O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

24 de fevereiro de 2020

A verdade vos fará Livres - Mangueira 2020



Mangueira:
Toquinho e Vinícius já tinham profetizado que “ um bom samba é uma forma de oração”, mas nunca alguém tinha realizado na pratica, esta profecia como a Mangueira nos proporcionou na madrugada desta segunda feira de carnaval. 
Lindo, tocante, profético e sobretudo uma verdadeira celebração religiosa. Muito digna, e extremamente profunda a provocação da estação primeira, nesta reflexão sobre o “Jesus da gente”. Nunca tinha visto alguém realizar um cristianismo tão verdadeiro e autêntico.
O carnavalesco Leandro Vieira não sei se propositalmente ou não, acabou fazendo o que o Papa Francisco tem pedido insistentemente a Igreja católica, com muito pouco sucesso, por parte de seus bispos e padres. O Jesus da gente é o líder da “igreja em saída” da igreja “com cheiro de ovelha”.

O Jesus que está verdadeiramente no meio de nós, proclamado por religiosos, mas nunca realizado na prática como Leandro da Mangueira ousou mostrar. O Jesus negro, gay, mulher, o pobre perseguido pela polícia e pela sociedade. o Jesus mendigo,  filho do José desempregado e da Maria de tantas dores, que “sobe e desce as ladeiras” das favelas.
O Jesus índio, a cada dia mais próximo da extinção pelas ações genocidas, dos poderes constituídos. A mangueira ousou mostrar sem maquiagem o verdadeiro Jesus que disse que estaria conosco até o fim dos tempos.




Certamente a Mangueira não agradou  a quem detém o poder, nem civil nem religioso. Seu desfile denuncia séculos de mentiras e estratégias para manter o poder pelo medo e a culpa. 
A imagem de um Jesus que nada tem a ver com o jovem galileu. O Jesus que embora exaltado em ostensórios sobre o altar prefere estar embaixo dos viadutos ou esmolando pelas calçadas da cidade.
Não existiria homofobia, preconceito racial, feminicídio, exploração, e desigualdade sócio econômica, se cada um reconhecesse no seu semelhante, o mesmo Jesus que anima a sua própria vida. É essa identidade, esse Emanuel, o Deus conosco, que quando reconhecido dá sentido ao “amai ao próximo como a ti mesmo” e o “amai-vos uns aos outros como eu vos amo”.
Ele deixou claro em várias passagens do evangelho, que foram deturpadas na busca do controle do poder. Porque fizeram o povo não levar a sério o “os ladrões e as prostitutas vos precederão no Reino”, dito aos sacerdotes do templo?


A Mangueira num só desfile desmonta as teologias inventadas, da prosperidade, do sucesso, da predileção pelos que mais doam seus parcos recursos aos padres e pastores gananciosos .
Mais que cantar e desfilar a Mangueira rezou e nos fez rezar, por um novo Brasil sem preconceitos, com melhor distribuição da riqueza, com respeito e igualdade e oportunidade para todos, sem armas nas mãos, sem destruição e genocídio.

O Jesus real foi posto para sambar na avenida, e faz a sua ressureição na consciência do povo pobre e sofrido que sempre foi barrado nas igrejas por estar maltrapilho. O Jesus da gente não precisa de templo feito por mãos como diz o salmo, ele vive no coração de cada um de nós que bate como  surdo de marcação, tão característico da Mangueira.

Chegou a hora de todos nós, não só a Mangueira pegar a visão:
Não há futuro sem partilha e muito menos Messias de arma na mão.

Felizmente ainda temos sacerdotes de varias correntes cristãs que anunciam e vivem o verdadeiro Jesus da gente e estavam abrindo a procissão negra da Mangueira na avenida.
 



Cantemos todos com a Mangueira,
Jesus ressuscitou!    Aleluia !!!

Senhor, tenha piedade
Olhai para a terra
Veja quanta maldade
Senhor, tenha piedade
Olhai para a terra
Veja quanta maldade

Mangueira

Samba, teu samba é uma reza
Pela força que ele tem
Mangueira
Vão te inventar mil pecados
Mas eu estou do seu lado
E do lado do samba também

Eu sou da Estação Primeira de Nazaré

Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher
Moleque pelintra no buraco quente
Meu nome é Jesus da Gente

Nasci de peito aberto, de punho cerrado
Meu pai carpinteiro, desempregado
Minha mãe é Maria das Dores Brasil

Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira
Me encontro no amor que não encontra fronteira
Procura por mim nas fileiras contra a opressão
E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão

Eu tô que tô dependurado
Em cordéis e corcovados
Mas será que todo povo entendeu o meu recado?
Porque, de novo, cravejaram o meu corpo
Os profetas da intolerância
Sem saber que a esperança
Brilha mais na escuridão

Favela, pega a visão
Não tem futuro sem partilha
Nem messias de arma na mão
Favela, pega a visão
Eu faço fé na minha gente
Que é semente do seu chão

Samba, teu samba é uma reza
Pela força que ele tem
Mangueira
Vão te inventar mil pecados
Mas eu estou do seu lado
E do lado do samba também


video completo do desfile