Hoje o face me trouxe uma postagem de 2019 que a amiga Inês,
havia enviado pelo zap. Vi que ela serve
e se encaixa neste meu momento reflexivo, já que mostra diálogos perfeitamente
possíveis e atuais.Tenho visto e ouvido coisas assim o tempo todo...
No elevador :
- Friozinho hoje, né?
- Não me lembro de ninguém
reclamando do tempo quando eram os ladrões que estavam no governo.
- Não reclamei, senhora. Só comentei que está frio.
- Se prefere o calor
insuportável de antes, vai pra Cuba, que lá é quente do jeito de vocês gostam.
- Vocês quem?
- Vocês que se locupletaram durante
13 anos, e agora, não tendo do que reclamar, botam a culpa de tudo no nosso presidente,
que quase morreu pelo país. Até o
frio...
(Silêncio. A senhora, toda encasacada, desce no 4º andar,
pisando duro e sem olhar para trás.
Entra um rapaz.
- Como tem gente maluca neste mundo. Comentei que estava
frio e aquela senhora saiu cuspindo marimbondo, como se eu estivesse fazendo
crítica política.
- E não estava?
- Não, só comentei que esfriou hoje e...
- E você acha que este frio
não tem a ver com o aquecimento global? , Com a devastação das florestas? Com
essa política ambiental criminosa? Com esse clima horroroso que vocês
implantaram no país?
- Vocês quem?
- Vocês, fundamentalistas retrógrados,
entreguistas.
- Mas...
- Eu não dialogo com fascistas. Silêncio.
O rapaz, de camiseta regata, desce no térreo, pisando duro e sem olhar para
trás.
Uma mocinha que aguarda o elevador pergunta:
- Está descendo ou subindo?
Uma outra pessoa :
- Não sabe se quer subir ou descer?
Decida-se primeiro, em vez de ficar aí em cima do muro.
É por culpa de vocês, isentões, que o Brasil está desse jeito!
Chegamos a um estágio em que as pessoas, na verdade será
melhor dizer, nós, reagimos antes de pensar. É como se cada um tivesse uma pedra
na mão prestes a ser lançada.
Nas redes ditas sociais então, elas a todo momento estão sendo arremessadas e
podem fazer grandes estragos, como aconteceu essa semana com o rapaz de 16 anos
e que, a partir do turbilhão de agressões e críticas, nas redes, não suportou
e, acabou cometendo suicídio.
Estas redes hoje são povoadas por todo tipo de mentiras, as
tais “fake News”, por pessoas preconceituosas, moralistas, fanáticos
religiosos, sem falar nos sem limite que se acham no direito de entrar em
postagens onde não foram chamados, para ultrapassar o direito de discordar.
Não sei se a pandemia acabou por agravar essa situação, tendo em vista o
isolamento social e a tensão gerada pelo medo e falta do convívio social.Fato é
que eu percebo que o caminho do meio, apregoado sabiamente pelos budistas, está
cada vez mais fora do repertório das relações interpessoais. Estar no centro
hoje assumiu uma imagem desgastada, que aos poucos parece ser associada com
manipulação e falta de honestidade. Restam então os extremos, que se agridem
permanentemente, sendo que em muitos casos de forma fanática e radical. Não há
mais espaço para a pluralidade, para uma convivência que toler e respeita as
diferenças. O que acaba sendo produzido é uma agressão que destrói relações e
vem se tornando frequente e ascendente.
Não quero e não vou entrar nessa guerra de ideias e na sedução do reclamar sem
avaliar o proveito deste ato de reclamar.
Não pretendo perder a harmonia e a paz e ter que aturar agressões de quem pensa
diferente de meus valores sociais, morais e políticos. Já repeti inúmeras vezes
que vejo no cristianismo primitivo o modelo mais acertado de convivência. É um
modelo de tolerância e respeito e sim, é um modelo que serviu de base para o
socialismo. Na verdade, o revolucionário de Nazaré só não tlerava quem era intransigente
intolerante com os indefesos e excluídos, de resto acolhia a todos e deixava
isso muito claro quando afirmava que os ladrões e as prostitutas precederiam os
sacerdotes do tempo no paraíso. Ele foi claro e inclusivo quando disse á “pecadora”
que se os moralistas não a condenaram ele também não a condenaria. Ao centurião
romano que sabia que sua casa não era digna que um judeu lá entrasse, já que transgredia
as leis mantendo “um escravo que ele muito amava’ e que estava enfermo, Jesus
não teve dúvidas em curá-lo sem nem mesmo ir presencialmente lá. E a samaritana
adultera, já que tinha tido não um, mas cinco maridos? Ele se limitou a dizer a
ela que na verdade apesar de ter tido cinco não tinha nenhum.
Duas ciosas saltam aos olhos nos relatos dos evangelhos, tolerância e inclusão.
Ele incluía a todos, mulheres tidas como inferiores no judaísmo da época,
cobradores de impostos, mulheres condenadas pela sociedade da época, e até sacerdotes,
desde que não tivessem o abominável comportamento farisaico, esse sim jamais
tolerado por justamente ser oposto da mensagem de amor, inclusão e aceitação das
criaturas de seu Pai. Esse tem sido um modelo que tento imperfeitamente seguir,
confesso que com pouco sucesso.
Tenho percebido que às vezes me demoro demais nos círculos
de críticos e reclamadores, e isso acaba por me frustrar, e além de não
produzir os resultados esperados, ou seja, provocar as mudanças necessárias,
acaba por alterar meu humor e me jogar num processo de desesperança, falta de
fé e ansiedade, que em nada ajudam na
resolução da séria crise que atravessamos. Essa convivência também produz um
efeito colateral que considero bastante negativo, que é nos manter atrelados
por longos períodos no celular, logados nas tais redes, mais antissociais do
que sociais.
Sirvo-me deste texto não com a pretensão de fazer alguém mudar de atitude ou de
condenar o comportamento alheio, mas tomo-o como uma reflexão para colocar
minhas ideias de forma mais claras para mim e como forma de rever minhas
atitudes e comportamentos, de forma a organizar melhor meu processo de mudança e crescimento.
Já há algum tempo adotei como lema para minha vida, parte de um samba antológico do Cartola, o grande
Cartola, da minha querida Mangueira que diz assim:
“ A sorrir, eu pretendo levar a vida,
pois chorando eu vi a mocidade perdida...”
E é uma verdade, a minha mocidade foi abortada
pela ditadura e hoje eu quero tomar muito cuidado para não ter também a minha
velhice perdida. Na verdade eu sei, como prossegue o samba, que “finda a tempestade, o sol nascerá...” quero
muito conseguir ver esse sol nascente outra vez.
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