O absurdo e a Graça

Na vida hoje caminhamos entre uma fome que condena ao sofrimento uma enorme parcela da humanidade e uma tecnologia moderníssima que garante um padrão de conforto e bem estar nunca antes imaginado. Um bilhão de seres humanos estão abaixo da linha da pobreza, na mais absoluta miséria, passam FOME ! Com a tecnologia que foi inventada seria possível produzir alimentos e acabar com TODA a fome no mundo, não fossem os interesses de alguns grupos detentores da tecnologia e do poder. "Para mim, o absurdo e a graça não estão mais separados. Dizer que "tudo é absurdo" ou dizer que "tudo é graça " é igualmente mentir ou trapacear... "Hoje a graça e o absurdo caminham, em mim lado a lado, não mais estranhos, mas estranhamente amigos" A cada dia, nas situações que se nos apresentam podemos decidir entre perpetuar o absurdo, ou promover a Graça. (Jean Yves Leloup) * O Blog tem o mesmo nome do livro autobiográfico de Jean Yves Leloup, e é uma forma de homenagear a quem muito tem me ensinado em seus livros retiros, seminários e workshops *

5 de outubro de 2013

De Bento a Francisco: assim renasceu a minha esperança na Igreja.




Francisco poderá realizar na Igreja de hoje, contra a Cúria, os ideais de fé de Francisco de Assis:PaupertasHumilitasSimplicitas? Uma reforma da Igreja não enfrentará sérias resistências? Certamente, o papa irá enfrentar forças contrárias, acima de tudo na Cúria. Os homens do poder no Vaticano não vão abandonar voluntariamente o poder que têm em mãos desde a Idade Média.
A afirmação é do professor Hans Küng, o mais renomado e influente teólogo católico crítico do mundo, em seu livro recém-publicado na Alemanha, Erlebte Menschlichkeit [Humanidade vivida] (Ed. Piper Verlag), do qual nós antecipamos alguns trechos. Küng é professor emérito da Universidade de Tübingen,Alemanha e fundador da Fundação Ética Mundial. Seu último livro em português é A Igreja tem salvação?(Paulus, 2012).
O texto foi publicado no jornal La Repubblica, 02-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Antes, eu via a morte na frente da vida. Hoje, ao contrário, eu vejo a minha vida pelas costas da morte. Eu não sei quando e como vou morrer. Talvez, serei chamado de repente, e me será poupada uma escolha individual. Seria bom assim. Mas, no caso de que eu mesmo deva decidir pessoalmente sobre a minha morte, peço a todos que se atenham aos meus desejos e vontades. Isso não deve acontecer em uma atmosfera triste e desconsolada, naquele clima em que as reportagens de TV descrevem a morte escolhida por aqueles que se voltam para associações de ajuda para a doce morte. O meu desejo é de ser acompanhado e consolado no espírito, na minha casa em Tübingen ou no lago Sursee.
Acompanhado na última viagem pelos meus colegas, pelas minhas colaboradoras, pelos meus colaboradores, assim gostaria de dizer adeus de modo digno. Depois, uma alegre missa de ação de graças poderia ser celebrada na paróquia, com o canto "Agora, agradeçam todos a Deus", e depois viria o meu enterro no cemitério da cidade de Tübingen, onde, há dez anos, eu procurei um túmulo para mim ao lado de Walter e Inge Jens... O que resta de um estudioso que não é capaz de ler e de escrever? Eu não quero continuar vivendo como uma sombra de mim mesmo. Uma pessoa tem o direito de morrer se não tem mais nenhuma esperança de continuar vivendo de modo humano segundo a sua concepção pessoal.
A Inquisição de Ratzinger
Em 1981, o cardeal Joseph Ratzinger foi convocado de Munique a Roma: como prefeito do Santo Ofício, hoje chamadoCongregação para a Doutrina da Fé... Sobre esse período da sua vida, quase um quarto de século até a sua eleição a papa, Joseph Ratzinger, na sua autobiografia. não diz uma palavra. Por que esse silêncio? Nos fatos, ele apoiou de todos os modos possíveis a linha restauradora conservadora de João Paulo II e foi, portanto, o meu mais poderoso antagonista em todo o gigantesco aparato da maior multinacional religiosa do mundo. O fato de que os "serviços" da Cúria, com a ajuda das modernas técnicas de comunicação, se tornaram muito "ágeis", já me tinha sido apontado pelo cardeal Montini, sobPio XII.
Bento XVI convida o seu crítico
Eu pensei a respeito por um longo tempo, depois enviei a carta. Eu propunha um encontro com Bento XVI para falar sobre as questões da fé, aquelas que nos unem e não aquelas que nos dividem. A resposta veio dele: "Agradeço-lhe pela amigável carta. Naturalmente, estou pronto para uma conversa com o senhor". No dia 31 de agosto de 2005, o secretário particular do papa, Dr. Georg Gänswein, me telefonou para combinar a data do encontro.
encontro com o papa foi intenso. Revi o Ratzinger que eu lembrava de anos antes: amável, atento, amigável, sempre rápido para entender, sempre pronto para uma risada espontânea. "E, então, sobre o que queremos falar?", perguntou-me. Eu respondi: "Concordamos em não falar sobre questões controversas, mas sim sobre questões-chave da Igreja e da sociedade". Falamos longamente. Ele concordou com a importância de um Ethos mundial. Também falamos dos debates sobre a homossexualidade. À época, na Itália, se discutia o registro das uniões gays, favorecida por Romano Prodi. Infelizmente, o Vaticano, então, preferia, em vez de Prodi, o frívolo Berlusconi, que, teoricamente, defendia a moral cristã e depois organizava festas eróticas até mesmo com menores.
O adeus ao Concílio
Joseph Ratzinger como papa deixou escapar a oportunidade histórica de transformar o Concílio Vaticano II na bússola da Igreja. Ao contrário, minimizou os textos do Concílio e os interpretou contra os Padres do Concílio. Ele falou de "hermenêutica da continuidade". No dia 15 de dezembro de 2008, ele removeu a excomunhão contra os bispos ordenados ilegalmente e fora da Igreja pela fraternidade ultraconservadora dos irmãos de Pio, que contesta o Concílio nos pontos centrais e conta com expoentes como o bispo Richard Williamson, negacionista do Holocausto, o que reabriu um conflito entre o papa e o judaísmo. Depois, reintroduziu a missa medieval tridentina e a eucaristia administrada em latim de costas ao povo dos fiéis.
A renúncia surpreendente de Bento: volta a esperança
O fato de que o meu ex-companheiro de estudos teológicos, Joseph Ratzinger, estava pronto para abdicar é algo que eu nunca duvidei. Ele é um homem marcado pelo senso do dever e da responsabilidade. Ele já havia falado disso em uma conversa com um jornalista. Mas o momento do anúncio da sua renúncia me surpreendeu totalmente: foi o dia 11 de fevereiro de 2013, justamente a festa alemã de Rosenmontag [o carnaval alemão], razão pela qual muitos de nós pensamos que fosse uma brincadeira de carnaval. Mas Ratzinger explicou a sua renúncia com argumentos sérios: as suas forças estavam começando a faltar, ele não se sentia mais capaz de garantir essa responsabilidade. Eu só posso me identificar na sua situação: ele enfrentava críticas crescentes, sofria cada vez mais com o escândalo dos abusos sexuais, depois veio o caso Vatileaks. Por isso eu comentei a corajosa decisão de Joseph Ratzinger com grande elogio e respeito.
Papa Francisco: um paradoxo?
Eu tinha decidido renunciar de todo cargo no meu 85º aniversário. Eu não esperava que se realizaria o sonho de um novo despertar da Igreja, como aconteceu com João XXIII. Mas, no dia 19 de março de 2013, meu aniversário e onomástico deRatzinger, um novo papa com o surpreendente nome de Francisco assume o cargo. Quem sabe se Jorge Mario Bergoglio pensou em por que nenhum outro papa escolheu o nome de Francisco. Em todo o caso, o argentino sabia bem que estava se referindo a Francisco de Assis, o filho de ricos mercadores que optou por abandonar toda riqueza.Bergoglio logo mudou de estilo: nada mais de mitras com ouro e pedras preciosas, nada de púrpuras e mantos, nada de arminhos, nada de sapatos vermelhos feitos sob medida, nada de trono suntuoso com a tiara.
Logo me fiz perguntas: se e como Francisco poderia realizar na Igreja de hoje, contra a Cúria, os ideais de fé de Francisco de AssisPaupertasHumilitasSimplicitas. Põe-se outra pergunta: uma reforma da Igreja não enfrentará sérias resistências? Certamente, o papa irá enfrentar forças contrárias, acima de tudo na Cúria. Os homens do poder no Vaticano não vão abandonar voluntariamente o poder que têm em mãos desde a Idade Média.
Um sinal de esperança de Roma
Depois de poucas semanas desde a eleição, o Papa Francisco convocou oito cardeais a Roma para estudar a reforma da Igreja e da Cúria. Uma nova forma de direção colegial da Igreja se anuncia. Tomei esse evento como uma oportunidade para escrever uma carta pessoal ao Papa Francisco no dia 13 de maio de 2013. Carta em que expressei a minha alegria pela primeira eleição de um latino-americano e de um jesuíta como papa, e sublinhei a minha alegria com a mudança de estilo no espírito de São Francisco de Assis. Depois escrevi a passagem-chave: "Para sair da atual crise da nossa Igreja, são necessárias algumas reflexões, também sobre o âmbito moral, e acima de tudo reformas estruturais. Será muito difícil impor isso. Por isso, desejo-lhe muita sabedoria, coragem e força para resistir".
Para minha surpresa, o Papa Francisco me respondeu. Com uma carta pessoal escrita à mão. Ele assina: "F., Domus Sanctae Marthae". Eis o texto: "Gentilíssimo Dr. Küng, recebi a sua carta do dia 13 juntamente com um artigo e dois livros, que com gosto irei ler. Obrigado de coração pela sua amizade. Fico à sua disposição. Por favor, reze por mim, porque eu realmente preciso. Que Jesus o abençoe, e que a Virgem Maria o ajude. Fraternalmente, Francisco".
No dia 28 de junho, eu agradeci ao papa e lhe contei sobre uma carta aberta minha aos cardeais antes do conclave de 2005, acolhida com tensão no Vaticano. Naqueles mesmos dias, um alto prelado foi preso com dois cúmplices por transações ilegais no IOR. Pouco depois, a cúpula do banco teve que se demitir. O Papa Francisco já tinha nomeado uma comissão independente sobre o banco vaticano. Muitas escolhas são tomadas por ele esquivando-se da Cúria. São todos sinais de que esse papa quer fazer com que as palavras sejam seguidas pelos fatos e parece decidido a verdadeiras reformas.

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