O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

15 de junho de 2018

Aborto uma encruzilhada entre o Absurdo e a Graça

Há toda uma questão que vem mexendo com as pessoas, com a regulamentação do Aborto em países da América Latina. Penso que é preciso acordarmos para que os estados são laicos e a pluralidade de crenças e escolhas de vida imensa. O que vejo como importante é encararmos o fato de que nós precisamos fortalecer o discurso inclusivo, a mudança de valores e a abertura para um maior conhecimento e valorização da vida. E isso não pode estar somente ligado aos ainda em gestação, mas a tudo que se refere a uma agressão a Vida, não só a intrauterina.


Sou contrário ao aborto, não tenho a menor dúvida quanto a isso, aliás será que alguém é a favor? Mas será que isso me dá o direito de impedir o livre arbítrio dos que não pensam como eu, dos que não professam as mesmas crenças que tenho? Aqui estamos falando de leis, de legislação de países com uma grande multiplicidade de crenças, comportamentos, ideologias e até da ausência de qualquer crença ou religiosidade. Para os que por convicções próprias não aceitam o aborto, a lei que o permite ou descriminaliza não fará diferença, ele continuará não sendo aceito e não praticado.



No Brasil e em boa parte dos países em desenvolvimento o aborto é uma questão de saúde pública, e pior, é algo que só prejudica as mulheres mais pobres.  As mulheres de poder aquisitivo mais alto sempre contaram com as clinicas clandestinas que cobram fortunas para fazer o aborto, que por ser proibido, acabam tendo como vantagem a maior discrição, fazendo com que ninguém fique sabendo. Por força da minha profissão recebo mulheres, muitas que na aparência são “religiosas”, e que já praticaram ás escondidas um ou mais de um aborto. Todas foram bem assistidas e acompanhadas e na maioria das vezes encaminhadas por suas famílias também “religiosas”. Já as mulheres do povo, que não tem a possibilidade de pagar uma destas clínicas, acabam por  optar pelos métodos mais absurdos, que vão de agulhas de tricô aos chás , quando não caem nas mãos de algum “aborteiro”  irresponsável que colocam em risco a vida dessas mulheres  que muitas vezes vão a óbito por ignorância e falta de acompanhamento adequado.
Na minha opinião a verdadeira luta   deveria passar por uma campanha de conscientização desde as escolas no que se refere a educação sexual, métodos de prevenção e contracepção e planejamento familiar. Foi-se o tempo em que se poderia ter 8, 10 ou mais filhos. Ninguém hoje pode ter essa quantidade de filhos e cria-los com dignidade. Só mesmo as famílias com muitos recursos, e que justamente são as que optam por um número limitado de crianças. O mundo mudou e já não são aceitos os discursos e pregações de sexo só para procriação, namoro santo, por parte de pessoas que não fazem parte destas comunidades religiosas. Entretanto falar em educação sexual e contracepção parece ser algo que os mesmos adeptos dos tais S.O.S Vida também combatem. Aliás essa questão destes setores tradicionalistas e do fundamentalismo religioso, que tanto barulho fazem contra a legislação do aborto, são justamente os que não aceitam os métodos contraceptivos a não ser o natural, que não funciona com a grande maioria dos casais. Vivemos em outros tempos, a erotização está por toda parte como um dos principais objetos do marketing, a sociedade de consumo não se furta a consumir todo tipo de pessoas.


Mas então, dizem alguns, se não puderem evitar, que deixem nascer e que sejam entregues a uma instituição. Sem querer discutir esse absurdo que é ter um filho e rejeitá-lo, vemos que estas crianças em sua maioria são condenadas a ficar nas instituições até a idade adulta, especialmente as que forem negras, rotuladas como feias ou os portadores de algum tipo de deficiência. 




          Casa Mello Matos para crianças - RJ

Mas podem ser adotadas, há muitos casais que não podem ter filhos é o que usam como argumento.
 A realidade é outra, a maioria dos casais querem escolher e fazer restrições e exigências quanto a criança a ser adotada. Cor da pele, de cabelo, de olhos, tipo de cabelo, aparecia em geral... Fora o fato de alguns casais que tratam essas crianças como mercadoria, e não exitam em devolvê-las aos orfanatos depois de um tempo com essas crianças e constatarem que não era essa “mercadoria” que queriam.  Isso sem falar que a grande maioria quer recém-nascidos o que condena os maiores de 5/6 anos de idade, considerados já velhos para a adoção.




E para além disso tudo, aquela criança, rejeitada antes de nascer e abandonada após o seu nascimento, ainda tem que contar com as exigências legais para a adoção, que em nosso país são muito complicadas. Temos ainda que somar a isso, a carga de preconceito que muitos têm contra as crianças adotadas e contra quem quer adotá-las.  Os mesmos religiosos contrários ao aborto e aos métodos contraceptivos são também contrários a adoção de crianças por pais homo afetivos.


                                Criança adotada depois que 90 casais a rejeitaram por suas deficiencias




Como se vê, a questão não é complexa, na verdade ela é simples, mas o que a torna complexa é o preconceito, o fundamentalismo e o fanatismo religioso, que parece não ter se acostumado com o fato de que não estamos mais na idade média quando a igreja era o centro de tudo.
Não vivemos em feudos, a legislação não pode ser para parte da população, há uma grande massa de pessoas em situação de extrema pobreza e miserabilidade, uma grande parcela destes é também privada de informação e cultura que lhe permita planejar sua vida, escolher o melhor momento da concepção, ou até mesmo evitar a concepção.




É fundamental que consigamos sair desta situação de ser contra somente os abortos de indivíduos em estágio intrauterino e passemos a ser contra todo tipo de aborto, o dos nascidos que não consegue chegar aos 5 anos de idade, o dos que passando pelos cinco anos morrem na adolescência por terem sido cooptados pelo tráfico e todo tipo de criminalidade como forma de sobrevivência e dos que adultos estão abortados de uma vida digna que lhes permita trabalhos moradia e alimentação dignas de qualquer ser humano


Do contrário é uma hipocrisia ser ferrenhamente contra o aborto dos não nascidos e omissos ao aborto dos que nasceram e se encontram abandonados total pela vida.


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