O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

23 de fevereiro de 2011

UMA IGREJA QUE MARIA PODE AMAR

por Nicholas D. Kristof
Nicholas D. Kristof é colunista do New York Times
Tradução: Rodrigo Garcia

É bom lembrar que o Vaticano não é sinônimo da Igreja Católica, que tem inúmeros exemplos de freiras, padres e leigos que realizam um grande trabalho em favor do próximo. Dia desses, ouviuma piada sobre um devoto que morre, vai para o céu e tem direito a uma audiência com a Virgem Maria. O visitante pergunta a Nossa Senhora por que, mesmo com todas as suas graças, ela sempre aparece nos quadros como se estivesse um pouco triste, um pouco melancólica: "Está tudo bem"? Maria tranquiliza o visitante: "Sim, tudo está ótimo. Nenhum problema, é só que nós sempre quisemos ter uma filha". Lembro-me da história nesse momento em que o Vaticano enfrenta as consequências de uma mentalidade patriarcal pré-moderna: escândalo, acobertamento e a autodefesa mais desastrada desde Watergate. É isso que ocorre com clubes de garotos velhos. Não era inevitável que a Igreja Católica crescesse tão vinculada ao domínio masculino, ao celibato e a hierarquias rígidas. O próprio Jesus se fixou mais nos necessitados do que nos dogmas; ele desviou-se de sua rota para ir ao encontro das mulheres e as tratava com respeito. A Igreja do primeiro século era inclusiva e democrática, englobando até mesmo uma ala e textos protofeministas. O Evangelho de Felipe, um texto gnóstico do século 3, afirma sobre Maria Madalena: "Ela era a quem o Salvador amava mais do que a todos os seus discípulos". Da mesma forma, o Evangelho de Maria (do início do século 2) sugere que Jesus confiou a Maria Madalena a tarefa de ensinar aos apóstolos suas pregações religiosas. São Paulo se refere, em Romanos 16, a uma mulher do primeiro século, chamada Júnias, como figura importante entre os primeiros apóstolos, e a uma mulher de nome Febe que trabalhava como diaconisa. A apóstola Júnias se tornou cristã antes de São Paulo (tradutores machistas às vezes usam o nome como se fosse de um homem, sem nenhuma base histórica para isso). Ao longo dos séculos seguintes, a Igreja se voltou para atitudes fortemente patriarcais, ao mesmo tempo que ficava cada vez mais desconfortável com a sexualidade. A mudança pode ter surgido com as igrejas sendo transferidas das casas, onde as mulheres eram naturalmente aceitas, para reuniões mais públicas. A consequência foi que os textos protofeministas não foram incluídos quando a Bíblia foi compilada e, em grande parte, ficaram perdidos até a época moderna. Tertuliano, um líder cristão primitivo, denunciou as mulheres como "a porta para o demônio", enquanto crônicas da época relatam que o eminente Orígenesde Alexandria levou sua devoção até um passo além e se castrou. A Igreja Católica de hoje ainda parece presa a esse comportamento patriarcal. A mesma fé tão pioneira, que teve Júnias como apóstola logo no primeiro século, não consegue atualmente sequer ter uma mulher como simples sacerdotisa de paróquia. Diaconisas, permitidas durante século, são proibidas hoje. O clube do garotos velhos do Vaticano ficou tão autocentrado quanto outros clubes de garotos velhos, como o Lehman Brothers, com resultados parecidos. E essa é a razão pela qual o Vaticano está cambaleando agora. Contudo, existe mais para ser mostrado do que isso. Em minhas viagens pelo mundo, encontrei duas Igrejas Católicas. Uma é a rígida hierarquia do Vaticano, composta apenas de homens, que parece estar fora da realidade quando proíbe preservativos até para casais casados quando um dos cônjuge é HIV positivo. Pelo menos para mim, essa Igreja –obsecada por dogmas e regras e afastada da justiça social – é uma repetição moderna dosfariseus que Jesus criticou. Mas também existe outra Igreja Católica, que admiro intensamente. Essa é a Igreja Católica das bases, que faz muito mais coisas boas para o mundo do que recebe em créditos. É a Igreja que apoia extraordinárias organizações de ajuda, como a Catholic Relief Services (CRS) e a Caritas, salvando vidas todos os dias, e que mantém escolas fantásticas, garantindo a crianças necessitadas uma escada para sair da pobreza. É a Igreja de freiras e padres no Congo, trabalhando no anonimato para alimentar e educar crianças. É a Igreja do padre brasileiro que combate a aids e que me disse que, se fosse papa, ergueria uma fábrica de preservativos no Vaticano para salvar vidas. Essa é a Igreja das irmãs Maryknoll , na América Central, e das irmãs Cabrini na África. Existe um estereótipo de freiras como tradicionalistas vitorianas enfadonhas. Eu vi o contrário na Suazilândia – enquanto me agarrava à vida no banco de passageiros e uma irmã norte-americana, com pé de chumbo, dirigia seu jipe por entre picadas e cruzava riachos para visitar órfãos da aids. Após vários encontro como esses, comecei a crer que as pessoas mais divertidas e interessantes do mundo podem ser freiras. Então, quando você ler sobre os escândalos, lembre-se que o Vaticano não é a mesma coisa que a Igreja Católica. Leprosos, prostitutas e moradores de favelas talvez nunca vejam um cardeal, mas diariamente encontram um verdadeiro nobre da Igreja Católica na forma de padres, freiras e membros leigos lutando para fazer a diferença. É a última chance do Vaticano se inspirar nesse sublime – até divino – lado da Igreja Católica, com seus membros cuja grandeza se baseia não em suas vestes, mas em seu altruísmo. Eles são o suficiente para fazer a Virgem Maria sorrir.
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"O nosso testemunho no campo missionário e político é estarmos ao lado dos deserdados, sofrendo com os que sofrem, chorando com os que choram, nos alegrando com os que se alegram" - Paulo Wright - cristão e subversivo

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