A entrevista do Papa no voo de volta a Roma
Na mais
ousada declaração de um pontífice sobre homossexualismo, o papa Francisco disse
que os gays “não devem ser marginalizados, mas integrados à sociedade” e que
não se sente em condição de julgá-los.
“Se uma
pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-lo?”,
afirmou Francisco aos cerca de 70 jornalistas que embarcaram a Roma com ele. “O
catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser
discriminados por causa disso, mas integrados à sociedade.”
As declarações
foram em resposta a recentes revelações de que um assessor próximo seria
homossexual e a uma frase atribuía a ele no início de junho, de que havia um
“lobby gay” no Vaticano. Segundo ele explicou ontem, o problema não é ser gay,
mas o lobby em geral.
“Vocês vêm
muita coisa escrita sobre o ‘lobby gay’. Eu ainda não vi ninguém no Vaticano
com um cartão de identidade dizendo que é gay. Dizem que há alguns. Acho que,
quando alguém se encontra com uma pessoa assim, devemos distinguir entre o fato
de que uma pessoa é gay de formar um lobby gay, porque nem todos os lobbies são
bons. Isso é o que é ruim.”
“O problema
não é ter essa tendência [gay]. Devemos ser como irmãos. O problema é o lobby
dessa tendência, da tendência de pessoas gananciosas: lobby político, de
maçons, tantos lobbies. Esse é o pior problema.”
Questionado
sobre o movimento carismático no Brasil, Francisco disse que, no início, chegou
a compará-los com uma “escola de samba”, mas que se arrependeu: diz que os
movimentos “bem assessorados” são parte da “Igreja que se renova”.
Antes de
aceitar perguntas, Francisco disse que “foi uma bela viagem” e elogiou o “povo
brasileiro”. “Espiritualmente me fez bem, estou cansado, mas me fez bem”,
afirmou.
“A bondade e
o coração do povo brasileiro são muito grandes. É um povo tão amável, que é uma
festa, que no sofrimento sempre vai achar um caminho para fazer o bem em alguma
parte. Um povo alegre, um povo que sofreu tanto. É corajosa a vida dos
brasileiros. Tem um grande coração, este povo.”
O papa
elogiou os organizadores “tanto da nossa parte quanto dos brasileiros”, com
menções à parte artística e religiosa. “Era tudo cronometrado, mas muito
bonito.”
Sobre a
segurança, uma grande preocupação principalmente no início, o papa lembrou que
“não teve um incidente com esses jovens, foi superespontâneo”.
“Com menos
segurança, eu pude estar com as pessoas, saudá-los, sem carro blindado. A
segurança é a confiança de um povo. Há sempre o perigo de um louco, mas com
esse temos o Senhor. Eu prefiro esta loucura, e ter o risco da loucura, que é
uma aproximação.”
Francisco
ressaltou ainda a estimativa oficial de 3,2 milhões de fiéis e a presença de
peregrinos de 178 países.
Mesmo depois
do domingo intenso, que incluiu um novo percurso de papamóvel e três
pronunciamentos, Francisco, 76, respondeu às perguntas de pé por quase 90
minutos, não parando nem durante uma zona de turbulência e com aviso de atar os
cintos ligado.
Enquanto
falava, surpreendia ao colocar a mão no bolso de sua vestimenta papal com a
naturalidade de uma roupa qualquer. Para ouvir melhor um jornalista, se
inclinou para frente e apoiou as mãos sobre uma poltrona. Chegou até a se
abaixar para pegar um fone de ouvido que caiu na sua frente, mas alguém foi
mais rápido.
A seguir, a
entrevista a bordo do “volo papale”, em que ele defende maior participação da
mulher, explica o processo de reforma do Vaticano e fala sobre a sua relação
com Bento 16, entre outros temas:
Pergunta – Nestes quatro meses, o senhor criou várias comissões. Que tipo
de reforma tem em mente? O sr. quer suprimir o banco do Vaticano?
Papa Francisco - Os
passos que fui dando nestes quatro meses e meio vão em duas vertentes. O
conteúdo do que quero fazer vem da congregação dos cardeais. Eu me lembro que
os cardeais pediam muitas coisas para o novo Papa, antes do Conclave. Eu me
lembro de que tinha muita coisa. Por exemplo, a comissão de oito cardeais, a
importância de ter uma consulta externa, e não uma consulta apenas interna.
Isso vai na linha do amadurecimento da sinodalidade e do primado. Os vários
episcopados do mundo vão se expressando em muitas propostas que foram feitas,
como a reforma da secretaria dos sínodos, que a comissão sinodal tenha
característica de consultas, como o consistório cardinalício com temáticas
específicas, como a canonização.
A vertente
dos conteúdos vem daí. A segunda é a oportunidade. A formação da primeira
comissão não me custou pouco mais de um mês. Pensava em tratar a parte
econômica no ano que vem, porque não é a mais importante. Mas a agenda mudou
devido a circunstâncias que vocês conhecem.
O primeiro é o problema do IOR [banco do Vaticano], como encaminhá-lo, como reformá-lo, como sanear o que há de ser sanado. E essa foi então a primeira comissão. Depois, tivemos a comissão dos 15 cardeais que se ocupam dos assuntos econômicos da Santa Sé. E por isso decidimos fazer uma comissão para toda a economia da Santa Sé, uma única comissão de referência. Notou-se que o problema econômico estava fora da agenda. Mas essas coisas atendem.
Quando estamos no governo, vamos por um lado, mas, se chutam e fazem um golaço por outro lado, temos de atacar. A vida é assim. Eu não sei como o IOR vai ficar. Alguns acham melhor que seja um banco, outros que seja um fundo, uma instituição de ajuda. Eu não sei. Eu confio no trabalho das pessoas que estão trabalhando sobre isso. O presidente do IOR permanence, o tesoureiro também, enquanto o diretor e o vice-diretor pediram demissão. Não sei como vai terminar essa história. E isso é bom. Não somos máquinas. Temos de achar o melhor. A característica de, seja o que for, tem de ter transparência e honestidade.
O primeiro é o problema do IOR [banco do Vaticano], como encaminhá-lo, como reformá-lo, como sanear o que há de ser sanado. E essa foi então a primeira comissão. Depois, tivemos a comissão dos 15 cardeais que se ocupam dos assuntos econômicos da Santa Sé. E por isso decidimos fazer uma comissão para toda a economia da Santa Sé, uma única comissão de referência. Notou-se que o problema econômico estava fora da agenda. Mas essas coisas atendem.
Quando estamos no governo, vamos por um lado, mas, se chutam e fazem um golaço por outro lado, temos de atacar. A vida é assim. Eu não sei como o IOR vai ficar. Alguns acham melhor que seja um banco, outros que seja um fundo, uma instituição de ajuda. Eu não sei. Eu confio no trabalho das pessoas que estão trabalhando sobre isso. O presidente do IOR permanence, o tesoureiro também, enquanto o diretor e o vice-diretor pediram demissão. Não sei como vai terminar essa história. E isso é bom. Não somos máquinas. Temos de achar o melhor. A característica de, seja o que for, tem de ter transparência e honestidade.
Pergunta – Uma fotografia do sr. deu a volta ao mundo, quando o sr.
desceu as escadas do helicóptero, carregando sua mala preta. Artigos de todo o
mundo comentaram o papa que sai com sua própria mala. Foram levantadas
hipóteses também sobre o conteúdo da mala. Por que o sr. saiu carregando a
maleta preta, e não seus colaboradores? E o sr. poderia dizer o que tinha
dentro?
Papa Francisco - Não
tinha a chave da bomba atômica. Eu sempre fiz isso, Quando viajo, levo minhas
coisas. E dentro o que tem? Um barbeador, um breviário (livro de liturgia), uma
agenda, tinha um livro para ler, sobre Santa Terezinha. Sou devoto de Santa
Terezinha. Eu sempre levei a minha maleta. É normal. Temos de ser normais. É um
pouco estranho isso que você me diz que a foto deu a volta ao mundo. Mas temos
de nos habituar a sermos normais, à normalidade da vida.
Pergunta – Por que o senhor pede tanto para que rezem pelo senhor? Não é
habitual ouvir de um Papa que peça que rezem por ele.
Papa Francisco - Sempre
pedi isso. Quando era padre, pedia, mas nem tanto nem tão frequentemente.
Comecei a pedir mais frequentemente quando passei a bispo. Porque eu sinto que,
se o Senhor não ajuda nesse trabalho de ajudar aos outros, não se pode. Preciso
da ajuda do Senhor. Eu, de verdade, me sinto com tantos limites, tantos
problemas, e também pecador. Peço a Nossa Senhora que reze por mim. É um
hábito, mas que vem da necessidade. Sinto que devo pedir. Não sei.
Pergunta – Na busca por fazer essas mudanças, o sr. disse que existem
muitos santos que trabalham no Vaticano e outros um pouco menos santos. O sr.
enfrenta resistências a essa sua vontade de mudar as coisas no Vaticano? O sr.
vive num ambiente muito austero, de Santa Marta. Os seus colaboradores também
vivem essa austeridade? Isso é algo apenas do sr. ou da comunidade?
Papa Francisco - As
mudanças vêm de duas vertentes: do que pediram os cardeais e também o que vem
da minha personalidade. Você falou que eu fico na Santa Marta. Eu não poderia
viver sozinho no palácio, que não é luxuoso. O apartamento pontifício é grande,
mas não é luxuoso. Mas eu não posso viver sozinho. Preciso de gente, falar com
gente. Trabalhar com as pessoas. Porque, quando os meninos da escola jesuíta me
perguntaram se eu estava aqui pela austeridade e pobreza, eu respondi: “Não,
por motivos psiquiátricos.” Psicologicamente, não posso. Cada um deve levar
adiante sua vida, seguir seu modo de vida. Os cardeais que trabalham na Cúria
não vivem como ricos. Têm apartamentos pequenos. São austeros. Os que eu
conheço têm apartamentos pequenos. Cada um tem de viver como o Senhor disse que
tem de viver. A austeridade é necessária para todos. Trabalhamos a serviço da
igreja. É verdade que há santos, sacerdotes, padres, gente que prega, que
trabalha tanto, que vai aos pobres, se preocupa de fazer comer os pobres. Têm
santos na Cúria. Também têm alguns que não têm muitos santos. E são estes que
fazem mais barulho. Uma árvore que cai faz mais barulho do que uma floresta que
nasce. Isso me dói. Porque são alguns que causam escândalos. São escândalos que
fazem mal. Uma coisa que nunca disse: a Cúria deveria ter o nível que tinha dos
velhos padres, pessoas que trabalham. Os velhos membros da Cúria. Precisamos
deles. Precisamos o perfil do velho da Cúria.
Sobre resistência, se tem, ainda não vi. É verdade que aconteceram muitas coisas. Mas eu preciso dizer: eu encontrei ajuda, encontrei pessoas leais. Por exemplo, eu gosto quando alguém me diz :”Eu não estou de acordo”. Esse é um verdadeiro colaborador. Mas, quando vejo aqueles que dizem “ah, que belo, que belo” e depois dizem o contrario por trás, isso não ajuda.
Sobre resistência, se tem, ainda não vi. É verdade que aconteceram muitas coisas. Mas eu preciso dizer: eu encontrei ajuda, encontrei pessoas leais. Por exemplo, eu gosto quando alguém me diz :”Eu não estou de acordo”. Esse é um verdadeiro colaborador. Mas, quando vejo aqueles que dizem “ah, que belo, que belo” e depois dizem o contrario por trás, isso não ajuda.
Pergunta – O mundo mudou, os jovens mudaram. Temos no Brasil muitos
jovens, mas o senhor não falou de aborto, sobre a posição do Vaticano em
relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil foram aprovadas
leis que ampliam os direitos para estes casamentos em relação ao aborto. Por
que o senhor não falou sobre isso?
Papa Francisco –
A Igreja já se expressou perfeitamente sobre isso. Eu não queria voltar sobre
isso. Não era necessário voltar sobre isso, como também não era necessário
falar sobre outros assuntos. Eu também não falei sobre o roubo, sobre a
mentira. Para isso, a igreja tem uma doutrina clara. Queria falar de coisas
positivas, que abrem caminho aos jovens. Além disso, os jovens sabem
perfeitamente qual a posição da Igreja.
Pergunta – E a do papa?
Papa Francisco - É a da Igreja, eu sou filho da Igreja.
Papa Francisco - É a da Igreja, eu sou filho da Igreja.
Pergunta – Qual o sentido mais profundo de se apresentar como o bispo de
Roma?
Papa Francisco - Não
se deve andar mais adiante do que o que se fala. O papa é bispo de Roma e por
isso é Papa, o sucessor de Pedro. Não é o caso pensar que isso quer dizer que é
o primeiro. Não é esse o sentido. O primeiro sentido do Papa é ser o bispo de
Roma.
Pergunta – O sr. teve sua primeira experiência multidinária no Rio. Como
se sente como Papa, é um trabalho duro?
Papa Francisco - Ser
bispo é belo. O problema é quando alguém busca ter esse trabalho, assim não é
tão belo. Mas, quando o Senhor chama para ser biso, isso é belo. Tem sempre o
perigo e o pecado de pensar com superioridade, como se fosse um príncipe. Mas o
trabalho é belo. Ajudar o irmão a ir adiante. Têm o filtro da estrada. O bispo
tem de indicar o caminho. Eu gosto de ser bispo. Em Buenos Aires, eu era tão
feliz. Como padre, era feliz. Como bispo, era feliz e isso me faz bem.
Pergunta – E ser papa?
Papa Francisco - Se você faz o que o Senhor quer, é feliz. Esse é meu sentimento.
Papa Francisco - Se você faz o que o Senhor quer, é feliz. Esse é meu sentimento.
Pergunta – A Igreja no Brasil está perdendo fieis. A Renovação Carismática
é uma possibilidade para evitar que eles sigam para as igrejas pentecostais?
Papa Francisco - É
verdade, as estatísticas mostram. Falamos sobre isso ontem com os bispos
brasileiros. E isso é um problema que incomoda os bispos brasileiros. Eu vou dizer
uma coisa: nos anos 1970, início dos 1980, eu não podia nem vê-los. Uma vez,
falando sobre eles, disse a seguinte frase: eles confundem uma celebração
musical com uma escola de samba. Eu me arrependi. Vi que os movimentos bem
assessorados trilharam um bom caminho. Agora, vejo que esse movimento faz muito
bem à Igreja em geral. Em Buenos Aires, eu fazia uma Missa com eles uma vez por
ano, na catedral. Vi o bem que eles faziam.
Neste momento da Igreja, creio que os movimentos são necessários. Esses movimentos são um graça para a Igreja. A Renovação Carismática não serve apenas para evitar que alguns sigam os pentecostais. Eles são importantes para a própria Igreja, a Igreja que se renova.
Neste momento da Igreja, creio que os movimentos são necessários. Esses movimentos são um graça para a Igreja. A Renovação Carismática não serve apenas para evitar que alguns sigam os pentecostais. Eles são importantes para a própria Igreja, a Igreja que se renova.
Pergunta – A Igreja sem a mulher perde a fecundidade? Quais as medidas
concretas? O senhor disse que está cansado. Há algum tratamento especial neste
voo?
Papa Francisco - Vamos
começar pelo fim. Não há nenhum tratamento especial neste voo. Na frente, tem
uma bela poltrona. Escrevi para dizer que não queria tratamento especial.
Segundo, as mulheres. Uma Igreja sem as mulheres é como o colégio apostólico
sem Maria. O papal da mulher na Igreja não é só maternidade, a mãe da família.
É muito mais forte. A mulher ajuda a igreja a crescer. E pensar que a Nossa
Senhora é mais importante do que os apóstolos! A igreja é feminina, esposa,
mãe. O papel da mulher na igreja não deve ser só o de mãe e com um trabalho
limitado. Não, tem outra coisa. O papa Paulo 6° escreveu uma coisa belíssima
sobre as mulheres. Creio que se deva ir adiante esse papel. Não se pode
entender uma Igreja sem uma mulher ativa.
Um exemplo
histórico: para mim, as mulheres paraguaias são as mais gloriosas da América
Latina. Sobraram, depois da guerra (1864-1870), oito mulheres para cada homem.
E essas mulheres fizeram uma escolha um pouco difícil. A escolha de ter filhos
para salvar a pátria, a cultura, a fé, a língua. Na Igreja, se deve pensar nas
mulheres sob essa perspectiva. Escolhas de risco, mas como mulher. Acredito
que, até agora, não fizemos uma profunda teologia sobre a mulher. Somente um
pouco aqui, um pouco lá. Tem a que faz a leitura, a presidente da Cáritas, mas
há mais o que fazer. É necessário fazer uma profunda teologia da mulher. Isso é
o que eu penso.
Pergunta – Queremos saber qual a sua relação de trabalho com Bento 16,
não a amistosa, a de colaboração. Não houve antes uma circunstância assim. Os
contatos são frequentes?
Papa Francisco - A
última vez que houve dois ou três papa, eles não se falavam. Estavam brigando
entre si, para ver quem era o verdadeiro. Eu fiquei muito feliz quando se
tornou papa. Também, quando renunciou, foi, pra mim, um exemplo muito grande. É
um homem de Deus, de reza. Hoje, ele mora no Vaticano.
Alguns me perguntam: como dois papas podem viver no Vaticano? Eu achei uma frase para explicar isso. É como ter um avô em casa. Um avô sábio. Na família, um avô é amado, admirado. Ele é um homem com prudência. Eu o convidei para vir comigo em algumas ocasiões. Ele prefere ficar reservado. Se eu tenho alguma dificuldade, não entendo alguma coisa, posso ir até ele. Sobre o problema grave do Vatileaks [vazamento de documentos secretos], ele me disse tudo com simplicidade. Tem uma coisa que não sei se vocês sabem: Em 8 de fevereiro, no discurso, ele falou: “Entre vocês está o próximo papa. Eu prometo obediência”. Isso é grande.
Alguns me perguntam: como dois papas podem viver no Vaticano? Eu achei uma frase para explicar isso. É como ter um avô em casa. Um avô sábio. Na família, um avô é amado, admirado. Ele é um homem com prudência. Eu o convidei para vir comigo em algumas ocasiões. Ele prefere ficar reservado. Se eu tenho alguma dificuldade, não entendo alguma coisa, posso ir até ele. Sobre o problema grave do Vatileaks [vazamento de documentos secretos], ele me disse tudo com simplicidade. Tem uma coisa que não sei se vocês sabem: Em 8 de fevereiro, no discurso, ele falou: “Entre vocês está o próximo papa. Eu prometo obediência”. Isso é grande.
Pergunta – O sr. falou com os bispos brasileiros sobre a participação das
mulheres na Igreja. Gostaria de entender melhor como deve ser essa
participação. O que sr. pensa sobre a ordenação das mulheres?
Papa Francisco - Sobre
a participação das mulheres na Igreja, não se pode limitar a alguns cargos: a
catequista, a presidente da Cáritas. Deve ser mais, muito mais. Sobre a
ordenação, a Igreja já falou e disse que não. João Paulo 2° disse com uma
formulação definitiva. Essa porta está fechada. Nossa senhora, Maria, é mais
importante que os apóstolos. A mulher na Igreja é mais importante que os bispos
e os padres. Acredito que falte uma especificação teológica.
Pergunta – Nesta viagem, o sr. falou de misericórdia Sobre o acesso aos
sacramentos dos divorciados, existe a possibilidade de mudar alguma coisa na
disciplina da igreja?
Papa Francisco - Essa
é uma pergunta que sempre se faz. A misericórdia é maior do que o exemplo que
você deu. Essa mudança de época e também de tantos problemas na Igreja, como
alguns testemunhos de alguns padres, problemas de corrupção, do clericalismo. A
igreja é mãe. Ela cura os feridos. Ela não se cansa de perdoar. Os divorciados
podem fazer a comunhão. Não podem quando estão na segunda união. Esse problema
deve ser estudado pela pastoral matrimonial. Há 15 dias, esteve comigo o
secretário do sínodo dos bispos, para discutir o tema do próximo sínodo. E
posso dizer que estamos a caminho de uma pastoral matrimonial mais profunda. O
cardeal Guarantino disse ao meu antecessor que a metade dos matrimônios é nula.
Porque as pessoas se casam sem maturidade ou porque socialmente devem se casar.
Isso também entra na Pastoral do Matrimônio. A questão da anulação do casamento
deve ser revisada. É complexa a questão pastoral do matrimônio.
Pergunta – Em quatro meses de Pontificado, pode nos fazer um pequeno
balanço e dizer o que foi o pior e o melhor de ser Papa? O que mais lhe
surpreendeu neste período?
Papa Francisco - Não
sei como responder isso, de verdade. Coisas ruins, ruins, não aconteceram.
Coisas belas, sim. Por exemplo, o encontro com os bispos italianos, que foi tão
bonito. Como bispo da capital da Itália, me senti em casa com eles. Uma coisa
dolorosa foi a visita a Lampedusa [ilha que recebe imigrantes africanos], me
fez chorar. Me fez bem. Quando chegam estes barcos, que os deixam a algumas
milhas de distância da costa e eles têm de chegar (à costa) sozinhos, isso me
dói porque penso que essas pessoas são vítimas do sistema sócio-econômico mundial.
Mas a coisa pior é o nervo ciático, é verdade, tive isso no primeiro mês. É
verdade! Para uma entrevista, tive de me acomodar numa poltrona e isso me fez
mal, era dolorosíssimo, não desejo isso a ninguém. O encontro com os
seminaristas religiosos foi belíssimo. Também o encontro com os alunos do
colégio jesuíta foi belíssimo. Conheci tantas pessoas pessoas boas no Vaticano.
Isso é verdade, eu faço justiça. Tantas pessoas boas, mas boas, boas, boas.
Pergunta – Tem a esperança de que esta viagem ao Brasil contribua para
trazer de volta os fiéis? Os argentinos se perguntam: não sente falta de estar
em Buenos Aires, pegar um ônibus?
Papa Francisco - Uma
viagem do Papa sempre faz bem. E creio que a viagem ao Brasil fará bem, não
apenas a presença do Papa. Eles (os brasileiros) se mobilizaram e vão ajudar
muito a Igreja. Tantos fiéis que foram se sentem felizes. Acho que será
positivo não só pela viagem, mas pela Jornada, um evento maravilhoso. Buenos
Aires, sim, sinto falta. Mas é uma saudade serena.
Pergunta – O que o senhor pretende fazer em relação ao monsenhor Ricca e
como pretende enfrentar toda esta questão do lobby gay?
Papa Francisco - Sobre
monsenhor Ricca, fiz o que o direito canônico manda fazer, a investigação
prévia. E nessa investigação não tem nada do que o acusam. Não achamos nada. É
a minha resposta. Quero acrescentar uma coisa a mais sobre isso. Tenho visto
que, muitas vezes, na Igreja se buscam os pecados da juventude, por exemplo. E
se publica. Abuso de menores é diferente. Mas, se uma pessoa, seja laica ou
padre ou freira, pecou e esconde, o Senhor perdoa. Quando o Senhor perdoa, o
Senhor esquece. E isso é importante para a nossa vida. Quando vamos confessar e
nós dizemos que pecamos, o senhor esquece e nós não temos o direito de não
esquecer. Isso é um perigo. O que é importante é uma teologia do pecado. Tantas
vezes penso em São Pedro, que cometeu tantos pecados e venerava Cristo. E esse
pecador foi transformado em Papa.
Vocês vêm
muita coisa escrita sobre o lobby gay. Eu ainda não vi ninguém no Vaticano com
um cartão de identidade dizendo que é gay. Dizem que há alguns. Acho que,
quando alguém se vê com uma pessoa assim, devemos distinguir entre o fato de
que uma pessoa é gay e formar um lobby gay, porque nem todos os lobbys são
bons. Isso é o que é ruim.
Se uma
pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para
julgá-lo? O catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles
não devem ser discriminados por causa disso, mas integrados na sociedade. O
problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser como irmãos. O problema é o
lobby dessa tendência, da tendência de pessoas gananciosas: lobby político, de
maçons, tantos lobbies. Esse é o pior problema.
Entrevista a Fabiano Maisonnave, enviado especial a Roma, pelo UOL
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