O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

27 de janeiro de 2011

O grande Rubem Alves traduzindo como ninguém um sentimento meu...

Estou “... Sem tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em lugares onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte... Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: "as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos". Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa.”

Dez lições que aprendi de Hans Küng

Hans Küng dedicou mais de 50 anos ao trabalho teológico em diálogo crítico com os saberes de nosso tempo. O doutorado honoris causa que a UNED lhe concederá no dia 27 de janeiro é mais do que merecido. Muitas foram as lições que aprendi dele como mestre, colega e amigo.

O artigo é de Juan José Tamayo e está publicado no jornal espanhol Diario Vasco, 26-01-2011. A tradução é do Cepat.

Eis aqui algumas.

1. Deus. Küng coloca o problema de Deus seguindo os passos do pensamento moderno europeu através de alguns de seus principais filósofos e sistemas de pensamento. Em diálogo com eles e atento às suas críticas, responde com três “sim” à pergunta pela existência de Deus: sim à realidade como alternativa ao niilismo, sim a Deus como alternativa ao ateísmo, sim ao Deus cristão, que se revela em Jesus de Nazaré. Analisa também as concepções de Deus nas religiões não cristãs, o judaísmo, o islamismo, o hinduísmo, incluindo a ideia de Deus nas religiões chinesas e a religiosidade não-teísta do budismo.

2. Jesus de Nazaré. A cristologia de Küng é uma das mais inovadoras e melhor fundadas nas últimas décadas, que contribuiu para recuperar o Jesus histórico e para reformular e interpretar a doutrina sobre Jesus de Nazaré em perspectiva histórica e no contexto dos novos climas culturais. À pergunta pela verdadeira imagem de Cristo responde que o Cristo real, que não é um mito, mas um personagem, cujo contexto sociocultural, mensagem, conflitos com as autoridades políticas e religiosas, morte e nova vida analisa com rigor exegético.

3. A Igreja. Küng se pergunta se a Igreja pode apelar razoavelmente a Jesus e se está fundada no Evangelho. A partir daí elabora uma eclesiologia crítica que parte da Igreja real encarnada no mundo, e não de uma Igreja ideal que se encontra nas abstratas esferas celestes da teoria teológica e destaca sua índole carismática como parte de sua estrutura fundamental. A Igreja não se encontra no mesmo nível que o Reino de Deus, mas está ao seu serviço.

4. O diálogo ecumênico. O teólogo suíço vai em busca das convergências entre catolicismo e protestantismo. E o faz falando como católico diante do espelho do Evangelho, desejando que os irmãos protestantes se tornem mais evangélicos, e assim se reencontrar não em torno da figura do papa, mas em torno do Evangelho. Após ler sua tese de doutoramento, Barth só pode se perguntar se todas as guerras de religião, as lutas teológicas e as divisões não teriam sido um imenso erro. Tinha razão!

5. A unidade das igrejas cristãs. As igrejas cristãs não devem se fechar no estreito círculo de sua própria confissão, caindo em um confessionalismo excludente. Deverão se abrir ao ecumenismo em todos os terrenos. A unidade dos diferentes cristianismos não se consegue com o retorno de uma igreja a outra, e menos ainda com a submissão ou rendição de todas a uma. Consegue-se através da mútua aceitação e da conversão de todas a Jesus de Nazaré e à sua mensagem libertadora. Os acordos doutrinais devem vir acompanhados de práticas ecumênicas.

6. As mulheres como sujeitos morais, eclesiais e teológicos. As igrejas cristãs não podem seguir presas em concepções teológicas que inferiorizam ou consideram menores de idade as mulheres, nem nos modelos organizativos hierárquico-patriarcais, que as excluem do exercício dos ministérios e das funções de direção. Devem ser reconhecidas como sujeitos morais, eclesiais e teológicos e, enquanto tais, com o protagonismo que tiveram no movimento de Jesus e no cristianismo primitivo.

7. O diálogo inter-religioso. Nenhuma religião pode reivindicar o monopólio da verdade, nem da ética, nem da libertação. Por sua vez, toda religião tem uma verdade originária que, além de verdade teórica e reto conhecimento, se torna verdade na práxis, o reto comportamento e a atitude ética. As religiões podem proporcionar um horizonte global de sentido, inclusive diante da dor, da culpa, e do sem sentido, dar um sentido último à vida frente à morte, garantir valores supremos e motivações profundas e impulsionar manifestações contra as situações injustas. Nesse horizonte se situa a necessidade do diálogo inter-religioso.

8. O projeto de ética mundial. Küng é pioneiro na proposta de uma ética mundial na era da globalização, na qual hão de convergir as religiões e as ideologias seculares, em torno das seguintes tarefas: defesa da vida, trabalho pela paz, proteção do meio ambiente, cultura da não violência, da solidariedade, da tolerância, de uma vida veraz, da igualdade e da colaboração entre homens e mulheres. Propõe uma ética mundial para a economia e a política, que critica as situações realmente existentes, apresenta alternativas construtivas e racionalmente realizáveis, assim como impulsos para a sua realização. Nesta ética hão de convergir as religiões e as ideologias seculares.

9. Renúncia a servir ao sistema romano. Küng nunca se viu tentado a entrar no serviço do sistema romano. Se o tivesse feito, como o fizeram outros colegas seus, teria que ter dito sim e amém a muitas coisas contrárias à sua consciência e teria vendido sua alma pelo poder da Igreja.

10. Liberdade, verdade e veracidade. Que orientações segue hoje a vida deKüng? Ele mesmo responde: “Continuo resistindo em aras da verdade, tendo a liberdade em alta estima, avançando na pesquisa e lutando por uma Igreja que não se considere a si mesma infalível”.

O olhar crítico e necessário de Hans Küng



“O seu serviço é crítico, vigilante, incômodo e arriscado, mas necessário”, escreve Manuel Fraijó, professor de Filosofia da Religião e decano da Faculdade de Filosofia da UNED, em artigo publicado no jornal espanhol El País, 25-01-1011. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Passaram-se 15 anos desde que 1.300 pessoas, emocionadas e em pé, aplaudiam a última aula magistral de Hans Küng. Não menos emocionado que seu auditório, o grande teólogo percorria a saída do abarrotado salão de atos cochichava um apenas perceptível “gostaria de continuar contando com seu afeto”. Era o dia de sua aposentadoria.
A Espanha, país que tantas vezes visitou e onde seus livros alcançam uma extraordinária difusão, sempre o honrou com seu afeto; mas estava pendente a tarefa de plasmá-lo em imagens, de lhe outorgar importância e solenidade. É o que se propõe fazer a UNED no próximo dia 27 de janeiro, por proposição de sua Faculdade de Filosofia. Fizeram-no, antes que ela, outras 14 universidades de diferentes países. Hans Küng, além de ser um dos mais destacados teólogos atuais, apresentou notáveis serviços à filosofia, especialmente à Filosofia da Religião. Mais: pertence a uma tradição, a alemã, que não separa a teologia da filosofia. Quase todos os grandes teólogos alemães criaram apaixonantes teologias filosóficas. É possível inclusive que a passagem do tempo, tão impiedosa com as criações humanas, só respeite aqueles projetos teológicos profundamente enraizados em uma rigorosa e exigente reflexão filosófica. É, sem dúvida, o caso de Hans Küng (Sursee, Lucerna, 1928).
Tudo começou em 1957 com uma fascinante tese de doutoramento. Tinha o título A justificação. A doutrina de Karl Barth e uma interpretação católica. Küng se atreveu com um tema que, desde os inícios da Reforma, havia dividido católicos e protestantes. Com coragem e juventude, estendeu pontes de diálogo e compreensão.Barth deu um simpático visto bom à obra, qualificando o seu autor de “israelita sem dolo” e desejando-lhe que viesse sobre ele o Espírito.
Na década de 1960 suscitaram grande entusiasmo e esperança obras como Estruturas da Igreja (1962) e A Igreja (1967). Küng desenhava o perfil de uma Igreja humilde, fiel à mensagem de Jesus, atenta às necessidades do mundo e sempre disposta a se reformar. Nem nos momentos mais conflitivos de sua relação com a Igreja pensou Küng em abandoná-la. O seu serviço é crítico, vigilante, incômodo e arriscado, mas necessário. Em 1965, no transcurso de uma conversa privada, Paulo VIlhe fez uma “oferta de trabalho” que poderia ter mudado sua biografia: conta-o, com invejável maestria literária, no primeiro volume de suas memórias, Liberdade Conquistada (p. 553ss.). “Quanto bem você poderia fazer (...) se pusesse seus grandes dotes a serviço da Igreja”, lhe disse o Papa. Küng lhe responde: “Ao serviço da Igreja? Santidade, eu já estou a serviço da Igreja”. Mas o papa se referia à Igreja especificamente romana e acrescentou: “deve confiar em mim”. De novo Küng: “Eu tenho confiança em Sua Santidade, mas não em quantos estão ao seu redor”. A oferta não foi aceita e Küng continuou o seu caminho de professor universitário.
Um caminho que o levou, se seguimos a sequência cronológica, a um estudo intenso, guiado pelo método histórico crítico, da figura de Jesus. Em 1974 apareceu um dos seus livros mais geniais, Ser Cristão. Era, e continua sendo, uma obra repleta de informação histórica e paixão crente. Afirmava-se a fé cristã de sempre, mas era expressa de forma diferente. Küng não partia de fórmulas abstratas. Seu ponto de partido era o grande protagonista da aventura cristã: Jesus de Nazaré.
Mas o teólogo sabe que tem sempre um encontro com o último do último. São Paulo diz que Cristo é Deus. Deus é, com efeito, o assunto final da teologia, sua noite e seu dia, sua prova máxima.
Küng enfrentou este desafio em sua monumental obra Existe Deus? Resposta ao problema de Deus em nosso tempo (1978). A suas páginas se assomam todas as sacudidas experimentadas pelo tema “Deus” desde que Descartes deu carta de cidadania à dúvida. Küng responde afirmativamente à pergunta pela existência de Deus. Sem Deus, afirma, o ser humano ficará sem chão firme debaixo dos pés. No horizonte apareceria o sem sentido. Sem sentido ao qual fazem frente algumas religiões com a promessa da ressurreição. Küng se atreveu também com este tema em seu livroVida eterna? (1982).
Mas o final, a ressurreição, leva à origem, à criação, ao começo de tudo. É o tema que aborda em O princípio de todas as coisas. Ciência e religião (2007). As últimas páginas constituem um rotundo “não” ao “nada”, uma aposta na “outra vida” que, inclusive se ao final se perde, terá ajudado a viver esta com mais ilusão e esperança. Sobre suas ilusões e esperanças volta, em tom pessoal, quase confidencial, no livro Em que eu creio (2011).
Desde que, incompreensivelmente, um 15 de dezembro de 1979, o papa João Paulo II “premiou” esta folha de serviços à Igreja afastando este brilhante defensor da fé cristã a venia docendi e declarando-o “teólogo não católico”, Küng se adentrou em terrenos pelos quais não costuma transitar o teólogo.
Nasceram assim seus volumosos estudos sobre as religiões: O judaísmo (1991), O cristianismo (1994), e O islamismo (2004). Previamente, em 1984, havia publicado o volume O cristianismo e as grandes religiões, em que se senta o cristianismo a dialogar com o islamismo, o hinduísmo e o budismo. Küng não esquece que a secularização é um fenômeno quase exclusivamente ocidental; no resto do mundo, as religiões seguem configurando a realidade. É, pois, necessário contar com seu impulso.
Desembocamos, por último, em sua contribuição mais recente, aquela dedicada à ética.Hans Küng é fundador e presidente da Fundação Ética Mundial, com sede em Tubingen e Zurique, mas com representação em numerosos países. Representantes da educação, da cultura, da religião e da política acodem a esta fundação em busca de orientação em valores e compromisso educativo. O substrato desta fundação se encontra no seu livro Projeto de ética mundial (1990). Seu autor está convencido de que, sem um consenso ético básico sobre determinados valores, normas e atitudes, é impossível uma convivência humana digna, tanto em pequenas como em grandes sociedades. Um consenso que só é alcançável mediante o diálogo e o mútuo reconhecimento e apreço. A ética mundial deve partir de um princípio tão básico quanto antigo: “todo ser humano deve receber um trato humano”.
Finalmente: Hegel deixou escrito que os grandes homens não são apenas os grandes inventores, “mas aqueles que cobraram consciência do que era necessário”. A tais homens pertence, creio, o pensador que por estes dias a UNED se propõe a honrar. Acabamos de enumerar alguns de seus méritos.
Desde já, Küng nunca poderia ser o destinatário da grosseria que seu grande amigo, o ex-chanceler social-democrata Helmut Schmidt, cometeu contra um grupo de jornalistas. Cansado de que reprovassem sua realpolitik e sua falta de espírito utópico (governou a Alemanha depois do carismático Willy Brandt), lhes obsequiou, meio em tom de brincadeira, meio a sério, com um “quem tiver visões que vá ao médico”.
Evidentemente, a UNED não convidou o professor Küng para “enviá-lo ao médico”, mas para acrescentá-lo ao nosso claustro de professores e agradecer-lhe seu espírito visionário, suas utopias e suas esperanças de dias bons, melhores que os atuais, para o futuro de todos os seres humanos.