Matthew Fox, quase septuagenário, é atualmente o mestre
espiritual mais criativo e abrangente da América. Conta com um doutorado em
História e Teologia da Espiritualidade e possui, além disso, imaginação,
coragem e a arte de um escritor. É autor de 26 livros. Criou o Instituto de
Cultura e Espiritualidade da Criação que funcionou, durante sete anos, em
Chicago e, durante doze, em Oakland.
O então cardeal Ratzinger tentou fechá-lo. E, em 1988, impôs
silêncio a Fox por um ano. Três anos depois, fez com que o excluíssem da Ordem
dominicana, pondo com isso fim ao Instituto. Fox fundou então uma universidade
própria em Oakland, a que deu o nome de Universidade da Espiritualidade da
Criação; hoje é denominada Universidade da Sabedoria.
Convidado a falar na Alemanha, em Bad Herrenalb, no
Pentecostes de 2005, a recente eleição de Bento XVI inspirou-lhe a realização
de um ato simbólico: afixar as suas 95 teses para uma nova reforma da Igreja na
porta da Schlosskirche de Wittenberg, onde Lutero afixou as suas, em 31 de
outubro de 1517. E assim aconteceu, em 18 de maio, pelas 16 horas, em presença
da imprensa e da televisão.
Em vez de teses, Fox prefere chamá-las declarações de fé
para uma cristandade do Terceiro Milênio. E, em vez de reforma, ele prefere
falar da transformação do cristianismo (“A New Reformation: Creation
Spirituality and the Transformation of Christianity “, 2006, Inner Traditions).
São estas as suas propostas:
1. Deus é ambas as coisas: Mãe e Pai.
2. No nosso tempo, Deus é mais Mãe do que Pai, porque o
feminino está, a maioria das vezes, ausente e é essencial restabelecer o
equilíbrio dos sexos.
3. Deus é sempre novo, sempre jovem, está sempre no começo.
4. Deus, concebido como Deus punitivo, não é digno de ser
honrado; é um deus falso e um ídolo útil aos imperialistas. O conceito de um
Deus punitivo, viril, contradiz a plena natureza da divindade, tão feminina e
maternal quanto varonil e paternal.
5. “Todos os nomes que atribuímos a Deus, provêm da
compreensão que temos de nós mesmos”(Eckart). Por isso, quem o cultua como um
Deus punitivo, é ele próprio vingativo.
6. O teísmo (a idéia de que Deus se acha “fora daqui” ou
acima e além do universo) é falso. Tudo está em Deus e Deus está em tudo
(panenteísmo).
7. Cada um de nós nasceu místico e amoroso, capaz de
experienciar a unidade das coisas e chamado a conservar viva esta mística ou o
amor à vida.
8. Todos são chamados a ser profetas, isto é, a opor-se à
injustiça.
9. Sabedoria é amor à vida (veja-se o Livro da Sabedora:
“Sabedoria significa amar a vida”; e Cristo diz no Evangelho de João: “Eu vim
para que tenhais vida, vida em abundância”).
10. Deus ama tudo o que criou e a ciência pode ajudar a
penetrar mais profundamente e a admirar os mistérios e a sabedoria de Deus na
criação. A ciência não se opõe à verdadeira religião.
11. A religião não é necessária, a espiritualidade, sim.
12. “Jesus não nos chamou a uma nova religião, mas a viver”
(Bonhoeffer). Espiritualidade é viver a vida com profundidade, novidade e
gratidão, coragem e criatividade, confiança e serenidade, piedade e justiça.
13. Espiritualidade e religião não são a mesma coisa, tanto
quanto educação e saber, lei e justiça, comércio e gestão.
14. Os cristãos devem distinguir entre Deus (masculino e
história, libertação e salvação) e Divindade (feminina e mistério, ser e
não-ação).
15. Os cristãos têm de distinguir entre Jesus (personagem
histórico) e Cristo (a experiência de Deus em-todas-as-coisas).
16. Os cristãos devem distinguir entre Jesus e Paulo.
17. Não diferindo de outros mestres espirituais, Jesus
ensinou que somos filhos e filhas de Deus e que, em virtude disso, havemos de
nos comportar como instrumentos da misericórdia divina.
18. A justiça ecológica é fundamental para a sobrevivência
do planeta e para uma ética humana. Sem isso, estaremos a crucifixar de novo
Cristo, ao destruir as florestas, a água, as espécies, o ar e o solo.
19. A sustentabilidade é outro nome da justiça, pois o que é
justo, também é sustentável, o que é injusto, não.
20. Uma opção preferencial pelos pobres, como a do movimento
das Comunidades de Base, está muito mais perto dos ensinamentos e espírito de
Jesus do que a opção preferencial pelos ricos como é, por exemplo, a do Opus
Dei.
21. A justiça econômica requer uma ação criativa que gere um
sistema de economia global, respeitoso pela saúde e riqueza do planeta Terra e
que funcione para todos.
22. A celebração e o culto são base da comunidade humana e
da sua sobrevivência. Essas comemorações jubilosas são merecedoras de novas
formas que usem uma linguagem do século XXI.
23. A sexualidade é algo sagrado, uma experiência
espiritual, teofania (revelação do divino) e experiência mística. É algo santo
que deve ser dignificado como tal.
24. A criatividade é, não apenas o maior dom da humanidade,
como também a sua arma mais poderosa para o mal. Por isso, não só deve ser
estimulada como também orientada à ação que, de acordo com todas as religiões,
é a mais divina da humanidade: a compaixão.
25. Existe um sacerdócio próprio de quem trabalha (quem
realiza boas obras é parteiro da graça e, por isso, sacerdote). Este sacerdócio
tem de ser reverenciado como sagrado e quem trabalha há de ser instruído na
espiritualidade, para poder exercer eficazmente o seu ministério.
26. O imperialismo é incompatível com a vida e ensinamentos
de Jesus, com a vida e ensinamentos de Paulo e com os ensinamentos das sagradas
religiões.
27. Ideologia não é teologia e põe em risco a fé, porque
substitui o pensar pela obediência e desvia da responsabilidade própria da
teologia, que é a de ajustar a sabedoria do passado às necessidades do
presente. Em lugar de teologia, a ideologia exige juramento de lealdade ao
passado.
28. A lealdade não é critério bastante para o ministério
eclesial; é-o a inteligência e uma consciência provada.
29. Por muito que a mídia televisiva corteje o Papa e o seu
Pontificado, porque isso lhe proporciona bons espetáculos, o Papa não é a
Igreja mas apenas um ministro dela. O endeusamento do Papa é uma forma
contemporânea de idolatria que deve ser combatida por todos os fiéis.
30. Criar uma Igreja de subservientes não é coisa santa.
Gente servil não é gente espiritual, porque a sua única virtude é a obediência.
Uma sociedade constituída por subservientes – um clero servil, seminaristas
servis, bispos servis, cardeais servis, ordens religiosas servis como o Opus
Dei, Legionários de Cristo, Comunhão e Libertação, e uma imprensa servil – não
representa, de forma alguma, a doutrina e a pessoa do Jesus histórico, que se
insurgiu contra o poder em vez de o acumular.
31. Os juramentos de sigilo papal constituem, na Igreja, uma
via tão segura de corrupção e total encobrimento como em qualquer outra
organização humana.
32. O pecado original é a extrema expressão de um Deus Pai
punitivo e não um ensinamento bíblico. Bíblica é a bênção original (bondade e
graça).
33. O termo “ferida original” descreve melhor que “pecado
original” a separação experimentada pelos humanos ao deixarem o ventre materno
para entrarem num mundo tantas vezes injusto e repulsivo.
34. O fascismo e a tendência compulsiva ao controle
autoritário não são caminhos de paz ou compaixão e quem adota o fascismo não é
um digno modelo de santidade. O mau uso do aparato de canonizações para
glorificar fascistas é uma nódoa para a Igreja.
35. O espírito de Jesus e de outros profetas chama as
pessoas a um estilo de vida simples, a fim de viverem.
36. O dançar, que, em muitas culturas primitivas, tem a
mesma raiz etimológica que respiração ou espírito, é uma forma muito antiga e
apropriada de orar.
37. Honrar os ancestrais e celebrar a comunhão dos santos
não significa colocar heróis num pedestal, mas honrá-los, vivendo no nosso tempo,
na nossa cultura e no nosso momento histórico, com o mesmo idealismo, coragem e
humanidade com que eles viveram na sua época.
38. Tal como nos primeiros tempos da Igreja, também hoje é
de esperar, e desejável, a diversidade de interpretações dos acontecimentos da
vida de Jesus e da experiência de Cristo.
39. Por conseguinte, unidade da Igreja não quer dizer
conformidade. Existe uma unidade na diversidade. Uma unidade forçada não é
unidade.
40. O Espírito Santo é perfeitamente capaz de operar em
estruturas eclesiais democraticamente participativas; e os modelos hierárquicos
podem impedir a ação do Espírito.
41. O corpo é templo sagrado de Deus, mas isso não significa
que seja intocável; quer dizer que todas as suas dimensões – adequadamente
denominadas sete chacras – são igualmente santas.
42. Por isso, é santa a nossa ligação com a terra (primeiro
chacra); santa, a nossa sexualidade (segundo chacra); santa, a nossa indignação
moral (terceiro chacra); santo, o nosso amor que se ergue contra o medo (quarto
chacra); santa, a nossa voz, expressando-se profeticamente (quinto chacra);
santas, nossa intuição e inteligência (sexto chacra); santos, os nossos dons,
pelos quais somos partícipes da comunidade dos seres luminosos e dos ancestrais
(sétimo chacra).
43. O preconceito do racionalismo e da localização da metade
esquerda do cérebro apenas na cabeça deve encontrar contrapeso na consideração
dos chacras inferiores, que corporificam, de igual modo, a sabedoria, a verdade
e a ação do Espírito.
44. O chacra central, a compaixão, é a pedra-de-toque da
saúde de todos os demais, que lhe hão de estar subordinados, pois “pelos seus
frutos os conhecereis” (Jesus).
45. “O alegrar-se é o mais nobre dos atos humanos” (Tomás de
Aquino). Serão nossas culturas, suas profissões, educação e religião promotoras
da alegria?
46. A psique humana é feita para o cosmos e não estará
satisfeita, enquanto essas duas realidades não se acharem unidas e o
deslumbramento, princípio da sabedoria, não derive de tal união.
47. As quatro vias designadas na tradição espiritual da
criação representam melhor o itinerário espiritual místico-profético de Jesus e
da tradição judaica do que as três vias da purificação, iluminação e união, não
provenientes da tradição judaica e bíblica.
48. Por isso, se pode afirmar que Deus se faz sentir numa
experiência de êxtase, de alegria, de assombro e deleite (via positiva).
49. Deus faz-se sentir na escuridão, no caos, no nada, no
sofrimento, no silêncio e no aprender a deixar ser e acontecer (via negativa)
50. Deus deixa-se experimentar nos atos de criatividade e de
concriação (via criativa)
51. Todas as pessoas nasceram criativas. É função da
espiritualidade excitar a santa imaginação, pois todos nasceram “à imagem” do
Criador e “a força impetuosa da fantasia é um dom de Deus” (Cabala).
52. Se tu podes falar, também podes cantar; se tu podes
andar, também podes dançar; se tu podes falar, tu és um artista (provérbio
africano e indiano).
53. Deus deixa-se sentir na nossa luta pela justiça, pela cura,
pela compaixão e pela celebração (via transformativa).
54. O Espírito Santo atua por meio de todas as culturas e
tradições espirituais, “sopra onde quer” e não é nem nunca foi propriedade
exclusiva de nenhuma tradição.
55. Hoje, como no passado, Deus fala por meio de todas as
religiões, culturas e tradições de fé, nenhuma das quais representa o perfeito
e único caminho da verdade, podendo todas elas aprender umas das outras.
56. Por isso, nos nossos dias, uma fé partilhada ou um
profundo ecumenismo fazem necessariamente parte da práxis espiritual e da
consciência.
57. Já que o “obstáculo número um para o encontro dos que
creem é um mau relacionamento com a própria fé” (Dalai Lama), é importante para
os cristãos conhecerem a sua própria tradição mística e profética, muito mais
ampla que uma religião imperial e que a sua imagem punitiva de Deus Pai .
58. O cosmos é o templo santo de Deus e o nosso santo lar.
59. Catorze bilhões de anos de evolução e de expansão do
universo apontam para a íntima sacralidade de tudo quanto é.
60. Tudo o que existe é santo e está relacionado entre si,
pois tudo o que existe no nosso universo começou como um único ser, antes da
explosão inicial.
61. A interconexidade não é só uma lei física e natural;
constitui também a base da comunidade e da compaixão. Compaixão é pôr em
prática a nossa interconexidade compartilhada, tanto nas alegrias como no
sofrimento e na luta pela justiça.
62. O universo não sofre de carência de graça e nenhuma
instituição religiosa pode pôr sua tarefa em racioná-la. No universo de Deus, a
graça é abundante.
63. A criação, a Encarnação e a Ressurreição são
acontecimentos constantes, tanto na escala cósmica como na escala pessoal. Isto
é também válido para a Vida, para a Morte e para a Ressurreição (Regeneração e
Reincarnação).
64. Biofilia ou amor à vida é o nosso dever de cada dia.
65. Necrofilia, ou amor à morte, há de ser combatida, por
todos os meios, tanto em nós próprios como na sociedade.
66. O mal pode surgir de qualquer povo, de qualquer nação,
de qualquer raça, de qualquer indivíduo. Por isso, faz-se necessária, a todo o
instante, a vigilância, a autocrítica e a crítica institucional.
67. Nem todo o que se rotula “cristão”, é merecedor de tal
nome, bem como nem todo “o que diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos
Céus” (Jesus).
68. A pedofilia é um crime terrível, mas o seu encobrimento
pela hierarquia é ainda mais abominável.
69. A lealdade e a obediência jamais serão virtudes
comparáveis com a consciência e a retidão.
70. Jesus nunca disse nada sobre preservativos, controle de
natalidade ou homossexualidade.
71. Uma Igreja que se preocupa mais com os males sexuais do
que com os da injustiça, está ela própria doente.
72. Dado que a homossexualidade se encontra em 464 espécies
e em 8% da população humana, trata-se, em quem assim nasceu, de algo
absolutamente natural, de uma dádiva de Deus e da natureza feita à comunidade
mais ampla.
73. Em qualquer das suas formas, a homofobia é um sério
pecado contra o amor ao próximo, um pecado de ignorância da riqueza e
diversidade da criação divina e, ao mesmo tempo, um pecado de exclusão.
74. O racismo, o sexismo e o militarismo são também graves
pecados.
75. A pobreza da maioria e o luxo de uns poucos não são
justos nem suportáveis.
76. O consumismo é a versão hodierna da glutonaria e deve
ser defrontado pela criação de um sistema econômico que opere em benefício de
todos os povos e de todas as criaturas da terra.
77. Os seminários, tais como os conhecemos hoje, com sua
excessiva ênfase na metade esquerda do cérebro, matam e corrompem muitas vezes
a alma mística dos jovens, em vez de estimular a consciência mística e
profética que neles existe. Os seminários deviam ser substituídos por escolas
de sabedoria.
78. Se exige de todos nós um trabalho interior. Por isso,
todos deviam ter acesso a práticas espirituais de meditação que ajudassem a
serenar o cérebro do réptil. Crianças e adultos podem e devem ser exercitados
no silêncio, na contemplação e em ficar calados.
79. O nosso trabalho exterior há de fluir do trabalho
interior, tal como o ato flui do não-ato e o verdadeiro ato flui do ser.
80. Um sábio teste para avaliar a lisura de uma ação é este:
qual será o efeito desta ação sobre as pessoas da sétima geração depois de nós?
81. O outro teste da retitude de uma ação é este: esta minha
ação, esta nossa ação é uma bela ação ou não?
82. O eros, que é paixão pela vida, é uma virtude que
combate a acédia ou falta de energia para empreender algo novo. Esta acédia
também se revela como depressão, cinismo e indolência.
83. A Noite Escura da alma nos invade a todos; e a resposta
adequada não é entregar-se ao afã de comprar, ao álcool, à droga, à tevê, ao
sexo ou à religião, mas caminhar com a escuridão e aprender dela.
84. A Noite Escura da alma é lugar de um aprendizado
profundo. Mas requer silêncio.
85. Não existe só a Noite Escura da alma, mas tammbém a da
sociedade e a da nossa espécie, a humanidade.
86. O caos é um amigo e um mestre, bem como parte necessária
ou prelúdio de um novo nascimento. Por isso, não há que temê-lo ou controlá-lo
compulsivamente.
87. A ciência autêntica pode e deve ser uma das fontes da
sabedoria da humanidade, visto que é a fonte do santo temor, do deslumbramento
infantil e da verdade.
88. Se a ciência ensina que a matéria é “luz congelada”
(físico David Bohm), então, com isso, ela livra a humanidade de fazer da carne
o bode expiatório do mal e lhe garante, ao invés, que todas as coisas são luz.
Igual doutrina se encontra nos Evangelhos (Cristo é a luz em todas as coisas) e
nos ensinamentos budistas (a natureza Buda está em todas as coisas). Por
conseguinte, a carne não é pecaminosa; pecaminosas são as nossas decisões que,
por vezes, não buscam o que é certo.
89. Os objetivos próprios do coração humano são a verdade e
a justiça (Tomás de Aquino) e todas as pessoas têm o direito de os alcançar por
meio de uma sã educação e de um governo saudável.
90. “Deus” é só um nome do divino. Há incontáveis nomes para
Deus e para a Divindade; contudo, “Deus não possui nenhum nome e jamais será
nomeado” (Mestre Eckhart).
91. São três as estradas para o coração: o silêncio, o amor
e o sofrimento.
92. A dor do coração humano há de ser tratada com rituais e
exercícios que, quando praticados, diminuirão a irritação, permitindo que a
criatividade flua de novo.
93. Duas estradas partem do coração: a criatividade e os
atos de justiça e compaixão.
94. Já que os anjos aprendem exclusivamente por intuição, se
nós desenvolvermos o nosso poder intuitivo, podemos ter a esperança de
encontrar anjos ao longo do caminho.
95. A verdadeira inteligência inclui sentimentos,
sensibilidade, beleza, o dom de doação e o humor, que é uma dádiva do Espírito,
sendo o paradoxo seu irmão.
(Texto recebido da Alemanha por e-mail, na versão inglesa e
alemã. Traduziu e apresentou Irene e Luís Cacais)
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