“É o Vaticano mais corrupto, desde os Bórgia”
Por Paul Jay x Matthew Fox
Novo papa nunca foi da Opus Dei (foi do
movimento Comunione e Liberazione), mas...
Tradução pela equipe VIla Vudu
13/3/2013, Matthew Fox (ex-padre católico),
entrevista, The Real News Network, TRNN
http://therealnews.com/t2/index.php?option=com_content&task=view&id=31&Itemid=74&jumival=9868
PAUL JAY, EDITOR SÊNIOR, TRNN: Bem-vindos à The Real
News Network. Sou Paul Jay, em Baltimore.
A igreja católica tem novo papa. 76 anos, Jorge
Mario Bergoglio, agora, Papa Francisco [eles só são numerados a partir do
segundo. Como a 2ª. Guerra Mundial, que sempre se chamou “Grande Guerra” e só
passou a ser 1ª., depois que começou a 2ª. (NTs)]. É o 266º pontíficie da
Igreja Católica Romana. Também é o primeiro papa não europeu, em mais de mil
anos.
Para discutir a significação dessa eleição, está
Matthew Fox. Matthew é autor de mais de 30 livros sobre espiritualidade e
cultura, dentre os quais The Pope's War, Original Blessing, Hildegard of
Bingen, a Saint for Our Time e Christian Mystics. Matthew foi sacerdote
católico. Agora é pastor episcopal e professor. Obrigado, Matthew, por nos
receber.
MATTHEW FOX: Obrigado. É um prazer estar com você.
JAY: Para começar, por que nos interessamos tanto
pelo novo papa? A rede CNN está ao vivo hoje, todo o dia – e acho que ontem
também, e a coisa está na mídia global. E é sempre assim. É dia fraco, de
noticiário, mas se não fosse, nada mudaria. A mídia não dá a mesma atenção a
nenhuma outra igreja e, sinceramente, nós também não. Quero dizer... acho que
estamos fazendo isso porque quero criticar a mídia. Não sei. Por que tanto
alarido? Que significado e que poder tem o papa hoje?
FOX: Para começar, claro, ninguém faz melhor teatro
que os italianos. Há a imagem dramática de São Pedro, o balcão e as cortinas de
veludo entreabrindo-se e aquilo tudo. Ninguém faz melhor cenário,
importantante, se o que se busca é o drama. Assim, aquelas imagens rendem
excelentes imagens de televisão. Alguém que usa roupas esquisitas e,
supostamente, representa 1,2 bilhão de pessoas que, de um modo ou de outro
chamam-se “católicos”... É claro que o drama, o teatro, contam muito.
Mas acho que há também uma coisa mais profunda. Acho
que as pessoas gostam de sentir que há alguma liderança espiritual em alguma
parte, na nossa espécie humana. Ontem escrevi um artigo, publicado no
Huffington Post, sobre por que o meu candidato a papa seria o Dalai Lama,
porque acho que ele representa algum significado mais profundo de ser humano, a
busca de compaixão... E acho que as pessoas gostariam de encontrar isso também
num papa. Nem sempre acontece. O papa João 23, nos anos 60s, foi um homem raro.
Mas... as pessoas gostam de ver, gostam de projetar alguma liderança em alguém.
[fala cruzada]
JAY: Deixe-me perguntar... Não sei se você concorda,
mas... Não lhe parece um pouco estranho – porque a mim parece... – Quero dizer,
a mídia manifesta uma visão secular do mundo. Hoje, não se vê nem vestígio de
algum tipo de gramática religiosa. No passado, tudo era enquadrado nessa
gramática religiosa. Mas agora, é como se houvesse uma separação entre a mídia
e as crenças religiosas. Conceitos como a infalibilidade do papa, a ideia de
que Deus fala diretamente a ele... são ideias fortemente espirituais, que a
mídia apresenta como se fossem fatos corriqueiros. Ninguém sequer questiona
essas crenças.
FOX: É tudo é ‘sentimentalizado’ pela mídia, sem
pensamento crítico. É uma das razões pelas quais gosto de falar com você. Para
falar sobre significados mais profundos.
Mas há, sim, uma carência... Interessante: nas
poucas palavras que disse, o papa Francisco usou uma expressão, algo sobre
sermos todos irmãos, coisa assim. Veja, são tempos de globalização, o mundo é
cada dia menor e temos o primeiro papa não europeu, em mais de mil anos [fala
cruzada], o primeiro papa latino-americano. Há significados, aí, as coisas de
deseuropeízam, até o papado. Mas, como você diz, nada é discutido em
profundidde. Tudo isso é notícia durante um, dois dias, e, em seguida, a mídia
muda de pauta.
JAY: (...) E qual é a influência que o papa teria
sobre tantos milhões de pessoas – que me parece influência real. Antes, outra
questão: quanto, nessa influência, tem a ver com o fato de que o Vaticano ainda
é uma potência financeira, que acaba de nomear um presidente executivo, como
qualquer grande e poderoso centro financeiro?
FOX: É verdade. E sabe-se que a situação financeira
do Vaticano é escândalo à parte. É área a ser saneada, também, como o
encombrimento de crimes de pedofilia, praticamente em termos tão graves quanto
foram os crimes da Inquisição. Escrevi sobre isso em meu livro The Pope's War.
Nos últimos 42 anos, com os dois últimos papas, a Inquisição voltou ao
Vaticano.
A situação financeira é absolutamente escandalosa.
Há cerca de um ano, o governo italiano proibiu o uso de cartões de crédito do
Vaticano, não podiam ser usados em lugar algum, porque havia denúncias de
lavagem de dinheiro, dentre outras. Aí não há novidade. A falta de
transparência nas finanças do Vaticano é antiga.
E há também a questão dos reais laços que ligam o
Vaticano à política mundial. Lembro, por exemplo, que, no governo Reagan, a CIA
e o Vaticano do papa João Paulo II uniram-se para atacar a Teologia da
Libertação das comunidades de base na América Latina e destruíram o movimento,
e, afinal, substituíram aquela ação pela ação da Opus Dei, da Communion and
Liberation [it. Comunione e Liberazione[1] (NTs)], todos esses grupos de
extrema direita que pregam valores da extrema direita ou, se você preferir,
pregam atitudes de poder, de dominação, de patriarcado, até de fascismo.
JAY: Você disse que há na igreja uma nova
Inquisição?
FOX: Ah, sim. Mais de 105 teólogos – fui um deles – foram
silenciados, expulsos ou perseguidos, caçados nos últimos 42 anos, nos papados
de João Paulo II e Bento 16. E Bento 16 foi, é sabido, cabeça da Inquisição.
Mudaram o nome, chamam de Congregação da Sagrada Doutrina da Fé, mas é a mesma
organização que, antes, se conhecia como Inquisição. Bento 16 comandou o ataque
contra nós, aqueles teólogos.
Podem-se listar os 105. Há, aliás, na lista, vários
bons canadenses. Um deles morreu, de ataque cardíaco, quando fazia as malas
para viajar a Roma e defender sua teologia, pela sexta vez, apesar de o
Concílio Vaticano II afirmar que os teólogos seriam livres para pensar e que
tinham garantida, como todos, o que se chama liberdade de consciência.
Isso foi o que realmente aconteceu nos últimos 42
anos, e acho que tivemos dois cismas, porque os padres e suas cúrias haviam
realmente compreendido os ensinamentos do Vaticano II, que tratava de reformar
a Igreja, oferecia pensamento novo, ligado ao evangelho dos valores da justiça
social. Acabaram com tudo isso. O silêncio imposto àqueles 105 teólogos teve a
ver com esse movimento.
Portanto, não cabe qualquer dúvida de que a
Inquisição voltou. Espero, de todo coração, que o novo papa esteja alerta para
esse retrocesso e consiga reverter esse processo.
JAY: E quanto ao novo papa, Bergoglio, papa
Francisco. Qual o papel dele na América Latina? Sempre houve, na AL essa
separação entre a Teologia da Libertação e os setores mais dominantes e
hierárquicos da Igreja que, uns mais outros menos, trabalharam com vários
ditadores ao longo do tempo. E claro que aconteceu na Argentina, como aconteceu
com Pinochet. A Igreja tem pouco de que se orgulhar do papel que desempenhou,
pelo menos a alta hierarquia da Igreja, no relacionamento com Pinochet. E
quanto ao papa Francisco, em tudo isso? E o que representa?
FOX: Pelo que mostram minhas pesquisas, não teve
ação corajosa contra a ditadura militar argentina, em 1983 e dali em diante, e
foi muito criticado por isso. Também nunca apoiou os teólogos das comunidades
de base. Pertenceu a um grupo chamado Comunione e Liberazione, muito fortemente
direitista, que surgiu na Itália. Tem sido comparado à Opus Dei. Dizem que têm
base laica, como diz também a Opus Dei, mas de fato são movimentos dirigidos
por religiosos.
JAY: Expliquemos um pouco, às pessoas que não
conhecem essas coisas. A Opus Dei – e corrija-me se estiver errado – é grupo
que reúne a extrema direita da Igreja, em aliança com a extrema direita de
vários grupos das elites governantes em vários países; e é uma espécie de grupo
secreto, conspiracional, que sempre aparece associado a ações obscuras, quando
não criminosas.
FOX: Bem, é verdade. Tenho um capítulo inteiro
dedicado a esses grupos, em meu livro The Pope's War. E é assustador, porque
são hoje membros muito destacados da Igreja Católica. Por toda a América Latina
estão sendo nomeados cardiais e bispos ligados à Opus Dei e, agora, também na
América do Norte. O padre Escrivá [Josemaría Escrivá de Balaguer], um padre fascista
espanhol que fundou a Opus Dei, foi empurrado até a canonização, mais depressa
que qualquer outro santo em toda a história [foi canonizado em 2002, por João
Paulo II]. E todos os que se opunham a ele – que viam o lado obscuro
daquilo tudo, o sexismo, o fato de que várias vezes elogiou Hitler – vou
repetir: Escrivá várias vezes elogiou Hitler. Agora, nos dizem que é santo. Não
sei o que isso significa.
Sim, a Opus Dei tem, sim, de ser vigiada. E estão em
toda parte. São muito fortes na imprensa-empresa nos EUA. São muito fortes na
CIA e no FBI. O maior espião da história dos EUA, que entregou mais segredos
que qualquer outro, que contribuiu para o assassinato do maior número de
espiões norte-americanos de todos os tempos – hoje está na cadeia, acho que foi
condenado à prisão perpétua, porque trabalhou livremente no FBI durante 20
anos, passando adiante quantidade descomunal de segredos da Agência... Bem, era
homem que assistia à missa todos os dias. Durante o restante do dia, traía os
EUA. Não há dúvidas de que a Opus Dei é assustadora [fala cruzada].
JAY: Você estava dizendo que o papa Francisco é
membro de uma organização assemelhada à Opus Dei...
FOX: Não. Ele nunca foi membro da Opus Dei.
JAY: Uma organização semelhante?
FOX: Foi muito próximo da organização Comunione e
Liberazione e, sim, são outra versão próxima da Opus Dei. A Opus Dei começou na
Espanha. Comunione e Liberazione é grupo mais recente, começaram na Itália. São
menos secretivos que a Opus Dei. Por isso, precisamente, se sabe que o papa
Francisco esteve ligado ao movimento. A Opus Dei é mais secretiva, dificilmente
se sabe quem é ou não é ligado a eles.
Mas, seja como for, espero que...
Sabe, não quero associá-lo exclusivamente à
Comunione e Liberazione, mas não há dúvida de que foi parte da história pessoal
do novo papa e é história que é preciso considerar cuidadosamente e
criticamente.
JAY: Permita que eu leia uma frase de Sergio
[rub@n], autor de um livro intitulado The Jesuit e que entrevistou o novo papa
antes de ele ser papa. Ele diz o seguinte: “Bergoglio é progressista, teólogo
da libertação? Não, não é. Não é absolutamente um sacerdote do Terceiro Mundo.
Mas ele critica o Fundo Monetário Internacional e o neoliberalismo? Sim,
critica. Passou grande parte de seu tempo nas favelas? Sim, passou.” Eis o que
diz esse autor. O que tudo isso lhe diz?
FOX: É. Confirma tudo o que eu sei. Como homem,
digamos, é visivelmente um homem simples, não é nem jamais foi carreirista.
Contam que dispensou a limosine e demitiu o motorista. Vive vida simples. Anda,
toma ônibus, usa o transporte público. Durante certo tempo, ia trabalhar de
ônibus. Prepara a própria comida, num apartamento modesto, recusa-se a viver no
[incompreensível] palácio onde sempre viveram os ‘grandes’ da Igreja. Tudo
isso, parece, é bom sinal. Acho que é a mesma inspiração que o levou a adotar o
nome de Francisco – que foi homem simples, humilde.
Interessante, o que diz o seu e-mail, que ele não é
um bispo do Terceiro Mundo. Não é, mesmo. (...) Mas, na minha opinião, a
questão mais importante é: quem o novo papa indicará como secretário de Estado?
Porque esse é o cargo, esse é o trabalho que de fato faz acontecer e
supervisiona tudo, na Curia. Terá de indicar alguém firme e que conheça o jogo.
Veja... Esse papa jamais trabalhou no Vaticano, o que, por um lado, me parece
fator positivo. Mas, por outro lado, é indispensável conhecer aquilo, conhecer
os jogos, os jogadores, tudo aquilo. E é indispensável ser muito firme. Por
isso, acho que temos de esperar para ver quem será secretário de Estado.
Os dois secretários de Estado foram criaturas das
sombras. Posso contar algumas histórias sobre eles, se interessar. (...)
JAY: Voltaremos a esse assunto, mas infelizmente não
temos tempo, hoje. Agora, para encerrar essa entrevista, queria que você
falasse um pouco sobre a igreja da Teologia da Libertação na América Latina.
Como fica a Igreja Católica em tudo isso. Com Hugo Chávez, por exemplo,
recentemente falecido, a Igreja teve relação tumultuada. O que sobrou da
Teologia da Libertação?
FOX: Bem... Pode-se dizer que vários dos presidentes
de esquerda que hoje governam a América Latina nasceram no movimento da
Teologia da Libertação, como [José Inácio Lula da] Silva, o grande
ex-presidente do Brasil.
Há vários anos, quando tive de cumprir o voto de
silencio de um ano, imposto pelo Cardeal Ratzinger, viajei ao Brasil para saber
o que estaria acontecendo nas comunidades de base. E Leonardo Boff disse,
naquela ocasião, que assistíamos a uma grande reunião com [Lula da] Silva, que
eu prestasse atenção naquele homem, “Pode vir a ser o próximo presidente do
Brasil”. Era ainda líder sindical. Tudo isso é parte de onde está, hoje, a
Teologia da Libertação [fala cruzada].
Na verdade, se se conversa com eles hoje, o que me
dizem é que “antes, servíamos à Igreja; agora, servimos à humanidade.” Acho que
podem ter conseguido romper as barreiras do sistema exclusivamente eclesial e
hoje veem não só a humanidade, mas acho que já veem também a crise geral da
terra, do planeta, em que todos estamos. Entendo que já não estejam fechados,
só, numa caixa rotulada “igreja”. (...) Essa é uma das razões pelas quais meu
candidato a papa seria o Dalai Lama: aproximava-se logo ocidente e oriente.
JAY: E você sabe de como Bergoglio, agora o papa,
como se posicionou em relação a essa deriva para a esquerda que se vê hoje na
América Latina?
FOX: Sei que nunca se aproximou amigavelmente desses
movimentos. Essa é uma das causas por que não se pode deixar de considerar suas
relações com Comunione e Liberazione, mesmo que hoje já não existam, não sei.
Esse grupo fez declarada oposição à Teologia da Libertação.
Houve outro cardeal jesuíta, de Milão, que morreu
ano passado. No testamento, escreveu que a Igreja está 200 anos atrasada. E
sempre combateu o grupo Comunione e Liberazione. É interessante, porque assim
se vê que houve outro cardeal, também jesuíta, que não se desligou da tradição
libertadora do Concílio Vaticano II e da Teologia da Libertação e que, ao
morrer, ainda apoiava as comunidades de base e a teologia da libertação. Mas o
novo papa, não. Sempre foi, pode-se dizer, mais moderado, mais de meio. (...)
JAY: Uma das questões a acompanhar, é se e o quanto
o Vaticano cooperará com a CIA, dessa vez, na América Latina.
FOX: Ora... Sempre cooperou, no passado. Mas sempre
houve grande frenesi na imprensa-empresa, como você bem disse. Tudo, na
imprensa-empresa tende a ser ‘santificado’, a tudo aplicam um verniz
sentimental. Quem sabe, talvez, acalmem-se e seja possível fazer alguma
avaliação objetiva produtiva do que o novo papa venha a fazer. Não esqueçamos
que, como disse Carl Jung, por traz de muito sentimentalismo sempre se oculta
muita violência. Não basta ao papa ser ‘doce’. Teremos de acompanhar as ações e
a filosofia efetiva que anima o novo papa, como temos de vê-las também em
qualquer movimento e qualquer indivíduo que represente qualquer movimento. Sem
projetar coisas demais sobre ele. O poder corrompe, o poder absoluto corrompe
absolutamente.
Nunca antes, na história, houve tanta e tal
corrupção no Vaticano, que só se compara ao Vaticano dos Bórgias no século 16.
Veremos se o novo papa conseguirá, ou não, limpar a casa. Mas, ao mesmo tempo,
tampouco se deve investir muita energia nisso. Temos de investir nossa melhor
energia em criar novas comunidades de base, numa nova versão da cristandade que
realmente ecoe o saber dos Evangelhos. Essa é a questão que realmente importa.
JAY: OK. Na próxima entrevista, falaremos sobre
isso.
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