Jean Yves Leloup
O rosto do
Cristo tinha a serenidade dos budas, os traços eram suaves, mas precisos e sem
languidez, os olhos estavam abertos e eles não estavam vazios.
Para mim,
aquilo foi o que eu passei a chamar de o “choque da síntese”. Dentro e fora não
estavam mais separados, a interioridade não se opunha à exterioridade. Era
realmente o rosto de um homem, mas transparente à uma outra Vida. A expressão
do rosto não era psíquica como é o caso de certas imagens pias, mas ontológico;
não era a expressão de uma emoção ou de um sentimento qualquer, mas a expressão
de um “estado de Ser”, um “Eu” que é Amor... As palavras do patriarca me vieram
à mente: “Nele, Deus e o homem não estão
nem separados nem embaralhados.”
Não era o
rosto de um separado, do individuo fechado na densidade do seu mármore e das
suas moléculas, não era o rosto de um homem sem ego, sem traços particulares,
dissolvido no oceano de um Todo de beatitude e, no entanto, havia algo de
ambos, uma interioridade que não deixava nada a desejar à dos budas e uma
presença carnal que não deixava nada a desejar à dos Apolos.
Será que eu
não estava projetando no semblante do Cristo a síntese difícil que meu espírito
estava procurando elaborar? Sem dúvida, mas o ícone estava ali, com o seu rosto
sem sorriso que, no entanto, era todo acolhimento, com seus olhos abertos que
me fitavam e que, no entanto, olham o interior, “para o Pai”. Mas isso eu
aprenderia em seguida...
Naquele
momento preciso, eu apenas recebia o “choque da síntese”. Essa síntese não era
uma soma de pensamentos, uma nova ideologia, mas “Alguém”, uma “verdade em pessoa”.
Não uma verdade científica, nem filosófica, sequer teológica: uma verdade em
presença, um “Eu sou a Verdade”, um “Eu sou verdadeiro”, verdadeiramente Deus,
verdadeiramente homem, no interior e no exterior, no início, no fim; eu sou o
alpha e o omega.
Do livro “O
Absurdo e a Graça” –Jean Yves leloup
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