O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

18 de setembro de 2012

Meditar como uma montanha

Jean Yves Leloup


Assim começava para o jovem filósofo uma verdadeira iniciação à oração hesicasta.  A primeira indicação que lhe fora dada dizia respeito à estabilidade.  O enraizamento de uma boa postura.
De fato, o primeiro conselho que podemos dar a alguém que quer meditar não é de ordem espiritual, mas física: sente-se.
Sentar-se como uma montanha, isso quer dizer sentar-se com peso: estar pesado da presença.  Nos primeiros dias, o jovem teve muita dificuldade em permanecer assim imóvel, as pernas cruzadas, o quadril ligeiramente mais alto que os joelhos (foi nessa postura que ele encontrara a estabilidade).  Uma manhã, ele realmente sentiu o significado de “meditar como  uma montanha”.  Ele estava ali, com todo seu peso, imóvel.  Ele e a montanha formavam um só, silenciosos sob o sol.  Sua noção do tempo mudara completamente.  As montanhas possuem um outro tempo, um outro ritmo.  Estar sentado como uma montanha é ter a eternidade diante de si, é a atitude justa para aquele que quer entrar na meditação: saber que ele tem a eternidade detrás, dentro e diante de si.  Antes de erguer uma igreja, era preciso ser pedra e sobre essa pedra (essa solidez imperturbável do rochedo), Deus pôde erguer sua Igreja e fazer do corpo do homem o seu templo.  Era dessa forma que ele compreendia o sentido das palavras evangélicas: “És pedra e sobre essa pedra edificarei minha igreja.”
Assim ele permaneceu durante várias semanas.  O mais difícil para ele era passar horas “sem fazer nada”.  Era preciso reaprender a ser, simplesmente ser – sem objetivo nem motivo.  Meditar como uma montanha era a própria meditação do Ser, “do simples fato de Ser”, antes de todo pensamento, todo prazer e toda dor.  O padre Serafim o visitava todos os dias, compartilhando com ele seus tomates e suas azeitonas.  Apesar dessa dieta frugal, o jovem parecia ter ganhado peso.  Seu caminhar estava mais tranqüilo.  A montanha parecia ter entrado na sua pele.  Ele sabia respeitar o tempo, acolher as estações, permanecer em silêncio e ficar tranqüilo como uma terra por vezes dura e árida, mas por vezes também como o flanco de uma colina à espera da época da colheita.
Meditar como uma montanha também modificara o ritmo dos seus pensamentos.  Ele aprendera a “ver” sem julgar, como se ele desse a tudo aquilo que brota sobre a montanha o “direito de existir”.
Certo dia, alguns peregrinos o tomaram por um monge; impressionados pela qualidade da presença, eles pediram-lhe uma bênção.  Ele nada respondeu, imperturbável como a pedra.  Tendo sabido disso, naquela mesma noite o Padre Serafim começou a lhe dar bastonadas...  O jovem homem se pôs então a gemer.
“Ah bom, eu achei que você tivesse se tornado tão estúpido quanto as pedras do caminho...  A meditação hesicasta tem um enraizamento, a estabilidade das montanhas, mas seu objetivo não é fazer de você um cepo morto, mas um homem vivo.”
Ele tomou o jovem pelo braço e o conduziu até o fundo do jardim onde, entre as ervas selvagens, eles conseguiam divisar algumas flores.  “Agora não se trata mais de meditar como uma montanha estéril.  Aprenda a meditar como uma papoula, mas não esqueça da montanha...”
Meditar como uma papoula

Foi assim que o jovem aprendeu a florescer...  A meditação é antes de tudo uma postura e foi isso o que a montanha lhe havia ensinado.  A meditação também é uma “orientação” e era isso o que a papoula estava ensinando-lhe agora: voltar-se em direção ao sol, voltar-se do mais profundo de si mesmo em direção à luz.  Aspirar em todo seu sangue, toda a seiva.
Essa orientação voltada ao belo, à luz, fazia com que ele às vezes ficasse vermelho como uma papoula.  Era como se a “bela luz” fosse a luz de um olhar que lhe sorria, esperando dele um perfume qualquer...  Junto à papoula, ele aprendeu igualmente que, para permanecer na sua orientação, a flor deveria ter “a haste ereta” e ele começou a endireitar a coluna vertebral.
Isso lhe colocou alguns problemas, pois ele tinha lido em alguns textos da Filocalia que o monge deveria estar ligeiramente curvado.  Algumas vezes, até mesmo sentindo dor.  O olhar voltado para o coração e as entranhas.
Ele pediu ao padre Serafim algumas explicações.  Os olhos do staretz o olharam com malícia: “Isso era para os fortões d’outrora.  Eles eram cheios de energia, e era preciso lembrar-lhes a humildade da sua condição humana, que eles se curvem um pouco durante a meditação – isso não lhes fará nenhum mal...  Mas você, você tem necessidade de energia, então, no momento da meditação, endireite-se, esteja vigilante, mantenha-se ereto e voltado para a luz, mas sem orgulho... aliás, se você observar bem a papoula, ela lhe ensinará não apenas a retidão da haste, mas também uma certa maleabilidade sob as inspirações do vento e também uma grande humildade...”
     De fato, o ensinamento da papoula também estava presente na sua fugacidade, na sua fragilidade.  Era preciso aprender a florescer, mas também a fanar.  O jovem compreendeu melhor as palavras do profeta:
“Toda carne é como a grama e sua delicadeza é como a das flores dos campos.  A grama seca, a flor murcha...  As nações são como uma gota de orvalho na beira de um balde...  Os juízes da terra acabarão de ser plantados, sua haste acabou de deitar raízes na terra... e então eles secarão e a tempestade os levará como uma palha.” (Isaías 40).
A montanha tinha lhe dado o sentido da Eternidade, a papoula lhe ensinava a fragilidade do tempo: meditar é conhecer o Eterno na fugacidade do instante, um instante reto, bem orientado.  É florescer o tempo que nos é dado a florescer, amar o tempo que nos é dado a amar, gratuitamente, sem porquê, pois para quem?  Por que florescem as papoulas?
Assim, ele aprendeu a meditar “sem objetivo nem ganho”, apenas pelo prazer de ser e de amar a luz.  “O amor é a sua própria recompensa”, dizia ainda Ângelus Silesius.  “É a montanha que floresce na papoula, pensou o jovem.  É todo o universo que medita em mim.  Que ele possa ficar vermelho de alegria enquanto durar minha vida.”  Esse pensamento certamente era demais.  O padre Serafim começou a sacudir o nosso filósofo e mais uma vez o tomou pelo braço.  Ele o conduziu por um caminho escarpado que levava até a beira do mar, a uma pequena praia deserta.  “Pare de ruminar como uma vaca o bom senso das papoulas...  Tenha também o coração marinho.  Aprenda a meditar como o oceano.”

Meditar como o oceano

O jovem aproximou-se do mar.  Ele tinha adquirido uma boa base e uma orientação reta.  Ele estava na boa postura.  O que lhe faltava?  O que o marulhar do oceano poderia lhe ensinar?  O vento se ergueu.  O fluxo e o refluxo do mar tornaram-se mais profundos e isso despertou nele a lembrança do oceano.  O velho monge tinha aconselhado-o, de fato, a meditar “como o oceano” e não como o mar.  Como ele tinha adivinhado que o jovem tinha passado longas horas às margens do Atlântico, sobretudo à noite e que ele já conhecia a arte de acordar seu sopro com a grande respiração das ondas.  Eu inspiro, eu expiro..., depois, eu sou inspirado, eu sou expirado.  Eu me deixo levar pelo sopro, assim como nos deixamos levar pelas ondas...  Assim ele se deixava ser carregado pelo ritmo das respirações oceânicas.  Mas a gota de oceano que outrora “dissipava-se no mar”, guardava hoje sua forma, sua consciência.  Será que isso era o efeito da sua postura?  Do seu enraizamento na terra?  Ele não era mais levado pelo ritmo aprofundado da sua respiração.  A gota d’água guardava sua identidade e, no entanto, ela sabia “ser uma” com o oceano.  Foi assim que o jovem aprendeu que meditar é respirar profundamente, deixar ser o fluxo e o refluxo do sopro.
Ele aprendeu igualmente que, mesmo havendo ondas na superfície, o fundo do oceano permanecia tranqüilo.  Os pensamentos vão e vêm, nos fazem espumar, mas o fundo continua imóvel.  Meditar a partir das ondas que somos para perdermos o pé e deitarmos raízes no fundo do oceano.  Tudo isso tornava-se a cada dia um pouco mais vivo para ele e ele se lembrava das palavras de um poeta que o marcara nos tempos da sua adolescência: “A Existência é um mar incessantemente cheio de ondas.  Desse mar as pessoas normais só percebem as ondas.  Veja como, das profundezas do mar, inumeráveis ondas aparecem na superfície, enquanto o mar permanece oculto nas ondas”.  Hoje o mar lhe aparecia menos "oculto nas ondas”, a unicidade de todas as coisas lhe parecia mais evidente, e isso não abolia o múltiplo.  Ele tinha menos necessidade de opor o fundo e a forma, o visível e o invisível.  Tudo isso constituía o oceano único da vida.
No fundo do seu sopro não se encontrava o Ruah?  O pneuma?  O grande sopro de Deus?
“Aquele que escuta com atenção sua respiração, lhe disse então o velho monge Serafim, não está longe de Deus.”
“Escute quem está no final do teu expirar.  Quem está na fonte do teu inspirar.”  Realmente, existia ali alguns segundos de silêncio mais profundos do que o fluxo e o refluxo das ondas, e havia ali algo que parecia carregar o oceano...
Meditar como um pássaro

Estar em uma boa postura, estar orientado em direção à luz, respirar como um oceano... isso ainda não é a oração hesicasta, lhe disse o Padre Serafim.  "Agora você deve aprender a meditar como um pássaro", e ele o levou até uma pequena célula próxima à sua ermida onde viviam duas rolas.  De início, o arrulhar desses dois pequenos animais lhe pareceu charmoso, mas não demorou para que esse som irritasse o jovem filósofo.  De fato, elas escolhiam o momento onde ele estava caindo de sono para arrulhar as mais ternas palavras.  Ele perguntou ao velho monge o que tudo isso significava e se essa comédia iria durar muito tempo.  A montanha, o oceano, a papoula ainda passavam (mesmo que possamos nos perguntar o que existe de cristão nisso tudo), mas, agora, propor-lhe essa ave langorosa como mestre de meditação, era demais!  O padre Serafim explicou-lhe que no Antigo Testamento, a meditação é expressa pelos termos da raiz “haga”, frequentemente  traduzido para o grego por mélété – meletan – e para o latim pormeditaria – meditatio.  Em seu sentido primitivo, essa raiz queria dizer “murmurar em voz baixa”.  Ela é igualmente utilizada para designar os gritos dos animais, por exemplo, o rugir do leão (Isaías 31, 4), o piar das andorinhas e o canto da pomba (Isaías 38, 14), mas também o grunhido dos ursos.
“Não temos ursos no Monte Athos.  É por esta razão que o trouxe até as rolas, mas o ensinamento é o mesmo.  É preciso meditar com a sua garganta, não apenas para acolher o sopro, mas também para murmurar o nome de Deus noite e dia...”
Quando você está feliz, quase sem se dar conta, você cantarola, você às vezes murmura palavras sem sentido e esse murmúrio faz todo o seu corpo vibrar de alegria simples e serena.
Meditar é murmurar como a rola, deixar subir em si esse canto que vem do coração, assim como você aprendeu a deixar subir em você o perfume que vem da flor... meditar é respirar cantando.  Sem nos demorarmos muito no significado agora, eu proponho que você repita, murmure, cantarole as palavras que estão no coração de todos os monges do Athos: “Kyrie eleison, kyrie eleison...”  Isso não agradou muito ao jovem filósofo.  Ele já tinha ouvido essas palavras em algumas celebrações de casamento ou enterro; em francês elas eram traduzidas por: “Senhor, tenha piedade”.
O monge Serafim começou a sorrir: “Sim, esse é um dos significados dessa invocação, mas há muitos outros.  Essas palavras também querem dizer: “Senhor, envie teu Espírito...!  Que a tua  ternura esteja sobre mim e sobre todos, que teu Nome seja abençoado, etc...”, mas não procure compreender o sentido dessa invocação, ele se revelará sozinho a você.  Por enquanto, esteja sensível e atento à vibração que ela desperta em seu corpo e em seu coração.  Tente harmonizar pacificamente essa invocação com o ritmo da sua respiração.  Quando os pensamentos o atormentarem, volte suavemente a essa invocação, respire mais profundamente, mantenha-se ereto e imóvel e você conhecerá um início dehesychia, a paz que Deus dá, incomensuravelmente, àqueles que o amam.  Passados alguns dias, o “Kyrie eleison” tornou-se um pouco mais familiar.  Ele o acompanhava assim como o zumbir acompanha a abelha quando ela faz o seu mel.  Ele nem sempre o repetia com os lábios.  O zumbido tornara-se mais interior e sua vibração mais profunda.
O “Kyrie eleison” que ele renunciara a “pensar” acerca do seu significado, o conduzia por vezes a um silêncio desconhecido e ele se encontrava na atitude do apóstolo Tomé quando este descobriu o Cristo ressuscitado: “Kyrie eleison”, Meu Senhor é meu Deus.
A invocação o mergulhou pouco a pouco em um clima de intenso respeito por tudo aquilo que existe.  Mas também de adoração por aquilo que mantém-se oculto na raiz de todas as existências.  O padre Serafim disse-lhe então: “Agora você não está longe de meditar como um homem.  Eu devo ensinar-lhe a meditação de Abraão.”
Meditar como Abraão

Até aqui o ensinamento do stárets fora de ordem natural e terapêutica.  Os antigos monges, segundo o testemunho de Philon de Alexandria, eram, de fato, “terapeutas”.  Seu papel, antes de conduzirem à iluminação, era o de curar a natureza, colocá-la em melhores condições para que ela pudesse receber a graça, a graça que não contradizia a natureza, mas a restaurava e a realizava.  Era isso que o homem idoso estava fazendo com o jovem filósofo, ensinando-lhe um método de meditação que alguns poderiam chamar de “puramente natural”.  A montanha, a papoula, o oceano, o pássaro – tantos elementos da natureza que lembram ao homem que ele deve, antes de ir mais longe, recapitular os diferentes níveis do ser, ou ainda os diferentes reinos que compõem o macrocosmo.  O reino mineral, o reino vegetal, o reino animal...  Frequentemente o homem perde o contato com o cosmos, com o rochedo, com os animais e isso acaba provocando nele todo tipo de doenças, de mal-estares, de insegurança, de ansiedade.  Ele se sente “demais”, estranho e estrangeiro no mundo.  Meditar era primeiro entrar na meditação e no louvor do universo, pois “todas as coisas sabem orar antes de nós”, dizem os padres.  O homem é o lugar onde a oração do mundo toma consciência dela mesma.  O homem está aqui para nomear aquilo que todas as criaturas balbuciam.  Com a meditação de Abraão, nós entramos em uma nova e mais elevada consciência que chamamos de fé, ou seja, a adesão da inteligência e do coração a esse “Tu” ou a esse “Você” que é, que transparece quando chamamos todas os seres pelos seus primeiros nomes.  Essa é a experiência e a meditação de Abraão: atrás do estremecer das estrelas, existem mais do que estrelas, uma presença difícil de nomear, que nada pode nomear e que no entanto possui todos os nomes...
É algo maior do que o universo e que, no entanto, não pode ser compreendido fora do universo.  A diferença que existe entre Deus e a natureza é a diferença que existe entre o azul do céu e o azul de um olhar...  Abraão estava em busca desse olhar além de todos os azuis...  Após ter aprendido a sentar, após ter aprendido o enraizamento, a orientação positiva em direção à luz, a respiração apaziguada dos oceanos, o canto interior, o jovem era convidado ao despertar do coração.  “De repente, você é alguém”.  Aquilo que é próprio ao coração, de fato, é personalizar todas as coisas e, nesse caso, personalizar o Absoluto, a Fonte de tudo aquilo que é e respira, nomeá-la, chamá-la de “Meu Deus”, “Meu Criador” e caminhar em Sua presença.  Meditar, para Abraão, é manter, sob as mais variadas formas, o contato com essa Presença.  Essa forma de meditação entra nos detalhes concretos da vida quotidiana.  O episódio do carvalho de Mambré nos mostra Abraão “sentado à entrada da tenda, na hora mais quente do dia” e ali ele vai acolher três estrangeiros que vão se revelar como enviados de Deus.  Meditar como Abraão, dizia o Padre Serafim, “é praticar a hospitalidade, o copo d’água que damos àquele que tem sede, não se afaste do silêncio, ele o aproxima da fonte.”  Meditar como Abraão, você compreende, desperta não apenas em você a paz e a luz, mas também o Amor por todos os homens.”  E o padre Serafim leu para o jovem a famosa passagem do livro do Gênesis onde se fala da intercessão de Abraão:
“Abraão estava diante de YHWH, Aquele que é – que era – que será.”  Ele aproximou-se e disse: “Vais realmente suprimir o justo junto com o pecador?  Talvez haja cinqüenta justos na cidade, vais realmente suprimi-los e não perdoarás a cidade devido aos cinqüenta justos que estão no seu seio...?”
Abraão, pouco a pouco, teve que reduzir o número de justos para que Sodoma não fosse destruída.  “Que o meu Senhor não se irrite e falarei uma última vez: talvez encontremos dez justos...” (cf. Gênesis 18, 16)  Meditar como Abraão é interceder pela vida dos homens, nada ignorar da sua podridão e, no entanto, “jamais desesperar da misericórdia de Deus”.  Esse tipo de meditação liberta o coração de todo julgamento e de toda condenação, em qualquer tempo ou lugar; quaisquer que sejam os horrores que você venha a contemplar, ele chama o perdão e a bênção.  Meditar como Abraão nos leva ainda mais longe.  A palavra tinha dificuldade em sair da garganta do padre Serafim, como se ele tivesse querido poupar o jovem de uma experiência pela qual ele próprio tivera que passar e que despertava na sua lembrança um sutil tremor: isso pode nos levar até ao Sacrifício...  e ele citou a passagem do Gênesis onde Abraão se mostra pronto a sacrificar seu próprio filho Isaac.  “Tudo pertence a Deus, continuou o padre Serafim, murmurando.  Tudo é dele, por ele e para ele”; meditar como Abraão o conduz a essa total falta de posse de si mesmo e daquilo que você tem de mais caro... procure aquilo que lhe é mais caro, aquilo com o qual você identifica o seu eu: para Abraão era o seu filho, seu único filho.  Se você é capaz desse dom, desse abandono total, dessa infinita confiança naquele que transcende toda razão e todo bom senso, tudo lhe será dado cem vezes mais: “Deus proverá”.  Meditar como Abraão é não ter nada no coração e na consciência “além d’Ele”.  Quando ele subiu até o topo da montanha, Abraão só pensava em seu filho.  Quando ele desceu, ele só pensava em Deus.
Passar pelo cimo do sacrifício é descobrir que nada pertence ao “eu”.  Meditar como Abraão é unir-se pela fé àquele que transcende o Universo, é praticar a hospitalidade, interceder pela salvação de todos os homens.  É esquecer-se a si mesmo e romper os apegos mais legítimos para descobrir-se a si mesmo, nossos próximos e todo o Universo, habitado pela infinita presença “d’Aquele Único que É”.
Meditar como Jesus

O padre Serafim mostrou-se cada vez mais discreto.  Ele sentia os progressos feitos pelo jovem na sua meditação e na sua oração.  Ele o surpreendera diversas vezes com o rosto banhado de lágrimas, meditando como Abraão e intercedendo por todos os homens.  “Meu Deus, misericórdia, o que vai ser dos pecadores...?”  Um dia o jovem veio até ele e perguntou: “Pai, por que o senhor nunca me fala de Jesus?  Qual era a sua oração, sua maneira de meditar?  Não falamos de outra coisa durante a liturgia e os sermões.  Na oração do coração, como nos fala a Filocalia, é o seu nome que devemos invocar.  Por que o senhor não me fala  nada a respeito?”
O padre Serafim tinha o ar perturbado.  Era como se o jovem lhe pedisse algo indecente, como se fosse preciso revelar seu próprio segredo.  Quanto maior é a revelação que recebemos, tanto maior deve ser a humildade daquele que a transmite.  Sem dúvida, ele não se sentia humilde o suficiente: “Isso, apenas o Espírito Santo pode ensinar-lhe.  Ninguém sabe quem é o Filho, senão o Pai; nem quem é o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.” (Lucas 10, 22).  É preciso que você se torne filho para orar como o filho e manter com Aquele que ele chama de seu Pai e nosso Pai as mesmas relações de intimidade que Ele e isso é obra do Espírito Santo, ele o lembrará de tudo aquilo que Jesus disse.  O Evangelho se tornará vivo em você e ele lhe ensinará a orar como é preciso.”  O jovem insistiu.  “Diga-me alguma coisa a mais.”  O velho sorriu.  “Agora, o melhor que eu tenho a fazer é começar a latir.  Mas você também tomaria isso por um sinal de santidade.  Então, é melhor simplesmente dizer-lhe as coisas.”
Meditar como Jesus recapitula todas as formas de meditação que eu ensinei até agora.  Jesus é o homem cósmico.  Ele sabia meditar como a montanha,  como a papoula, como o oceano, como a pomba.  Ele também sabia meditar como Abraão.  O coração não tinha limites, ele amava até seus inimigos, seus carrascos: “Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem”.  Ao praticar a hospitalidade para com aqueles que chamamos de doentes e de pecadores, paralíticos, prostitutas, colaboradores...  À noite ele se retirava para orar em segredo e aí, ele murmurava como uma criança: “abba”, o que quer dizer “papai”...  Isso pode lhe parecer irrisório, chamar de “papai” o Deus transcendente, infinito, incomparável, que está além de tudo!  É quase ridículo e, no entanto, essa é a oração de Jesus e nessa simples palavra, tudo era dito.  O céu e a terra tornam-se terrivelmente próximos.  Deus e o homem fazem apenas um.  Talvez seja necessário dizer “papai” à  noite para compreender isso...  Mas hoje em dias essas relações íntimas de um pai e de uma mãe com seus filhos não querem dizer mais nada.  Talvez essa seja uma imagem ruim...?
É por essa razão que eu prefiro nada dizer, não utilizar nenhuma imagem e esperar que o Espírito Santo coloque em você os sentimentos e o conhecimento que estavam em Jesus Cristo e que esse “abba” não venha da ponta dos seus lábios mas do fundo do seu coração.  Nesse dia, você começará a compreender o que é a oração e a meditação hesicastas.”  Agora, vá!

O jovem ficou ainda alguns meses no Monte Athos.  A oração de Jesus o conduziu aos abismos, por vezes aos limites de uma certa “loucura”: Não sou mais eu que vivo, é o Cristo que vive em mim” – a exemplo de São Paulo, ele podia dizer essas palavras.  Delírio de humildade, de intercessão, de desejo “que todos os homens sejam salvos e alcancem o pleno conhecimento da verdade.”  Ele tornou-se Amor, ele tornou-se fogo.  A sarça ardente não era mais uma metáfora, mas uma realidade: “Ele queimava e, no entanto, ele não era consumido.”  Estranhos fenômenos de luz visitavam o seu corpo.  Alguns diziam tê-lo visto caminhar sobre a água ou manter-se sentado, imóvel, a trinta centímetros do chão...
Dessa vez, o padre Serafim começou a latir: “Chega!  Agora, vá!” e ele pediu que ele deixasse o Monte Athos, que ele voltasse para casa e ali ele veria o que sobrava das suas belas meditações hesicastas!... O jovem partiu.  Ele voltou para a França.  Acharam que ele tinha emagrecido e não acharam nada de espiritual na sua barba de aspecto sujo e seu ar negligente...  Mas a vida da cidade não fez com que ele esquecesse o ensinamento do seu stárets!
Quando ele se sentia muito agitado, sempre sem tempo, ele ia se sentar como uma montanha na varanda de um café.  Quando ele sentia em si o orgulho, a vaidade, ele lembrava-se da papoula, “toda flor murcha”, e novamente seu coração voltava-se para a luz que não passa.  Quando a tristeza, a raiva, o desgosto invadiam sua alma, ele respirava ao largo, como um oceano, ele tomava fôlego no sopro de Deus, ele invocava seu Nome e murmurava: “Kyrie eleison...”  Quando ele via o sofrimento dos homens, sua maldade e sua impotência em mudar alguma coisa, ele se lembrava da meditação de Abraão.  Quando ele era caluniado, quando diziam coisas infames a seu respeito, ela ficava feliz por meditar com o Cristo...  Externamente, ele era um homem como os outros.  Ele não procurava ter “ares de santo”...  Ele até esquecera que praticava o método da oração hesicasta, ele simplesmente tentava amar Deus instante após instante e caminhar na Sua Presença...


Escritos sobre o Hesicasmo - Editora Vozes, 2003

17 de setembro de 2012

''Acredito em Deus e em Cristo, mas não na Igreja''. Entrevista com Hans Küng

Hans Küng  ( Teólogo)


"A Igreja Católica está doente. É preciso desdobrar oVaticano II. Eu tinha ilusões, mas agora tenho clareza que a mudança não virá das mãos deRatzinger".

A reportagem é de Isabel Urrutia, publicada no sítioDiario Vasco, 13-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Ele está há 83 anos no seio da Igreja Católica e não se arrepende. Nunca quis dar baixa nem se converter ao protestantismo para perder o papa de vista de uma santa vez. Um esclarecimento que não é gratuito quando se trata do padre suíço Hans Küng, uma lenda viva da teologia de língua alemã, que ainda se mantém na ativa, seja reivindicando o sacerdócio das mulheres ou o uso da pílula. Apesar de sua idade, não lhe falta vontade de se estender em uma conversa telefônica do seu escritório da Fundação Ética Mundial, instituição interdisciplinar com sede emTübingen.

Bastam alguns segundos para detectar imediatamente a energia e o caráter que lhe permitiram seguir em frente e não se enrugar perante a Santa Sé: "Você se atrasou 10 minutos! Vejo que o seu sentido metafísico do tempo não coincide com o meu", queixa-se com fina ironia. Nunca gostou que lhe façam esperar. Ele recém reeditou na EspanhaLa Mujer en el Cristianismo (Ed. Trotta) e, em seu país natal, o seu último trabalho, Ist die Kirche noch zu retten? (A Igreja ainda pode ser salva?), já abriu um furo nas listas de best-seller.

Aqueles que o conhecem suspeitam que ele é descendente de Guilherme Tell, à luz do arrojo com que dispara as suas críticas. "Já é hora de que o Vaticano abandone um sistema absolutista que data do século XI. Foi então que os papas foram criados com todo o poder e impuseram o clericalismo, isto é, a preponderância dos padres que marginaliza os leigos. Isso não pode continuar!", reflete em voz alta, com a convicção de "um membro fiel da Igreja, que acredita em Deus e em Cristo, mas não na Igreja". Eis aí a nuance.

Sua condição de teólogo "independente", sem autorização eclesiástica, lhe permite falar com total liberdade. Desde 1979, quando a Congregação para a Doutrina da Fé lhe privou da licença, ele se sente um novo homem. Ele foi castigado por falar sem reservas e, de repente, ganhou asas para apontar para tão longe quanto quisesse.

Recentemente, a revista alemã Der Spiegel chegou a comparar Bento XVI com Vladimir Putin, "porque ambos herdaram um legado de reformas democráticas e, em vez de irem para a frente, vão para trás".

Em sua opinião, o Concílio Vaticano II é a grande questão pendente, um roteiro que permitiria recuperar o caminho perdido antes que seja tarde demais. "A Igreja Católica está doente. Seu mal é uma hierarquia absoluta que não faz parte essencial da sua natureza. Não é algo imprescindível. É preciso desenvolver o Concílio Vaticano II", insiste com paixão e com os olhos postos naquela época, a década de 1960, quando ele acreditava que o autoritarismo e o culto da personalidade – "há muito disso agora" – não tardariam a ser superados graças ao impulso de João XXIII.

Rixa com Ratzinger

Naquela época, ele disputava com Joseph Ratzinger, quando ambos tinham cerca de 30 anos, e eram "progressistas" e brilhantes que aspiravam a renovar a Igreja. No entanto, seus caminhos não demoraram para se separar, levados pelas circunstâncias e por modos muito diferentes. Bento XVI se aferra à tradição e à ordem, enquanto Hans Küng ainda se inclina pelo diálogo e pelo progresso. São duros, constantes e com uma inteligência descomunal. Alemães de pura cepa, que resistem em jogar a toalha.

Uma atitude que tem seu mérito à luz das estatísticas de 2010 sobre apostasias e batismos na Alemanha: pela primeira vez, houve mais abandonos (181.000) do que ingressos (170.000). Desde os anos 1960, foram perdidas dezenas de milhares de padres; cada vez mais paróquias ficam sem serviço religioso; e os mosteiros definham sem mudança geracional. A pátria de Ratzinger, onde 32% da população são católicos, não segue em massa os ditames do Vaticano. Uma tendência que confirma a crise do catolicismo apostólico romano na Europa.

Eis a entrevista.

O que o senhor pensa dos movimentos conservadores (Opus, Legionários, kikos...)?

Eu sei que na Espanha se fala muito deles. E não duvido de que há aqueles que depositam toda a sua confiança neles... Mas eu não. A sociedade vai em outra direção! Se apostarmos só na linha conservadora, todos sairemos perdendo.

Se o senhor tivesse 20 anos, se sentiria atraído a ser padre?

Eu não me arrependo de fazer parte da Igreja. Nem o meu batismo nem o meu ingresso como sacerdote são motivo de amargura. Muito pelo contrário.

Mas se fosse jovem agora...

Bem, não me interrompa. O que eu posso dizer? A Igreja atual é muito hierárquica, nada democrática e não responde às expectativas da maioria da juventude. Os movimentos conservadores, insisto, não representam os jovens.

A esta altura, o que lhe parece o atual papa?

Eu tinha ilusões, mas agora tenho clareza de que a mudança não virá das mãos de Ratzinger.

Quando foi a última vez que Bento XVI lhe escreveu?

Há pouco tempo, ele me agradeceu, pela mediação do seu secretário, o envio do meu último livro, Ist die Kirche noch zu retten?. Fico feliz que a relação entre nós não tenha se rompido. No mais, espero que o próximo papa seja muito diferente.

O senhor critica o celibato entre os padres, mas lhe parece saudável o dos monges e das freiras?

Ah, isso é diferente. As ordens religiosas são como associações privadas, com uma série de cláusulas que são aceitas livremente. O celibato faz parte da sua identidade. Enriquece-lhes. Nada a ver com o caso dos padres, em que há uma imposição sem nenhum fundamento.

Uma curiosidade: por que Deus é Pai e não Mãe?

Não, não, Deus está além da identidade sexual. Nas Sagradas Escrituras, há metáforas tanto masculinas quanto femininas. Enfim, veja, é uma das muitas confusões que foram se arraigando ao longo da história.

13 de setembro de 2012

F. Capra - A MUDANÇA DE PARADIGMA

Fritjof Capra


Na minha vida de físico, meu principal interesse tem sido a dramática mudança de concepções e idéias que ocorreu na física durante os primeiros 30 anos deste século, que ainda está sendo elaborada em nossas atuais teorias da matéria. As novas concepções da física têm gerado uma profunda mudança em nossas visões de mundo; da visão de mundo mecanicista de Descartes e de Newton para uma visão holística, ecológica.

A nova visão da realidade não era, em absoluto, fácil de ser aceita pelos físicos no começo do século. A exploração dos mundos atômico e subatômico colocou-os em contato com uma realidade estranha e inesperada. Em seus esforços para apreender essa nova realidade, os cientistas ficaram dolorosamente conscientes de que suas concepções básicas, sua linguagem e todo o seu modo de pensar eram inadequados para descrever os fenômenos atômicos.

Seus problemas não eram meramente intelectuais, mas alcançavam as proporções de uma intensa crise emocional e, poder-se-ia dizer, até mesmo existencial. Eles precisaram de um longo tempo para superar essa crise, mas, no fim, foram recompensados por profundas introvisões sobre a natureza da matéria e de sua relação com a mente humana.

As dramáticas mudanças de pensamento ocorridas na física no princípio deste século têm sido amplamente discutidas por físicos e filósofos durante mais de 50 anos. Elas levaram Thomas Kuhn à noção de um "paradigma" científico, definido como "uma constelação de realizações - concepções, valores, técnicas, etc. - compartilhada por uma comunidade científica e usada por essa comunidade para definir problemas e soluções legítimos".

Mudanças de paradigmas, para Kuhn, ocorrem sob a forma de rupturas descontínuas e revolucionárias. Hoje, 25 anos depois da análise de Kuhn, reconhecemos a mudança de paradigma em física como parte integral de uma transformação cultural muito mais ampla.

A crise intelectual dos físicos quânticos nos anos 20 espelha-se hoje numa crise cultural semelhante, porém muito mais ampla. Conseqüentemente, o que estamos vendo é uma mudança de paradigmas que está ocorrendo não apenas no âmbito da ciência, mas também na arena social, em proporções ainda mais amplas. O paradigma que está agora retrocedendo dominou nossa cultura por várias centenas de anos, durante as quais modelou nossa moderna sociedade ocidental e influenciou significativamente o restante do mundo. Esse paradigma consiste em várias idéias e valores entrincheirados, entre os quais a visão do universo como um sistema mecânico composto de blocos de construção elementares, a visão do corpo humano como uma máquina, a visão da vida em sociedade como uma luta competitiva pela existência, a crença no progresso material ilimitado, a ser obtido por intermédio de crescimento econômico e tecnológico, e - por fim, não menos importante - a crença em que uma sociedade na qual a mulher é, por toda a parte, classificada em posição inferior à do homem é uma sociedade que segue uma lei básica da natureza. Todas essas suposições têm sido decisivamente desafiadas por eventos recentes. E, na verdade, está ocorrendo, na atualidade, uma revisão radical dessas suposições.

12 de setembro de 2012

O ATIVISMO QUÂNTICO COMO BASE PARA TODO SER

Amit Goswami


Há uma revolução acontecendo na ciência: uma verdadeira mudança de paradigma. Enquanto a ciência tradicional continua a ser materialista, um número considerável de cientistas apóia e desenvolve um paradigma baseado na primazia da consciência.
A evidência científica da existência de Deus, e o poder criativo de Deus é facilmente revelado quando visto através da lente conceitual deste novo paradigma. Ele está em um estado não ordinário de consciência em que nós somos um, e a partir dessa perspectiva o Deus nós estamos descobrindo na ciência não é separado de nós. Então, o que estamos a fazer sobre estas revelações?
Ativismo Quântico ativismo nos dá um manifesto para mudar a nós mesmos, nossas sociedades usando diretrizes deste novo paradigma.
Na parte do discursiva deste workshop, os aspectos de transformação da Física Quântica serão explicados. Para colocá-lo de forma sucinta, são eles: não-localidade (a capacidade de comunicar-se sem sinais); descontinuidade (a capacidade de tomar saltos quânticos sem passar pelas etapas intermediárias) e hierarquia confusa (a capacidade de relacionamento causal circular). Eu vou discutir com você as evidências para ponderar, e porque você deve levar a sério estes princípios quânticos. Este workshop também explicará como podemos usar estes princípios quânticos, assim como guiarmos nós mesmos e nossas sociedades para a criatividade, bem como para aprender a utilizar as energias do amor.
Em seguida iremos examinar a partir de onde nossas escolhas pessoais e transformações sociais vêm. Iremos discutir a reencarnação e evolução, neste contexto, bem como a nossa atual falta de inteligência emocional e como corrigir essa falta para nos prepararmos para a próxima etapa de nossa evolução em direção a uma mente intuitiva.
Esta oficina também vai nos levar através de exercícios vivenciais a explorar aspectos Quânticos da causalidade descendente como a forma de definir intenções, e como fazer nosso exercício do livre-arbítrio existir. Em outras palavras, vamos investigar o verdadeiro segredo da manifestação.
Em conexão com a dimensão sutil da realidade, vamos experienciar nossos centros de energia vital (chakras) e cura de chakras. no que se refere à criatividade, o workshop vai oferecer ao ativista Quântico uma visão do fluxo " fluxo criativo." E a partir de um exercício da recordação da memória, vamos aprender sobre o nosso dharma - uma palavra Sânscrita evocativa que se refere às buscas significado de nossa encarnação atual.
Finalmente, irei iniciá-lo para o aspecto mais urgente do ativismo quântico, um novo yoga integral (karma) para restabelecer significado e espiritualidade em nossos sistemas sociais de economia, política, educação e saúde. Nesse sentido, vamos falar sobre economia espiritual, vamos mergulhar em ecologia profunda e sustentabilidade, vamos falar sobre criatividade e pós-secularismo na educação, e cuidados de saúde integrativa e medicina preventiva. Se você quiser ser um jogador importante na formulação das mudanças que devem vir para nos salvar das loucuras de nossas formas materialistas das últimas décadas, então junte-se a nosso movimento. Considere a tornar-se um ativista quântico.
Amit Goswami, PhD. é professor emérito do departamento de física teórica da Universidade de Oregon, Eugene, Oregon, onde atua desde 1968. É um pioneiro do novo paradigma da ciência chamado "science within consciousness" (ciência dentro da consciência). Ele é autor do livro "Quantum mechanics", de grande sucesso, que é usado em universidades de todo mundo. Sues dois volumes para não cientistas, "The Physicist's View of Nature” traça o declínio e redescobre o conceito de Deus na Ciência.


Assistam também a entrevista de Amit Goswami no Programa Roda Viva.
Clique no link abaixo.


11 de setembro de 2012

Falar e Orar em línguas



Pe. José Raimuildo Vidigal, C.Ss.R.
 Tradutor e organizador da Bíiblia de Aparecida e atual reitor 
da nossa comunidade de Santo Afonso na Tijuca/ RJ




Jesus prometeu aos Apóstolos que eles falariam novas línguas e isto aconteceu no Pentecostes, quando peregrinos de várias nações entenderam cada qual em sua língua a pregação dos Doze (At 2,11).
A humanidade reencontrava a sua unidade perdida em Babel (Gn 11,9).
No livro dos Atos dos Apóstolos, por duas vezes a vinda do Espírito Santo é associada ao dom das línguas, também chamado de "glossolalia" (10,46 e 19,6).
Mas as línguas se tornaram um problema sério para são Paulo na igreja de Corinto, Por que?
Era uma cidade cosmopolita de 500 mil habitantes, com dois portos, por onde entravam e saiam pessoas de todo o mundo mediterrâneo. Dominada pelas religiões pagãs, nela se veneravam, sobretudo Afrodite (Vênus), e os deuses egípcios Ísis e Osiris. Muitos desses cultos incluíam falas misteriosas, pronunciadas em estado extático, sons incompreensíveis, que podiam ser tanto do bem como do mal, A situação se agravou quando isto foi  introduzido nas assembleias dos Cristãos.
Eis o que diz a Bíblia de Aparecida, na pag. 1885; "Paulo determina regras rigorosas este carisma, que ele coloca em último lugar em sua lista (1 Cor 12,28). E diz que prefere a palavra compreensível, capaz de instruir, ao entusiasmo incomunicável (1Cor 14,19)". Explicando esse texto, diz a mesma Bíblia: "Esse carisma não se destina às assembleias. Não deveria efetivar-se em público. Paulo considera opressão impor a glossolalia à comunidade", Pode ser que o dom ainda exista hoje, mas cresce entre nós uma onda que parece forçar a vivência dele, como se possuí-lo ou não possuí-lo determinasse quem é cristão perfeito e quem não é. Chega-se ao absurdo de querer ensinar os outros a falar em línguas!  Ora, um dom não se ensina: não se pode ensinar a ter visões, a fazer curas etc...
Mas os entendidos insistem:
 "Comece dizendo laira, laira, laira, depois você chegará a dizer frases como:
Kandala batiriushiba neganda karuncunda
yuri balaia shuman necat bariu kundt: barichá you baturi chamini katori "

Depois disso confessam candidamente que nem eles sabem o que acabam de dizer ... Tais –pessoas além de abusar de nossa inteligência, mostram que ignoram o capítulo 14 da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios. Pois lá está no verso 9: "Se pela língua não proferis uma palavra clara, como se pode entender o que estais dizendo? Estaríeis de fato falando ao vento". Ora, Deus não nos dá carismas inúteis, mas o verdadeiro carisma é para o bem da comunidade. Há quem defenda as línguas dizendo que é uma oração secreta que o demônio não entende ... Quem garante isso? Aliás, pouco importa se ele entende ou não o que rezamos.
Se é uma oração ao menos quem ora deveria entendê-Ia, para que não seja como a voz de um papagaio.
Outros dizem que é a língua dos anjos. Isto não existe. Os anjos não emitem sons, pois não têm cordas vocais, são puro espírito; nem precisam de nosso tipo de linguagem, eles se comunicam pelo pensamento.
Se você quer orar com palavras inspiradas pelo próprio Deus, abra a sua Bíblia e reze os Salmos.
Não existe palavra nenhuma superior à Bíblia, por isso podemos dizer com certeza que nenhuma oração em línguas será mais elevada do que a Palavra de Deus que está nas Escrituras.
Agora, se você quer orar em línguas, exatamente como  Jesus ensinou a orar, com os mesmos sons por ele pronunciados, reze o "Pai Nosso" em aramaico:

Avunan d'bishmaya yeticadash sh 'mach, tite malcutach, yehie  sevionach heicama.d'bishma; af bar'a. Hab lan lachma d'sunchananyaomana, u 'ashvuk lan hoveinanheicama d'afenan shbaknan Iichayoveinan, ula t'ilan linissiuna elapatsian mim bishta.
Amiyn.

 Voce  já reparou que não existe nenhum documento da Igreja, nem de papas nem de bispos, incentivando ou elogiando o "falar em , línguas"?
Conforme os Evangelhos, o próprio Jesus nunca falou nem orou em línguas. Temos, sim, uma orientação dos nossos Bispos sobre o "orar e falar em línguas", mas é uma restrição.  É o Documento 53 da CNBB sobre a RCC, que diz no nº 63:
 "O apóstolo Paulo ensina: Numa assembleia prefiro dizer cinco palavras com a minha inteligência para instruir também aos outros, a dizer dez mil palavras em línguas (1 Cor 14,19). Como é difícil discernir, na prática, entre inspiração do Espírito Santo e os apelos do animador do grupo reunido, não se incentive a chamada oração em línguas e nunca se fale em línguas sem que haja intérprete." (1Cor 14,27-28).
Bastante claro, não é?  Mas onde está este intérprete que nunca aparece?

Pe. José Raimuildo Vidigal, C.Ss.R.
 Tradutor e organizador da Bíiblia de Aparecidae atual reitor da nossa comunidade de Santo Afonso na Tijuca/ RJ

Extraído do Jornal “O Redentor” Ano X Nº 199 – Setembro de 2012
Jornal da Paróquia Santo Afonso

10 de setembro de 2012

O guardador de rebanhos

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

Num meio dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu,
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras,
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem

E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três,
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz

E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz no braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras nos burros,
Rouba as frutas dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas,
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus,
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia,
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.

Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que as criou, do que duvido" -
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
mas os seres não cantam nada,
se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres".
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
..........................................................................

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade

Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.


Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos,
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
.................................................................................

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
....................................................................................

Esta é a história do meu Menino Jesus,
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

08-03-1914