O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

29 de setembro de 2011

Não precisamos de templos, somos o templo.


Não precisamos de templos, somos o templo.
Não precisamos ficar repetindo orações, precisamos sim de ações, ora!
A liturgia mais perfeita e que mais agrada a Deus é o ato de repartir, que começa com o gesto de Jesus partindo o pão e se repete no beijo que salva alguém do suicído, nos abraços dados sem que se olhe a quem. 
No amor partilhado num olhar, num sorriso, numa palavra amiga a um desconhecido.

Assim como Deus cansou-se dos sacrifícios sangrentos ele também está cansado de todo o palavrório dito sem muita consciência, dos gestos mecânicos, da aparência piedosa que esconde um coração de pedra.
Jesus nos disse que toda a lei e toda a profecia se resumia em amar como ele nos ama.
volto a lembrar da canção, inspirada no salmo:


TU NÃO HABITAS EM TENDAS,
NEM EM TEMPLOS FEITOS POR MÃOS
ETERNO, PERFEITO, PRINCÍPIO E FIM,
ACIMA DAS RELIGIÕES.
NÃO HÁ NADA NO CÉU, NA TERRA
OU NO MAR, SEMELHANTE A TI, SENHOR.
TUA IMAGEM ESTÁ REVELADA EM NÓS
EXPRESSÃO DO TEU AMOR.
INCOMPARÁ-AAA-VEL, SENHOR TU ÉS !













25 de setembro de 2011

Entrevista com o teólogo suíço Hans Küng

Em entrevista, teólogo suiço fala sobre a ''putinização'' da Igreja católica

Na quinta-feira, o papa Bento XVI chega à Alemanha para uma visita há muito esperada. O teólogo suíço proeminente Hans Küng explica à revista “Spiegel” por que a visita papal pouco fará para reverter a crise na Igreja e compara Bento XVI aVladimir Putin na forma como centraliza o poder.

A entrevista, publicada pela revista semanal alemã Der Spiegel, foi traduzida e reproduzida pelo Portal Uol, 22-09-2011.

EIs a entrevista.

Professor Küng, o seu ex-colega de faculdade Joseph Ratzinger está vindo para a Alemanha nesta semana para uma visita de Estado. O senhor tem alguma audiência marcada com ele?

Não requisitei uma audiência. Estou fundamentalmente mais interessado em conversas do que em audiências.

Bento XVI ainda conversa com o senhor?

Após sua eleição como papa, ele me convidou a sua residência de verão, o Castelo Gandolfo, onde tivemos uma conversa amigável de quatro horas. Na época, eu esperava que aquele momento fosse o início de uma nova era de abertura. Mas essa esperança não foi realizada. De vez em quando, trocamos correspondências. As sanções contra mim – a suspensão de minha permissão para ensinar - ainda existem (nota do editor: o Vaticano revogou a permissão de Küng para ensinar teologia católica em 1979, após ele ter publicamente rejeitado o dogma da infalibilidade papal.)

Quando foi a última vez que Bento lhe escreveu?

Por meio de seu secretário particular (Georg) Gänswein, ele me agradeceu por enviar-lhe meu mais recente livro e me desejou boa sorte.

Em seu polêmico livro, “Ist die Kirche noch zu retten” (a Igreja ainda pode ser salva?), que foi publicado no início do ano, o senhor critica duramente o papa por sua política anti-reformista.

Acho muito gratificante que ele não tenha terminado nosso relacionamento pessoal, apesar de minhas críticas.

Muitos católicos acham que a Igreja está em um estado desolado. O abafamento dos casos de abuso sexual de crianças por padres levou muitos fiéis a se afastarem da Igreja. O que está errado?

Como você está dando uma descrição simples, darei uma resposta simples. O predecessor de Ratzinger, João Paulo II, lançou um programa de restauração política e eclesiástica que ia contra as intenções do Concílio Vaticano II. Ele queria uma re-cristianização da Europa. E Ratzinger foi seu assistente mais leal, até mesmo no início. Poderíamos chamar de período de restauração do regime pré-conciliar.

Por que esses problemas estão emergindo subitamente, 50 anos após o Vaticano II, que ocorreu entre 1962 e 1965?

Os problemas vêm cozinhando na Igreja há algum tempo, como revelou o acobertamento de décadas de abuso sexual. Em algum ponto, o problema dos abusos no mundo todo não pôde mais ser negado. Mas essa não é a única coisa que a hierarquia católica esconde. Ela esconde também as condições lastimáveis da Igreja.

O que o senhor quer dizer com isso?

Ou seja, que a vida da Igreja no nível da paróquia praticamente desintegrou-se em muitos países. Em 2010, pela primeira vez, houve mais pessoas deixando a Igreja do que sendo batizadas na Alemanha. Desde o Concílio, perdemos dezenas de milhares de padres. Centenas de paróquias estão sem pastores, e as ordens masculinas e femininas estão morrendo porque não conseguem noviços. O número de pessoas participando das missas está caindo gradativamente. Mas a hierarquia da Igreja não teve coragem de admitir, honesta e francamente, a verdadeira situação. Fico me perguntando aonde isso vai dar.

Quando o papa vem para a Alemanha, dezenas de milhares de pessoas vão recebê-lo em grandes eventos. Os líderes da Igreja não vão interpretar isso exatamente como sintoma de crise.

Eu não teria nada contra tais eventos se eles verdadeiramente ajudassem a Igreja local. Mas há uma enorme discrepância entre a fachada, que agora está sendo erguida novamente para a visita papal à Alemanha, e a realidade. Cria a impressão que esta é uma igreja poderosa e saudável. Certamente é poderosa, mas saudável? Sabemos agora que esses eventos não fazem quase nada pelas paróquias locais. Eles não levam mais pessoas às missas; não inspiram mais pessoas a se tornarem padres ou menos pessoas deixarem a Igreja.

Ainda assim, cerca de 70.000 pessoas são esperadas na missa no Estádio Olímpico de Berlim.

Não são todos fiéis; a multidão inclui muitos curiosos. Os fiéis que participarão são, na maior parte, católicos conservadores sem interesse em reformas. Há também fãs beneditinos notórios e histéricos que sempre estão presentes nos principais eventos papais. A maior parte deles são recrutados de grupos estritamente conservadores. Para muitas pessoas, o papa ainda é, até certo ponto, um exemplo de comportamento e de força moral, apesar de outros acharem que este aspecto sofreu gravemente.

O senhor também critica a visita do papa ao parlamento alemão, o Bundestag? Vários políticos da oposição disseram que vão boicotar o discurso dele.

Eu não faço objeções à visita. Mas eu espero que os políticos que vão recebê-lo deixem claro que há católicos na Alemanha que discordam com as atuais posições papais. De acordo com pesquisas conduzidas nesta primavera, 80% dos alemães querem reformas.

Mas será que os outros grupos –inclusive grupos políticos- não se distanciaram tanto que chegam ao ponto de não darem a mínima sobre as condições na Igreja Católica?

Somente quando não estão pensando nos eleitores. Os eleitores se tornaram muito sensíveis neste quesito. As pessoas estão prestando muita atenção ao que o presidente do Bundestag, Norbert Lammert, católico corajoso e forte, dirá ao papa.

O que o senhor está dizendo parece muito pessimista. Será que, como pergunta o título de seu livro, é tarde demais para salvar a Igreja?

Em minha opinião, a Igreja Católica como comunidade de fé será preservada, mas apenas se abandonar o sistema do regime romano. Conseguimos nos virar sem esse sistema absolutista por 1.000 anos. Os problemas começaram no século XI, quando os papas afirmaram seu controle absoluto sobre a Igreja, aplicando uma forma de clericalismo que privou a laicidade de todo poder. A regra do celibato também vem dessa era.

Em entrevista à respeitada revista alemã “Die Zeit”, o senhor criticou duramente o papa Bento, dizendo que nem o rei Luis XIV foi um líder tão autocrático quanto o líder da Igreja católica, com seu estilo absolutista de governo. Bento XVI poderia de fato mudar o sistema romano, se quisesse?

É verdade que esse absolutismo é um elemento essencial do sistema romano. Mas nunca foi um elemento essencial da Igreja Católica. O Concílio Vaticano II fez tudo para se afastar dele, mas infelizmente não foi suficiente. Ninguém ousou criticar o papa diretamente, mas houve uma ênfase no relacionamento colegial do papa com os bispos, criado para reintegrá-lo na comunidade.

E teve sucesso?

Não diria que sim. A falta de vergonha com a qual a política do Vaticano simplesmente calou e negligenciou o conceito de colegiado desde então é sem precedentes. Um culto à personalidade sem paralelos prevalece novamente hoje, que contradiz todo o Novo Testamento. Neste sentido, pode-se afirmar isso muito claramente. Bento XVI até aceitou a tiara, uma coroa papal, símbolo medieval do poder papal absoluto, que um papa anterior, Paulo VI, escolheu entregar. Acho isso revoltante. Ele poderia mudar isso tudo da noite para o dia, se quisesse. 

Mas ele não quer?

Não quer. Estou absolutamente convencido disso, porque ele tem a autoridade necessária. Ele meramente teria que fazer uso dela, no espírito do Evangelho.

O senhor não quer apenas reduzir o poder do papa. O senhor também está pedindo um fim ao celibato; o senhor quer que as mulheres sejam ordenadas e que a Igreja suspenda sua proibição de controle de natalidade. Os católicos leais ao papa dizem que esses elementos fazem parte dos valores centrais da Igreja Católica. Se o senhor retirar isso, o que restará da Igreja Católica?

O que restará será a mesma Igreja Católica que costumava existir – e que era melhor. Não estou dizendo que o papado deva ser abolido. Mas precisamos de escritórios que sirvam às congregações, precisamos do tipo de papado que era praticado por João XXIII. Ele não queria dominar. De fato, ele simplesmente demonstrava que estava lá disponível para todos, inclusive outras igrejas. Ele estabeleceu a base para o Concílio e um novo despertar do cristianismo ecumênico. Ele permitiu o surgimento de uma nova igreja.

Muitos na Igreja Católica dizem que, se todas as reformas que o senhor propõe fossem implementadas, a Igreja ficaria mais Protestante e abandonaria sua natureza Católica.

A Igreja sem dúvida se tornaria mais protestante. Mas sempre preservaremos nossa natureza única. Nossa forma global de pensar, nossa universalidade nos diferenciam de certa estreiteza nas igrejas regionais Protestantes. Isso deve continuar, assim como o escritório (do papa) deve ser preservado. Mas se tudo for concentrado no escritório, vamos terminar com um vigário medieval, um príncipe-bispo e o papa como absoluto monarca, que simultaneamente personifica o executivo, o legislativo e o judiciário –em contradição com a democracia moderna e o Evangelho.

O senhor e Bento XVI estão em caminhos diferentes. O senhor quer reformar a Igreja para mantê-la viva. E o papa está tentando selar a Igreja do mundo externo e cada vez mais restringi-la a seu centro conservador, que poderia sobreviver.

De fato. No passado, o sistema romano foi comparado com o sistema comunista, no qual uma pessoa mandava. Hoje, eu me pergunto se não estamos talvez na fase de “Putinização” da Igreja Católica. É claro que não quero comparar o Santo Padre, como pessoa, ao profano estadista russo. Mas há muitas similaridades estruturais e políticas.Putin também herdou um legado de reformas democráticas. Mas ele fez tudo o que pôde para revertê-las. Na Igreja, tivemos o Conselho que iniciou a renovação e a compreensão ecumênica. Nem os pessimistas teriam imaginado que tais retrocessos seriam possíveis depois disso. A política de restauração do papa polonês, a partir dos anos 80, tornou possível para o diretor da altamente sigilosa Congregação da Doutrina da Fé, que era conhecida como Congregação da Inquisição Romana e Universal - e ainda é uma inquisição, apesar do novo nome - a ser eleito papa.

Essa é uma comparação audaciosa.

Não deve ser tirada de suas proporções, é claro. Infelizmente, mesmo que admitamos as coisas positivas, os desdobramentos negativos que estão ocorrendo não podem ser negligenciados. Praticamente falando, tanto Ratzinger quanto Putin colocaram seus antigos associados em posições chave e colocaram de lado aqueles que eles não gostavam. É possível traçar outros paralelos: o enfraquecimento do parlamento russo e do Sínodo dos Bispos do Vaticano; a degradação dos governadores provincianos russos e dos bispos católicos, que faz deles meros cumpridores de ordens; uma “nomenclatura” conformista e uma resistência a verdadeiras reformas. Ratzinger promoveu seu assistente dos tempos de diretor do CDF a cardeal secretário de Estado, o que o torna vice do papa.

E o que há de errado nisso?

O fato que, sob o papa alemão, uma pequena claque de seguidores, primariamente italiana, sem simpatia alguma pelos pedidos de reforma, subiu ao poder. Eles em parte são responsáveis pela estagnação que abafa toda tentativa de modernização do sistema da Igreja.

O que as condições no Vaticano têm a ver com o estado da Igreja na Alemanha?

Um enorme sistema de política de poder está por trás de toda a amabilidade romana, as demonstrações litúrgicas de esplendor e de pseudo-Estado. O Vaticano controla a nomeação de bispos e de professores de teologia, somente permitindo os que se conformam com suas políticas a obterem essas posições. Seus núncios monitoram as conferências dos bispos e constantemente enviam relatórios à sede. Os dedos-duros voltaram neste sistema. Todo pastor reformista na Alemanha, todo bispo, deve temer ser denunciado em Roma.

Qual é o papel do cardeal de Colônia, Joachim Meisner, famoso linha dura, nessa luta pelo poder dentro da Igreja?

É um segredo aberto que a Conferência Nacional dos Bispos da Alemanha está cada vez mais sob influência de Meisner, o que alguns não pensavam ser possível. Acontece que Meisner tem uma linha direta com o centro de poder romano. Seu séquito inclui jovens bispos como Franz-Peter Tebartz-van Elst de Limburg. O novo arcebispo em Berlim, Rainer Woelki também é protegido de Meisner. Está havendo uma tentativa de obter o controle das posições mais estrategicamente importantes. Estão fazendo todo o possível para fortalecer o sistema de dominação.

Seu prognóstico é sombrio.

 Acho muito importante que não afundemos em pessimismo. Mas meu diagnóstico mostrou que a Igreja está doente, e é a doença do sistema romano. Sob essas circunstâncias, não posso simplesmente me comportar como um médico ineficaz e dizer que tudo vai ficar bem.

Qual seria o tratamento?

A base deve reunir forças e se fazer ouvir, para que o sistema não possa mais driblá-la. Eu apresentei uma lista ampla de medidas em meu livro.

Mais de um ano atrás, o senhor escreveu uma carta aberta a todos os bispos do mundo, na qual o senhor ofereceu uma explicação detalhada de suas críticas ao papa e ao sistema romano. Qual foi a resposta?

Há cerca de 5.000 bispos no mundo, mas nenhum deles ousou comentar publicamente. Isso claramente mostra que algo não está certo. Mas se você conversa com os bispos individualmente, muitas vezes você ouve: “O que o senhor descreve é fundamentalmente verdade, mas nada pode ser feito”. Seria maravilhoso se um bispo proeminente dissesse: “Isso não pode continuar assim. Não podemos sacrificar toda a Igreja para agradar os burocratas romanos”. Mas até agora ninguém teve coragem de fazer isso. A situação ideal, em minha opinião, seria uma coalizão de teólogos reformistas, pessoas laicas e pastores abertos à reforma, e bispos preparados a apoiar a reforma. É claro que entrariam em conflito com Roma, mas eles teriam que aguentar isso, em um espírito de lealdade crítica.

Foi isso que levou à Reforma 500 anos atrás. Mas na época, o sistema romano foi incapaz de entender críticas de dentro de suas fileiras.

Após 500 anos, estamos surpresos que os papas e bispos de então não tenham compreendido que uma reforma era necessária. Lutero não queria dividir a Igreja, mas o papa e os bispos foram cegos. Parece que uma situação similar se aplica hoje.

Outro concílio como o Vaticano II ajudaria a Igreja?

Espero que haja um concílio, ou ao menos uma assembleia representativa da Igreja Católica.

O senhor acredita que vai viver para ver tal concílio?

Não se deve estabelecer limites para a graça de Deus. Certamente seria um sinal de esperança se o papa anunciasse, durante sua visita à Alemanha: “Apesar de eu não concordar com esses pedidos de reforma, como papa alemão, quero trazer algo como presente: no futuro, aqueles que se divorciarem e os que voltarem a se casar terão permissão de receber os sacramentos católicos”.


6 de setembro de 2011

Abençoar ao invés de culpar


"Cada um de nós pode (ou melhor, deveria) praticar privadamente a sua própria religião com o espírito de `benção original`, esquecendo a lúgubre ideia da culpa coletiva."
A análise é do filósofo e político italiano Gianni Vattimo, em artigo publicado no jornal La Stampa, 02-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O livro de Matthew Fox In principio era la gioia inaugura dignamente a nova coleção de teologia dirigida por Vito Mancuso e Elido Fazi, que é o seu editor (423 páginas). Pode-se e deve-se recomendá-lo certamente como fonte de edificação espiritual, como manual de meditação, como guia para uma possível experiência mística.
Como muito frequentemente a teologia não é edificante, assim a edificação parece se prestar pouco a discussões e argumentações teológicas. Todavia, podemos induzir que o livro é algo mais do que um banal texto de edificação do fato, em nada insignificante, de que, em consequência da sua publicação (1983), o autor foi expulso (1993), por iniciativa do então cardeal Ratzinger, chefe do Santo Ofício, da ordem dominicana, na qual havia sido discípulo de um grande teólogo como Chenu.
Se, para alguns, essa expulsão já é uma recomendação positiva, há uma outra que se descobre só depois da leitura das densas 300 páginas do livro, e que soa assim: "Todo este livro, na realidade, nada mais é do que a exposição da espiritualidade dos anawim , dos oprimidos" (p. 331).
Não se deve, por isso, motivar ulteriormente a simpatia que sentimos desde o início pelo livro e pelo seu autor. Mesmo que alguns elementos que o caracterizam suscitem alguma resistência: a sistematicidade da construção, que repete e também renova certos esquemas típicos dos manuais de espiritualidade da tradição católica, com a articulação da Via positiva, Via negativa, Via criativa, Via trasformativa; a fluvial abundância das citações que servem como epígrafes para os vários capítulos, onde é convocada toda a história da mística, da poesia, do pensamento espiritual não só doOcidente (e que também tem o sentido positivo de oferecer uma espécie de suma antológica desse pensamento).
Principalmente, o que me atrai mas também repele no livro é o seu tom "positivo", que faz pensar às vezes em certas formas de nova religiosidade "americana" (New Age), às quais alimentamos respeito, mas que não sentimos como nossas.
O porquê de um certo incômodo com relação a este último aspecto do livro é também a sua substância teórica e teológica. A reação de suspeita é motivada justamente por aquilo que ainda domina a nossa experiência religiosa: somos todos filhos de Agostinho, diria Fox, isto é, submissos a uma educação que nos acostumou a pensar a história da salvação como redenção da queda original no pecado.
Não por acaso o título em inglês do livro é Original Blessing, Benção original. Nós, de original, sempre conhecemos principalmente o pecado: o ato de amor que deu lugar à criação, a benção original, foi logo manchado pela história da serpente e da maçã. A história das nossas relações com Deus é uma história de queda, pena e redenção, também esta, porém, operada só na força de um sacrifício, de uma pena que o próprio Filho de Deus carregaria sobre as costas, suportando a dor da Crucificação.
Mas, diz Fox, "ninguém acreditava no pecado original antes de Agostinho", como por exemplo Santo Irineu de Lyon, que escreveu 200 anos antes dele (p.49). A "benção", o ato de amor com que Deus cria o mundo e nos dá a vida, é uma ideia bíblica muito mais original. Agostinho construiu a doutrina do pecado original só nos últimos anos da sua vida, fundamentando-se em uma passagem da carta de Paulo aos Romanos (5,12) que ele leu como se dissesse que, com Adão, todos os homens pecaram e, por isso, trazem consigo a mesma culpa.
A filosofia ocidental (Kant: a ideia do "mal radical") retomou essa doutrina, considerando que a inclinação ao mal é um dado natural no homem, com consequências importantes também para o modo de entender a sociedade. E também todo o modo que herdamos de considerar o corpo, os sentidos, o erotismo está profundamente ligado a esse primado do pecado.
Fox se propõe a obra nada simples, de fato, de repensar o cristianismo fora da luz cintilante que o agostinismo lhe impôs. Certamente, não fazendo como se não se devesse mais falar de pecado – ele mesmo, nas quatro seções em que ilustra as suas quatro "vias", dedica páginas intensas a como se configura o pecado do ponto de vista de cada uma delas: que se reduz sempre a uma forma qualquer de resistência inerte (egoísta, conservadora) contra a positividade da relação com o mundo, com a natureza, com os outros.
Mas as desventuras que ele encontrou com a hierarquia católica advertem sobre a dificuldade também teórica da sua posição, pelo menos no plano doutrinal. A Igreja sempre deixou muita liberdade aos muitos místicos que Fox se refere no livro, de Hildegarda de Bingen a Meister Eckhart, de Juliana de Norwich a Simone Weil – certamente não aGiordano Bruno, que é um dos grandes inspiradores desse livro.
Mas, no plano da doutrina aceita e ensinada, o discurso era e ainda é muito mais rígido. Cada um de nós, e o próprio Fox e seus discípulos, pode (ou melhor, deveria) praticar privadamente a sua própria religião com esse espírito de benção, esquecendo a lúgubre ideia da culpa coletiva.
Mas, dessa ideia, dependem muitas "disciplinas", relações de poder, verdadeiros privilégios da casta (!) sacerdotal, para que uma proposta de renovação teológica e espiritual como essa não se confronto, no fim, com a necessidade de uma autêntica revolução. Talvez fosse a hora, mas lhes parece que é o tempo propício?