Após os vários agradecimentos a todos os que contribuíram
para um percurso sinodal de intenso ritmo de trabalho o Papa Francisco disse
ter-se interrogado sobre o que “há-de significar, para a Igreja, encerrar este
Sínodo dedicado à família?”
Muitas as respostas encontradas pelo Santo Padre para
completar o significado do Sínodo: a importância do matrimonio, escutar as
vozes das famílias e dos pastores, olhar e ler a realidade, testemunhar o
Evangelho como fonte viva de novidade eterna, afirmar a Igreja como sendo dos
pobres e dos pecadores e abrir horizontes para difundir a liberdade dos Filhos
de Deus.
Em particular, o Papa Francisco considerou que a experiência
do Sínodo fez compreender melhor que defender a doutrina é defender o seu
espírito e o homem em vez de ideias:
“A experiência do Sínodo fez-nos compreender melhor também
que os verdadeiros defensores da doutrina não são os que defendem a letra, mas
o espírito; não as ideias, mas o homem; não as fórmulas, mas a gratuidade
do amor de Deus e do seu perdão.”
Francisco recordou Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI e no
final do seu intenso discurso afirmou que “para a Igreja, encerrar o Sínodo
significa voltar realmente a «caminhar juntos» para levar a toda a parte do
mundo, a cada diocese, a cada comunidade e a cada situação a luz do Evangelho,
o abraço da Igreja e o apoio da misericórdia Deus!”
Publicamos aqui o texto integral do Santo Padre:
Amadas Beatitudes, Eminências, Excelências, Queridos irmãos
e irmãs!
Quero, antes de mais, agradecer ao Senhor por ter guiado o
nosso caminho sinodal nestes anos através do Espírito Santo, que nunca deixa
faltar à Igreja o seu apoio.
Agradeço de todo o coração ao Cardeal Lorenzo Baldisseri,
Secretário-Geral do Sínodo, a D. Fabio Fabene, Subsecretário e, juntamente com
eles, agradeço ao Relator, o Cardeal Peter Erdö, e ao Secretário Especial, D.
Bruno Forte, aos presidentes delegados, aos secretários, consultores,
tradutores e todos aqueles que trabalharam de forma incansável e com total
dedicação à Igreja: um cordial obrigado!
Agradeço a todos vós, amados padres sinodais, delegados
fraternos, auditores, auditoras e conselheiros, párocos e famílias pela vossa
activa e frutuosa participação.
Agradeço ainda a todas as pessoas que se empenharam, de
forma anónima e em silêncio, prestando a sua generosa contribuição para os
trabalhos deste Sínodo.
Estai certos de que a todos recordo na minha oração ao
Senhor para que vos recompense com a abundância dos seus dons e graças!
Enquanto acompanhava os trabalhos do Sínodo, pus-me esta
pergunta: Que há-de significar, para a Igreja, encerrar este Sínodo dedicado à
família?
Certamente não significa que esgotamos todos os temas
inerentes à família, mas que procuramos iluminá-los com a luz do Evangelho, da
tradição e da história bimilenária da Igreja, infundindo neles a alegria da
esperança, sem cair na fácil repetição do que é indiscutível ou já se disse.
Seguramente não significa que encontramos soluções
exaustivas para todas as dificuldades e dúvidas que desafiam e ameaçam a
família, mas que colocamos tais dificuldades e dúvidas sob a luz da Fé,
examinamo-las cuidadosamente, abordamo-las sem medo e sem esconder a cabeça na
areia.
Significa que solicitamos todos a compreender a importância
da instituição da família e do Matrimonio entre homem e mulher, fundado sobre a
unidade e a indissolubilidade e a apreciá-la como base fundamental da sociedade
e da vida humana.
Significa que escutamos e fizemos escutar as vozes das
famílias e dos pastores da Igreja que vieram a Roma carregando sobre os ombros
os fardos e as esperanças, as riquezas e os desafios das famílias do mundo
inteiro.
Significa que demos provas da vitalidade da Igreja Católica,
que não tem medo de abalar as consciências anestesiadas ou sujar as mãos
discutindo, animada e francamente, sobre a família.
Significa que procuramos olhar e ler a realidade, melhor
dito as realidades, de hoje com os olhos de Deus, para acender e iluminar, com
a chama da fé, os corações dos homens, num período histórico de desânimo e de
crise social, economica, moral e de prevalecente negatividade.
Significa que testemunhamos a todos que o Evangelho continua
a ser, para a Igreja, a fonte viva de novidade eterna, contra aqueles que
querem «endoutriná-lo» como pedras mortas para as jogar contra os outros.
Significa também que espoliamos os corações fechados que,
frequentemente, se escondem mesmo por detrás dos ensinamentos da Igreja ou das
boas intenções para se sentar na cátedra de Moisés e julgar, às vezes com
superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas.
Significa que afirmamos que a Igreja é Igreja dos pobres em
espírito e dos pecadores à procura do perdão e não apenas dos justos e dos
santos, ou melhor dos justos e dos santos quando se sentem pobres e pecadores.
Significa que procuramos abrir os horizontes para superar
toda a hermenêutica conspiradora ou perspectiva fechada, para defender e
difundir a liberdade dos filhos de Deus, para transmitir a beleza da Novidade
cristã, por vezes coberta pela ferrugem duma linguagem arcaica ou simplesmente
incompreensível.
No caminho deste Sínodo, as diferentes opiniões que se
expressaram livremente – e às vezes, infelizmente, com métodos não inteiramente
benévolos – enriqueceram e animaram certamente o diálogo, proporcionando a
imagem viva duma Igreja que não usa «impressos prontos», mas que, da fonte
inexaurível da sua fé, tira água viva para saciar os corações ressequidos.1
E vimos também – sem entrar nas questões dogmáticas, bem
definidas pelo Magistério da Igreja – que aquilo que parece normal para um
bispo de um continente, pode resultar estranho, quase um escândalo, para o
bispo doutro continente; aquilo que se considera violação de um direito numa
sociedade, pode ser preceito óbvio e intocável noutra; aquilo que para alguns é
liberdade de consciência, para outros pode ser só confusão. Na realidade, as
culturas são muito diferentes entre si e cada princípio geral, se quiser ser
observado e aplicado, precisa de ser inculturado.2 O Sínodo de 1985, que
comemorava o vigésimo aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II,
falou da inculturação como da «íntima transformação dos autênticos valores
culturais mediante a integração no cristianismo e a encarnação do cristianismo
nas várias culturas humanas».3 A inculturação não debilita os valores
verdadeiros, mas demonstra a sua verdadeira força e a sua autenticidade, já que
eles adaptam-se sem se alterar, antes transformam pacífica e gradualmente as
várias culturas.
Vimos, inclusive através da riqueza da nossa diversidade,
que o desafio que temos pela frente é sempre o mesmo: anunciar o Evangelho ao
homem de hoje, defendendo a família de todos os ataques ideológicos e individualistas.
E, sem nunca cair no perigo do relativismo ou de demonizar
os outros, procurámos abraçar plena e corajosamente a bondade e a misericórdia
de Deus, que ultrapassa os nossos cálculos humanos e nada mais quer senão que
«todos os homens sejam salvos» (1 Tim 2, 4), para integrar e viver este Sínodo
no contexto do Ano Extraordinário da Misericórdia que a Igreja está chamada a
viver.
Amados irmãos!
A experiência do Sínodo fez-nos compreender melhor também
que os verdadeiros defensores da doutrina não são os que defendem a letra, mas
o espírito; não as ideias, mas o homem; não as fórmulas, mas a gratuidade
do amor de Deus e do seu perdão. Isto não significa de forma alguma diminuir a
importância das fórmulas, das leis e dos mandamentos divinos, mas exaltar a
grandeza do verdadeiro Deus, que não nos trata segundo os nossos méritos nem
segundo as nossas obras, mas unicamente segundo a generosidade sem limites da
sua Misericórdia (cf. Rm 3, 21-30; Sal 129/130; Lc 11, 37-54). Significa vencer
as tentações constantes do irmão mais velho (cf. Lc 15, 25-32) e dos
trabalhadores invejosos (cf. Mt 20, 1-16). Antes, significa valorizar ainda
mais as leis e os mandamentos, criados para o homem e não vice-versa (cf. Mc 2,
27).
Neste sentido, o necessário arrependimento, as obras e os
esforços humanos ganham um sentido mais profundo, não como preço da Salvação –
que não se pode adquirir – realizada por Cristo gratuitamente na Cruz, mas como
resposta Àquele que nos amou primeiro e salvou com o preço do seu sangue
inocente, quando ainda éramos pecadores (cf. Rm 5, 6).
O primeiro dever da Igreja não é aplicar condenações ou
anátemas, mas proclamar a misericórdia de Deus, chamar à conversão e conduzir
todos os homens à salvação do Senhor (cf. Jo 12, 44-50).
Do Beato Paulo VI temos estas palavras estupendas: «Por
conseguinte podemos pensar que cada um dos nossos pecados ou fugas de Deus
acende n’Ele uma chama de amor mais intenso, um desejo de nos reaver e inserir
de novo no seu plano de salvação (...). Deus, em Cristo, revela-Se infinitamente
bom (...). Deus é bom. E não apenas em Si mesmo; Deus – dizemo-lo chorando – é
bom para nós. Ele nos ama, procura, pensa, conhece, inspira e espera… Ele – se
tal se pode dizer – será feliz no dia em que regressarmos e Lhe dissermos:
Senhor, na vossa bondade, perdoai-me. Vemos, assim, o nosso arrependimento
tornar-se a alegria de Deus».5
Por sua vez São João Paulo II afirmava que «a Igreja vive
uma vida autêntica, quando professa e proclama a misericórdia, (...) e quando
aproxima os homens das fontes da misericórdia do Salvador das quais ela é
depositária e dispensadora».6
Também o Papa Bento XVI disse: «Na realidade, a misericórdia
é o núcleo da mensagem evangélica, é o próprio nome de Deus (...). Tudo o que a
Igreja diz e realiza, manifesta a misericórdia que Deus sente pelo homem,
portanto, por nós. Quando a Igreja deve reafirmar uma verdade menosprezada, ou
um bem traído, fá-lo sempre estimulada pelo amor misericordioso, para que os
homens tenham vida e a tenham em abundância (cf. Jo 10, 10)».7
Sob esta luz e graça, neste tempo de graça que a Igreja
viveu dialogando e discutindo sobre a família, sentimo-nos enriquecidos
mutuamente; e muitos de nós experimentaram a acção do Espírito Santo, que é o
verdadeiro protagonista e artífice do Sínodo. Para todos nós, a palavra
«família» já não soa como antes, a ponto de encontrarmos nela o resumo da sua
vocação e o significado de todo o caminho sinodal.8
Na verdade, para a Igreja, encerrar o Sínodo significa
voltar realmente a «caminhar juntos» para levar a toda a parte do mundo, a cada
diocese, a cada comunidade e a cada situação a luz do Evangelho, o abraço da
Igreja e o apoio da misericórdia Deus!
Obrigado!
Obrigado!
_____________________________
1 Cf. PAPA FRANCISCO, Carta ao Magno Chanceler da
"Pontificia Universidad Católica Argentina", no centenário da
Faculdade de Teologia, 3 de Março de 2015.
2 Cf. PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA, Fé e cultura à luz da
Bíblia. Actas da Sessão Plenária de 1979 da Pontifícia Comissão Bíblica, LDC,
Leumann 1981; CONC. ECUM. VAT. II, Gaudium et spes, 44.
3 Relação final (7 de Dezembro de 1985), II/D.4:
L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 22/XII/1985), 652.
4 «Em virtude da sua missão pastoral, a Igreja deve
manter-se sempre atenta às mudanças históricas e à evolução das mentalidades.
Certamente não para se submeter a elas, mas para superar os obstáculos que
possam opor-se à recepção das suas recomendações e das suas directrizes»
(Entrevista ao Cardeal Georges Cottier, La Civiltà Cattolica, 3963-3964, 8 de
Agosto de 2015, p. 272).
5 Homilia, 23 de Junho de 1968: Insegnamenti 6, 1968,
1177-1178.
6 Carta. enc. Dives in misericordia, 30 de Novembro de 1980,
13. Disse também: «No mistério pascal, (…) Deus mostra-Se-nos por aquilo que é:
um Pai de coração terno, que não se rende diante da ingratidão dos seus filhos,
e está
sempre disposto ao perdão» (JOÃO PAULO II, Alocução do
«Regina Caeli», 23 de Abril de 1995: Insegnamenti 18/1, 1995, 1035). E
descrevia a resistência à misericórdia com estas palavras: «A mentalidade
contemporânea, talvez mais do que a do homem do passado, parece opor-se ao Deus
de misericórdia e, além disso, tende a separar da vida e a tirar do coração
humano a própria ideia da misericórdia. A palavra e o conceito de misericórdia
parecem causar mal-estar ao homem» (Carta enc. Dives in misericordia, 2).
7 Alocução do «Regina Caeli», 30 de Março de 2008:
Insegnamenti 4/1, 2008, 489-490. E, referindo-se ao poder da misericórdia,
afirma: «É a misericórdia que põe um limite ao mal. Nela expressa-se a natureza
muito peculiar de Deus - a sua santidade, o poder da verdade e do amor»
(Homilia no Domingo da Divina Misericórdia, 15 de Abril de 2017: Insegnamenti
3/1, 2007, 667).
8 Uma análise, em acróstico, da palavra «família» ajuda-nos
a resumir a missão da Igreja na sua tarefa de: Formar as novas gerações para
viverem seriamente o amor, não como pretensão individualista baseada apenas no
prazer e no «usa e joga fora», mas para acreditarem novamente no amor
autêntico, fecundo e perpétuo, como o único caminho para sair de si mesmo, para
se abrir ao outro, para sair da solidão, para viver a vontade de Deus, para se
realizar plenamente, para compreender que o matrimónio é o «espaço onde se
manifesta o amor divino, para defender a sacralidade da vida, de toda a vida,
para defender a unidade e a indissolubilidade do vínculo conjugal como sinal da
graça de Deus e da capacidade que o homem tem de amar seriamente» (Homilia na
Missa de Abertura do Sínodo, 4 de Outubro de 2015) e para valorizar os cursos
pré-matrimoniais como oportunidade de aprofundar o sentido cristão do
sacramento do Matrimónio; Aviar-se ao encontro dos outros, porque uma Igreja
fechada em si mesma é uma Igreja morta; uma Igreja que não sai do seu aprisco
para procurar, acolher e conduzir todos a Cristo é uma Igreja que atraiçoa a
sua missão e vocação; Manifestar e estender a misericórdia de Deus às famílias
necessitadas, às pessoas abandonadas, aos idosos negligenciados, aos filhos
feridos pela separação dos pais, às famílias pobres que lutam para sobreviver,
aos pecadores que batem às nossas portas e àqueles que se mantêm longe, aos
deficientes e a todos aqueles que se sentem feridos na alma e no corpo e aos
casais dilacerados pela dor, a doença, a morte ou a perseguição; Iluminar as
consciências, frequentemente rodeadas por dinâmicas nocivas e subtis que
procuram até pôr-se no lugar de Deus criador: tais dinâmicas devem ser
desmascaradas e combatidas no pleno respeito pela dignidade de cada pessoa;
ganhar e reconstruir com humildade a confiança na Igreja, seriamente diminuída
por causa da conduta e dos pecados dos seus próprios filhos; infelizmente, o
contratestemunho e os escândalos cometidos dentro da Igreja por alguns clérigos
afectaram a sua credibilidade e obscureceram o fulgor da sua mensagem
salvífica; Labutar intensamente por apoiar e incentivar as famílias sãs, as
famílias fiéis, as famílias numerosas que continuam, não obstante as suas
fadigas diárias, a dar um grande testemunho de fidelidade aos ensinamentos da
Igreja e aos mandamentos do Senhor; Idear uma pastoral familiar renovada, que
esteja baseada no Evangelho e respeite as diferenças culturais; uma pastoral
capaz de transmitir a Boa Nova com linguagem atraente e jubilosa e tirar do
coração dos jovens o medo de assumir compromissos definitivos; uma pastoral que
preste uma atenção particular aos filhos que são as verdadeiras vítimas das
lacerações familiares; uma pastoral inovadora que implemente uma preparação
adequada para o sacramento do Matrimónio e ponha termo a costumes vigentes que
muitas vezes se preocupam mais com a aparência duma formalidade do que com a
educação para um compromisso que dure a vida inteira; Amar incondicionalmente
todas as famílias e, de modo particular, aquelas que atravessam um período de
dificuldade: nenhuma família deve sentir-se sozinha ou excluída do amor e do
abraço da Igreja; o verdadeiro escândalo é o medo de amar e de manifestar
concretamente este amor.
[01826-PO.01] [Texto original: Italiano]
[B0817-XX.01]
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