaticano II, gosta de apontar para a visão de João XXIII de que "a Igreja não é um museu de antiguidades, mas sim um vívido jardim cheio de vida".
João XXIII já foi beatificado, o prelúdio para a santidade na tradição católica. Mas sua beatificação no ano 2000 ficou desfigurada quando João Paulo ligou-a à beatificação doPapa Pio IX, um dos Papas mais reacionários da era moderna. Pio conhecidamente referiu-se ao catolicismo liberal como "pernicioso", "pérfido", "perverso" e como "um vírus". A abordagem de João era a antítese de Pio IX, e algo muito bom.
Quando João XXIII morreu em 1963, cardeais progressistas tentaram agilizar sua beatificação mediante a confirmação da nova direção da Igreja. Seus esforços foram rejeitados. Mas Bento XVI abraçou os esforços comparáveis em prol de João Paulo II imediatamente após sua morte, chegando à cerimônia de beatificação deste domingo.
O fato de a tradição ter sido forçada a bloquear a rápida canonização de João, mas ignorada para poder ir a toda velocidade para João Paulo II, sugere que, sim, uma certa quantidade de políticas estão envolvidas nessas questões supostamente sobrenaturais.
E a celebração de João Paulo II foi manchada pela legítima controvérsia sobre o seu apoio incondicional a Marcial Maciel Degollado, o padre mexicano que fundou o conservador movimento dos Legionários de Cristo e que acabou sendo condenado por Bento por, dentre outras coisas, ter abusado dos membros da sua ordem e ter tido filhos fora do casamento com pelo menos duas mulheres. João Paulo II protegeu Maciel. Coube a Bento XVI discipliná-lo.
Sobre os escândalos de abuso de um modo geral, Ross Douthat, o colunista incondicionalmente católico do New York Times, estava certo ao observar que "o ambicioso João Paulo II deixou os escândalos espalhados sob os seus pés", enquanto coube a Bento, o "sem carisma", a tarefa de "limpá-los". E o vigor de João Paulo II em condenar teólogos dissidentes indicou a personalidade paradoxal do seu papado: mais liberal em muitas questões que envolviam o mundo exterior, mais conservador em questões internas.
A Igreja deveria ter aplicado o mesmo padrão de João Paulo II como o fez para João XXIII e ter tomado mais tempo para a beatificação. No entanto, mesmo os católicos mais progressistas sentiram o impacto de João Paulo II como um homem dinâmico, intrépido e genuinamente santo. Tendo-o cobrido por dois anos como repórter, posso testemunhar o seu magnetismo. Assim como o padre James Martin, escritor jesuíta liberal, notou esta semana, João Paulo II "era orante, destemido e zeloso. E, a meu ver, qualquer pessoa que visita a cela da prisão do seu suposto assassino e perdoa esse homem é um santo".
No entanto, os atos mais admirados de João Paulo II estão construídos sobre o legado de João XXIII. É difícil imaginar Santo Agostinho sem São PauloWashingtonsem JeffersonJoão Paulo II sem João XXIII. Uma Igreja que precisa abrir as janelas novamente faria bem em honrar o Papa que libertou-a para ser refrescada pela brisa fortificante da modernidade.