Enfim um papa para defender a misericórdia de Deus.
"Foi Concílio de Florença no século XV que rubricou definitivamente a doutrina de Santo Agostinho de um castigo e um inferno eterno. Já no século V, entretanto, São Jerônimo estava convencido de que a doutrina do inferno com a misericórdia de Deus não era conciliável. De todo modo, pedia-se aos sacerdotes e bispos que continuassem defendendo a doutrina tradicional “para que os fiéis, por temor ao castigo do inferno eterno, não pecassem”.
"Foi Concílio de Florença no século XV que rubricou definitivamente a doutrina de Santo Agostinho de um castigo e um inferno eterno. Já no século V, entretanto, São Jerônimo estava convencido de que a doutrina do inferno com a misericórdia de Deus não era conciliável. De todo modo, pedia-se aos sacerdotes e bispos que continuassem defendendo a doutrina tradicional “para que os fiéis, por temor ao castigo do inferno eterno, não pecassem”.
O papa Francisco revisa a teologia do inferno
"A Igreja oficial defende desde o século XV que o castigo do inferno destinado aos pecadores é 'eterno', ideia iniciada no século VI com Santo Agostinho. O papa Francisco acaba de revisar tal doutrina católica ao afirmar que a Igreja 'não condena para sempre'”. O comentário é de Juan Arias em artigo no El País, 20-02-2015.
"A Igreja oficial defende desde o século XV que o castigo do inferno destinado aos pecadores é 'eterno', ideia iniciada no século VI com Santo Agostinho. O papa Francisco acaba de revisar tal doutrina católica ao afirmar que a Igreja 'não condena para sempre'”. O comentário é de Juan Arias em artigo no El País, 20-02-2015.
Eis o artigo.
Sem necessidade de grandes encíclicas, com suas falas
habituais, Francisco está realizando uma revisão da Igreja para aproximá-la de
suas raízes históricas.
Deu o último golpe de graça em um momento um pouco mais
solene do que suas conversas habituais com os jornalistas. Dessa vez
aproveitou, dias atrás, seu discurso aos novos cardeais para recordar-lhes que
o castigo do inferno com o qual a Igreja atormenta os fiéis não é “eterno”.
Segundo Francisco, no DNA da Igreja de Cristo, não existe
um castigo para sempre, sem retorno, inapelável.
O Papa jesuíta é formado em teologia, ainda que não tenha
feito o doutorado. Dele, talvez hoje o papa renunciante e doutor em teologia,
Bento XVI, possa dizer o que afirmava sobre seu antecessor, o papa polonês João
Paulo II: que sabe pouca teologia.
Durante um jantar informal em Roma, na casa de um
jornalista alemão seu amigo, Ratzinger confessou, efetivamente, aos poucos
comensais presentes, que o papa Wojtyla “era mais poeta que teólogo” e que ele,
como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cargo que ocupava na época,
precisava revisar seus discursos e documentos papais para que não escapasse
“alguma imprecisão teológica”.
Francisco é, entretanto, um fiel seguidor da teologia
inspirada no cristianismo original, que era, afirma ele, não o da “exclusão”,
mas o da “acolhida” de todos, até mesmo dos maiores pecadores. É inspirado por
aquele cristianismo antes que a teologia liberal do profeta Jesus de Nazaré
fosse contaminada pela severa teologia aristotélica e racional.
Não foi um lapso a afirmação de Francisco aos cardeais de
que a Igreja “não condena ninguém para sempre”, o que equivale a dizer que o
castigo de Deus não é “eterno”, já que as portas da Igreja da misericórdia e do
perdão estão sempre abertas ao pecador.
O Papa que está exigindo aos seus, começando pelos
cardeais, a ir ao encontro daqueles que o mundo esquece e marginaliza, ao invés
de perder seu tempo nos palácios do poder, sabe que essa doutrina teológica
sobre a eternidade e irreversibilidade das penas do inferno, foi sofrendo
mudanças ao longo da História da Igreja.
Até o século III a Igreja nunca defendeu a doutrina da
eternidade do inferno. Pelo contrário, o exegeta das Escrituras, Orígenes (250)
defendeu a doutrina da apocatástase, segundo a qual o Deus dos Evangelho perdoa
sempre. Orígenes baseava-se na parábola do Filho pródigo que volta aos braços
do pai e é recebido com tanta festa que causa a inveja do irmão bom e fiel.
Somente no século VI começa a aparecer o conceito de
“condenação eterna”, sobretudo com Santo Agostinho, o mesmo que defendia que as
crianças mortas sem batismo deveriam ir para o inferno. Diante dos protestos
das mães dessas crianças, a Igreja criou a doutrina do Limbo, um lugar onde
essas crianças “não gozam nem sofrem”, algo completamente estranho aos
Evangelhos
Em nossos dias, o falecido papa polaco, João Paulo II, no
Catecismo da Igreja Universal nascido das discussões do Concílio Vaticano II, aboliu
o Limbo. De acordo com comentários de amigos pessoais do papa, Wojtyla nunca
aceitou que uma irmã sua nascida morta e que não pôde ser batizada, pudesse não
estar no céu por ter morrido antes de ser libertada do pecado original com o
batismo.
A família do futuro Papa era muito católica e, fiel
àquela doutrina, nem sequer enterraram o corpo da pequena por não ter podido
receber o batismo. Ele mesmo confirmou quando ao falar do túmulo no qual
gostaria de juntar os restos de toda sua família, frisou que faltava somente
sua irmãzinha, “pois havia nascido morta”. Foi jogada no lixo.
Foi o Concílio de Florença no século XV que rubricou
definitivamente a doutrina de Santo Agostinho de um castigo e um inferno
eterno. Já no século V, entretanto, São Jerônimo estava convencido de que a
doutrina do inferno com a misericórdia de Deus não era conciliável. De todo
modo, pedia-se aos sacerdotes e bispos que continuassem defendendo a doutrina
tradicional “para que os fiéis, por temor ao castigo do inferno eterno, não pecassem”.
Hoje, o papa Francisco deu um salto de séculos,
colocou-se ao lado das primeiras comunidades cristãs ainda embebidas da
doutrina do misericordioso profeta de Nazaré, que veio “para salva e não para
condenar”.
Os primeiros cristãos sabiam que Jesus havia sido duro e
severo com a hipocrisia e com o poder tirano, enquanto abraçava os
marginalizados pela sociedade bem como os que a Igreja oficial de seu tempo
tachava de pecadores.
Podem parecer minúcias teológicas para os não religiosos,
mas são muito importantes para milhões de cristãos que durante séculos sofreram
oprimidos pela doutrina de um Deus tirano, sedento de castigo e de castigo
eterno.
Lembro que no final dos anos 60, após escrever no jornal
espanhol Pueblo um artigo intitulado “O Deus no qual não acredito”, em que
defendia que os cristãos precisavam escolher entre Deus e o inferno eterno, já
que ambos eram conceitos inconciliáveis, sofri um duro interrogatório do então
arcebispo de Madri, Monsenhor Casimiro Morcillo, que me acusou de “ter escandalizado
os fiéis”.
Aqui no Brasil, o teólogo da libertação, Leonardo Boff,
me contou que há 16 anos o grande escritor e poeta de Pernambuco João Cabral de
Mello Neto estava para morrer e, apesar de não ser religioso, estava angustiado
naquele momento pela doutrina sobre o medo do inferno, que lhe haviam inculcado
na infância. Foi chamado para o tranquilizar. Boff, que foi condenado ao
silêncio pelo papa Bento XVI quando este era Prefeito da Congregação da Fé,
usou com o escritor as mesmas palavras que agora o papa Francisco usa para
assegurar que Deus não condena ninguém para sempre.
Boff disse com humor ao poeta que alguém capaz de
escrever a joia literária, social e humana Morte e Vida Severina, merecia
indulgência plena na hora de se despedir da vida.
A mudança é copernicana. Hoje é um papa como Francisco
que afirma com total naturalidade que o Deus cristão “não condena ninguém para
sempre”, que é como dizer que não existem infernos eternos, uma afirmação que
há pouco tempo atrás poderia ter servido para abrir um processo contra um
teólogo e condená-lo ao ostracismo.
Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/
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http://www.ihu.unisinos.br/
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