O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

1 de fevereiro de 2011

“Creio em Deus, mas não na Igreja”, afirma Hans Küng

“Fui e sou um membro fiel da Igreja. Creio em Deus e em seu Cristo, mas não creio na Igreja. Recuso toda equiparação da Igreja com Deus, todo soberbo triunfalismo e todo confessionalismo egoísta”. Com esta contundência se expressa o teólogo Hans Küngpróximo de completar 83 anos (o fará em março próximo). Ontem (27 de janeiro), aUniversidade Nacional de Educação a Distância (UNED) celebrou a festividade deTomás de Aquino entregando-lhe o título de doutor honoris causa. Era uma dívida que a universidade espanhola tinha com um dos pensadores cristãos mais relevantes do último século.

A reportagem é de Juan G. Bedoya e está publicada no jornal El País, 28-01-2011. A tradução é do Cepat.

Küng recebeu seu primeiro doutorado honorário aos 34 anos na Universidade de Sant Louis (Missouri, Estados Unidos), e foi acumulando desde então outras cerca de 20 das mais altas distinções acadêmicas. Nenhuma na Espanha. Ontem, a UNED lhe honrou a proposta de sua Faculdade de Filosofia, destacando assim seu grande porte como filósofo, mas também aquela que não é uma Faculdade de Teologia a que outorgasse o prêmio.

Nascido em Sursee (Lucerna, Suíça) em 19 de março de 1928, Küng foi definido na cerimônia como “o teólogo mais católico” deste tempo, no sentido etimológico da palavra católico (quer dizer, universal). O é por fama, prestígio e influência, mas também pela difusão de seus livros, que já somam os 60 títulos, muitos deles de mais de mil páginas.

Manuel Fraijó, o professor de Filosofia da Religião na UNED e encarregado de fazer a laudatio do novo doutor, o destacou recordando como foi recebido em 1974 “um dos seus livros mais geniais”, Ser Cristão. “Era – e segue sendo – uma obra repleta de informação histórica e paixão crente. Jesus, sua história e sua mensagem se aproximaram dos homens e mulheres do século XX. A partir dele se pode olhar para trás e para frente, para Calcedônia e para o século XXI. O entusiasmo foi generalizado. Uma única voz dissentiu: a do magistério. Os guardiões da fé pareceram pensar que o genuinamente cristão só é reconhecível em fotografias muito antigas. Desconfiaram da cor, da inovação, da centelha, da originalidade, da liberdade que esta obra refletia. Foi, provavelmente, o livro de teologia mais lido do século XX”, disse.

João XXIII nomeou Hans Küng teólogo oficial – perito – do Concílio Vaticano II quando este apenas havia feito 32 anos. O carismático Papa ficou fascinado com a leitura da tese de doutoramento do jovem teólogo, publicada em 1957 com o título A justificação. Doutrina de Karl Barth e uma interpretação católica. Küng se atrevia aí com um tema que, desde o começo da reforma de Lutero, havia dividido durante séculos católicos e protestantes, causando guerras e terríveis sofrimentos.

Tomando como expoente do pensamento protestante o grande Karl Barth, o jovem teólogo mostrava que inclusive em um assunto tão complexo – a justificação – era possível o entendimento entre as duas grandes confissões. Quando Küng viajou pouco depois aos Estados Unidos, convidado para falar desse livro e de seu relevante papel de perito no Vaticano II, sua fama era tal que foi convidado para um almoço privado na Casa Branca pelo presidente Kennedy.

Como antes com Tomás de Aquino, ou os místicos João da Cruz, Teresa de Jesus e, inclusive, Giordano Bruno, a obra de Hans Küng lhe custou muitos desgostos com a hierarquia da Igreja romana, que chegou a lhe retirar a permissão para ensinar teologia católica. A ordem foi dada por João Paulo II e foi executada pelo então cardeal Joseph Ratzinger, hoje Bento XVI. “Toda nova verdade nasce como heresia, tanto mais quanto mais nova for”, destacou Fraijó citando o jesuítaTeilhard de Chardin, outro castigado pela moderna inquisição.

Apesar de tudo, Küng não deixou de se sentir membro da Igreja. Nunca teve a tentação de abandoná-la quando lhe choviam censuras e críticas. Mas também não renunciou a dizer o que pensava, em cada momento, inclusive depois de ter sido chamado amistosamente por Bento XVI para um longo encontro meses depois de ter sido eleito papa. Haviam sido colegas na Universidade de Tübingen (Alemanha) e peritos do Concílio, ambos com a mesma idade, quase uns rapazes.

Igualmente deslumbrantes, pelo que parece, Küng e Ratzinger seguiram caminhos muito diferentes; o primeiro, culminando uma obra teológica impressionante; o segundo, renunciando a ela por uma carreira eclesiástica no Vaticano que o levou finalmente ao Pontificado.

Ontem [quinta-feira passada] Manuel Fraijó recordava que, pouco antes de terminar o Concílio, Paulo VI chamou Küng ao seu escritório particular e lhe fez uma “oferta de trabalho” que poderia ter mudado sua biografia. Conta-o com invejável maestria literária o próprio Küng no primeiro volume de suas memórias, Liberdade Conquistada.

Paulo VI lhe disse: “Quanto bem você poderia fazer se pusesse seus grandes dotes a serviço da Igreja”. Küng lhe responde: “Ao serviço da Igreja? Santidade, eu já estou a serviço da Igreja”. Mas o Papa se referia à Igreja especificamente romana e acrescentou: “deve confiar em mim”. De novo Küng: “Eu tenho confiança em Sua Santidade, mas não em quantos estão ao seu redor”.

O Papa lhe sugeriu que não seria necessário que estivesse de acordo com tudo o que acontece na cúria romana. Bastaria adaptar-se um pouco, praticar uma certa conformidade. “Küng suspeita que uma oferta parecida teria sido feita, naquela mesma época, a outro grande teólogo jovem do momento, seu companheiro Joseph Ratzinger, com resultados vastamente conhecidos. Não faria sentido, neste momento, fazer brigar biografias”, concluiu o professor Fraijó.

Küng faz agora a memória de sua longa vida, a ponto de terminar um novo livro e enquanto avança na redação do terceiro volume de memórias. Na Espanha, a Editorial Trotta acaba de publicar Em que eu creio, onde, em 250 singelas páginas, responde a uma pergunta que continuamente lhe fazem os admiradores: “Com toda sinceridade, senhor Küng, em que você pessoalmente crê?”.

Esta é uma de suas conclusões: “Durante toda uma vida de teólogo me comprometi com a renovação da Igreja e da teologia católicas, assim como com o entendimento entre as Igrejas cristãs. Pude ser testemunha de alguns sucessos, sobretudo sob João XXIII e durante o Concílio Vaticano II. Mas também tive que encarar reveses, em especial sob os papas pós-Conciliares. Eles e seu aparelho curial do poder traíram o Concílio reformista e puseram de novo em pé, a fim de bloquear qualquer reforma, o sistema romano, antirreformado e antimoderno, próprio da Idade Média, com um colégio episcopal inteiramente domesticado”.

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