O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

17 de dezembro de 2010

'A prece não serve para nada. Assim, como não serve para nada o amor'', afirma eremita


Em 20 de novembro de 2011, morreu, aos 91 anos, Adriana Zarri, eremita e teóloga. Sua voz era com freqüência fortemente crítica na Igreja católica, mas sua fé era indubitável, tanto que até mesmo Avvenire, jornal católico da Itália, não falhou em recordá-la.

A nota é de Christian Albini, em seu blog Sperare per Tutti, 27-11-2010. A tradução é de Benno Dischinger.
Graças à Internet é possível escutar, ver e ler Adriana Zarri.
Um trecho da transmissão Uomini e profeti transmitiu parte de uma conversa sua com Gabriella Caramone.
O site da RSI repropõe alguns vídeos nos quais ela pode ser vista em momentos diversos, o menos recente dos quais remonta a janeiro de 1970 (clique aqui).
Um blog dedicado aos novos eremitas contém uma sua entrevista a Rodolfo Signifredi, da qual reproduzo uma parte.
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Por que os eremitas se isolam?
O interesse do eremita é solidão, não isolamento. E o silêncio contemplativo é denso de palavras e de presença. O eremita é um homem entre os homens e a solidão permite um emergir todo particular do mal do mundo que, em perspectiva, pode ser analisado com maior lucidez e combatido com uma contestação interior. A prece é a contestação mais profunda deste mundo utilitário enquanto coloca em crise o modelo antropocultural que o exprime.
Mas, permanecendo apartados tão longamente não se acaba sendo ursos ou misantropos?
Em cada um de nós existe uma validez monástica. O eremita é quem faz emergir esta validez sobre os outros componentes. Um ermitão não é uma concha de lesma na qual o indivíduo se encerra, mas é tão somente a escolha de viver a fraternidade em solidão. O isolamento é um cortar-se fora, a solidão é um viver dentro. O isolamento é uma solidão vazia, a solidão, ao invés, é plena cordial, cálida, percorrida por vozes e animada por presenças. Esta solidão é a forma eremítica do encontro. E o calor humano se reaviva continuamente.
Para que serve rezar tão intensamente?
A quem pede “para que serve” a prece, é preciso dizer escandalosamente que não serve para nada, como não serve para nada o amor, a arte, a beleza. Na acepção consumista a prece não serve; é um belo ramalhete de flores que colocamos sobre a mesa. Poderemos deixar de fazê-lo, se come da mesma forma. Porém não se almoça, não se janta. Nem mesmo sorrir serve. A boca se abre utilmente para comer e para comandar; o sorriso é um extra. Como certas pessoas se tornam eremitas? È uma escolha radical, como aquela dos autênticos ‘clochard’ [vagabundos] de outrora. Mas, diversamente de todas as formas associas, a do eremita é uma forma totalmente empenhada. Um retiro, uma retirada de tudo para encontrar-se a si mesmos e para ser ainda mais de ajuda a esta humanidade. O eremita nós o encontramos em todas as religiões, encontramo-lo no santão indiano que está nas grutas do Himalaia ou no monge ermitão do MonteAthos. No nosso Ocidente o movimento eremítico começa ainda antes deConstantino com a fuga para o deserto ou sobre as montanhas de solitários em luta com leões e serpentes, e também com diabos tentadores. Mas, quando a fama dos seus jejuns, das preces incessantes, do silêncio ininterrupto atrai discípulos e inquietudes existenciais, a vida eremítica se interrompe para transformar-se em comunidade. A ermida se torna convento. Tem sido assim também para o eremita Bento de Núrsia, constrangido por sua própria fama de santidade a improvisar-se como mestre de noviços, e a passar de uma solidão sem hierarquias ao ora et labora de um claustro.